Educação Pública
A centralidade do Pronera na luta pela Educação do Campo e a Reforma Agrária
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Em mais de 39 anos do lutas e resistências por todo o país, o MST constrói um processo histórico de aprendizados coletivos, saberes populares e conhecimento científico, transformando a realidade e o cotidiano dos/as trabalhadores/as Sem Terra, na luta pela e na terra, com diversas mudanças nos territórios democratizados e conquistados na luta pela Reforma Agrária Popular, bem como constrói novas relações humanas, mais democráticas e emancipadas. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que neste domingo (16), completa 25 anos de existência é fruto desse processo coletivo de lutas dos Sem Terra e do conjunto dos movimentos populares e sindicais do campo, pela efetivação do direito à educação pública pelos povos do campo, das águas e da floresta, desde a infância até a universidade.
O Programa foi criado em 16 de abril de 1998, e teve significativos avanços nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), porém foi paralisado no governo de Bolsonaro.
Reafirmamos neste momento de comemoração e retomada do PRONERA que é um marco na construção da política pública de Educação do Campo, sendo a primeira ação efetiva do Estado brasileiro em resposta à luta e as reivindicações sociais por uma Educação do Campo. Seguiremos trabalhando e lutando pelo rompimento das cercas do latifúndio da terra e da ciência. Viva os 25 anos do Pronera!”, celebra Valter Leite, do Coletivo Nacional de Educação do MST.
O Pronera foi criado pelo governo federal, a partir de diversas lutas dos movimentos populares e sindicais do campo por uma educação pública e de qualidade no campo. O programa garante o acesso à educação em vários níveis, da alfabetização até o nível superior aos camponeses/as e trabalhadores/as rurais e de seus filhos, que vivem em territórios de Reforma Agrária, quilombolas e camponeses.
“Vejo o Pronera como resultado do acúmulo de uma organização de camponeses/as Sem Terra, na luta pela terra e pela Reforma Agrária, que tomou consciência de que a educação é fundamental pra avançar na organização de territórios livres do latifúndio, em que os camponeses/as tenham centralidade”, afirma Ayala Ferreira, da direção nacional do MST.
Conforme nota do MST à sociedade brasileira, o Pronera tem sido fundamental na conquista do “acesso à alfabetização e à escolarização de mais 190 mil jovens e adultos(as).” Juntamente, “ao acesso à educação superior – em cursos de graduação, especialização e mestrado”. Mais informações veja AQUI.
Contexto histórico
Ainda na década de 1980, após as primeiros ocupações de terras, em latifúndios que não cumpriam a função social da terra e em beiras de estadas, o MST compreende a necessidade em aliar a luta pela terra e por Reforma Agrária, há à luta contínua por uma educação pública e de qualidade do campo, por ser um direito dos trabalhadores/as rurais, negado há séculos pelos governos e pelo próprio Estado brasileiro.
A partir disso, o MST segue em luta pela universalização do direito à escola pública de qualidade social, cobrando dos estados e municípios a construção de escolas do campo em áreas de acampamento e assentamentos, lutando contra o fechamentos de Escolas do Campo, pela formação de educadores do campo, de cursos técnicos e de graduação voltados ao público da Reforma Agrária, em parceria com Instituições de Educação Superior, bem como um conjunto de políticas públicas para assegurar o acesso ao direito à educação pública aos trabalhadores/as rurais da Reforma Agrária e seus filhos.
Além da luta pela educação do campo, com um ensino que valoriza e contempla a realidade do campo e a luta pela democratização da terra e pela Reforma Agrária, no processo de ensino-aprendizagem e construção do conhecimento. “O MST busca construir coletivamente um conjunto de práticas educativas na direção de um projeto social emancipatório, protagonizado pelos trabalhadores/as. A construção de uma escola ligada à vida das pessoas, que torne o trabalho socialmente produtivo, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história como matrizes organizadoras do ambiente educativo escolar, com a participação da comunidade e auto-organização dos educandos e educandas, e dos educadores e educadoras”, informa o setor de educação do MST no site do Movimento. Veja mais AQUI.
Direito à educação pública e formação superior
Para Valter Leite, a comemoração dos 25 anos do Pronera demonstra o enraizamento histórico da luta das/os camponesas/es Sem Terra por Reforma Agrária no Brasil e carrega a memória coletiva do sangue derramado dos 21 Sem Terra assassinados no Massacre de Eldorado do Carajás em 1996, que se completa 27 anos neste 17 de abril, período em que o MST realiza a 26ª Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. “Nessa data, reafirmamos a denúncia da violência, das injustiças sociais e da impunidade dos organizadores da morte, anunciando a luta por terra, por alimento saudável, por educação e dignidade no campo”, destaca.
Ele explica que o MST também celebra o sentido pedagógico do Pronera, pois o programa contribuí com a humanização dos territórios da Reforma Agrária, com a elevação do nível de escolarização e cultural dos jovens e adultos acampados e assentados, e possibilita o acesso à educação superior e qualificação dos povos do campo.
Temos uma geração de trabalhadoras/es, lutadores/as e construtoras/es do povo formados pelo Pronera em distintas áreas do conhecimento que trabalham pelo desenvolvimento social, econômico, cultural, educacional e produtivo dos acampamentos e assentamentos. Somos milhares de Sem Terra que realizamos o sonho coletivo de acessar a Educação Superior e qualificar a nossa atuação profissional pela emancipação dos territórios“, enfatiza Valter.
Identidade camponesa e formação técnica
Já em relação ao papel do Pronera na luta pela Reforma Agrária Popular, Ayala Ferreira, também aponta duas dimensões centrais: a primeira é o despertar nos trabalhadores/as Sem Terra ao pertencimento da identidade camponesa. “Pertencer a uma sociedade, mas pisando no chão concreto da realidade camponesa. Essa é uma grande contribuição do Pronera pra Reforma Agrária”, afirma.
Em segundo lugar, a dirigente destaca a dimensão técnica, com a formação de profissionais, que atuam no campo e fazem um contraponto à hegemonia do agronegócio, trabalhando a diversificação da produção de alimentos saudáveis, a partir da agroecologia, que procura garantir não somente a subsistências das famílias do campo, mas também alimentar as populações que vivem nas cidades.
Ao longo desses 25 anos o Pronera foi fundamental para o avanço da Reforma Agrária Popular fortalecendo o senso de pertencimento e identidade dos sujeitos camponês, com um projeto de emancipação da classe trabalhadora, assim como a formação técnica, que vai para além da lógica do agronegócio e do capital que lamentavelmente está hegemonizado no campo brasileiro“, aponta Ayala.
Desafios para retomada
Hoje o Pronera ainda conta com vários desafios, pois desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma em 2016, enfrenta a falta de recursos e foi asfixiado pelos governos Temer e Bolsonaro. “Um primeiro desafio do Pronera é a recomposição orçamentária de 100 milhões de reais para 2023, para permitir concluir os cursos em andamento, iniciar imediatamente os projetos já aprovados e atender dezenas de outros projetos reprimidos nos últimos seis anos. Com isso revisar e atualizar os valores do custo estudante/ano, bolsas de permanência e de toda equipe docente, pedagógica e administrativa que conduzem os cursos”, pontua Valter.
Contudo, mesmo no período difícil, o dirigente do setor de educação do MST relata que o Pronera não morreu e manteve o funcionamento de alguns cursos, devido à organização dos movimentos populares e as sólidas parcerias construídas com as Instituições de Ensino Superior. “Os cursos pelo Pronera seguiram vivo pela autogestão dos estudantes, professores e dos Movimentos Sociais Populares do Campo, que não permitiram cessar os cursos em andamento.”
Nesse sentido, o setor de educação do MST, aponta que o programa precisa passar por um processo coletivo de revisão e atualização do seu manual de execução, do seu orçamento e dos instrumentos operacionais de parceria com as Instituições de Ensino Superior.
Objetivamos neste próximo ciclo oferecer resposta a uma dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população do campo, é inadmissível o índice de analfabetismo que ainda temos no campo, no Nordeste são 13,9%. Sem dúvidas por meio do Pronera e em parceria com MEC, pode-se constituir uma resposta enfática a essa mazela histórica e social”, ressalta Valter.
Por outro lado, o MST também reivindica junto ao Pronera o avanço na formação política, científica, teórica e pedagógica com cursos em diferentes áreas do conhecimento “para seguirmos edificando um projeto de sociedade em que a valorização do ser humano, da natureza e a produção de alimentos saudáveis esteja na centralidade”, defende Valter.
As ações do programa ainda não foram suficiente para resolver o problema histórico do analfabetismo no campo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2017), a taxa de analfabetismo no campo era de 17,7%, contra 5,2% nas cidades, mas sabemos que essa taxa está defasada por conta dos impactos da pandemia na educação, bem como do fechamento de diversas Escolas do Campo pelo governo anterior.
Porém, mesmo com diversos desafios a serem superados, o Pronera segue sendo central para as lutas do MST e dos demais movimentos populares e sindicais do campo, na formação técnica e política dos povos camponeses e seus filhos/as, além de contribuir para a permanência das famílias no campo, e na construção de um projeto popular da classe trabalhadora, na disputa de hegemonia com o modelo destruidor do agronegócio.
“O Pronera, assim como outras políticas conquistas pelas mãos dos trabalhadores/as foi e segue sendo fundamental na superação de muitas desigualdades provocadas pelo capital no campo brasileiro. Me orgulho em fazer parte desses homens e mulheres, que ao longo desses anos tiveram acesso à níveis de conhecimento tão importante pra nossa consciência e existência no campo“, finaliza Ayala.
*Editado por Lays Furtado