Produção de Alimentos
Quem tem medo da Reforma Agrária?
Por Divina Lopes e Pablo Neri*
Do Mídia Ninja
Desde a posse do governo Lula, e mesmo antes, no período da eleição, é recorrente a divulgação de material nas redes sociais que criminalizam ou hostilizam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Assim, grupos conservadores e liberais alimentam a narrativa que a organização seria a “extrema esquerda” que apoia o presidente, que usam de “invasões de terras” como prática terrorista prejudicando os “cidadãos de bem”. Mesmo que os ataques sejam direcionados ao MST, o objetivo desse tipo de propaganda é criminalizar organizações do campo que lutam pela Reforma Agrária, criando temor na sociedade e um ambiente de rejeição às manifestações dos setores populares do campo. Mas quem paga esse tipo de propaganda?
O MST, e outros tantos movimentos que defendem uma diversidade de direitos do povo brasileiro sobre seu território, já estão acostumados há décadas a lidar com este debate. Desde Joaquim Nabuco se denuncia a relação entre concentração de terras e escravidão em nosso país. A concentração de terras no Brasil segue sendo um dos principais pilares de sustentação e manutenção das desigualdades. O Brasil soma- se ao conjunto de países da América Latina e África-Ásia com passado colonial, fundado no modelo plantation e extração mercantil. Grandes fazendas de cana de açúcar se tornaram hoje carne, minério e grãos. Ainda que essa história tenha mais de 500 anos, esta é a gênese de uma das maiores concentrações de terras do mundo. Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm 46% de todas as terras e dos 400 milhões de hectares privados apenas 60 milhões são utilizados na lavoura.
O monopólio da propriedade da terra conjugado com a lavoura de monocultivo em nosso país sempre jogou papel decisivo pois é projetado por um mercado agroexportador que controla não apenas a produção agrícola, mas boa parte do poder político e econômico, a hipertrofia da bancada ruralista no Congresso Nacional é a contraprova dessa estrutura secular.
Um exemplo bem elucidativo de como o discurso de criminalização dos movimentos sociais atinge toda a sociedade, é o Instituto Pensar Agro (IPA), reúne mais de mil empresas do agro de diferentes setores (grãos, agrotóxicos, sementes transgênicas, frigoríficos, papel, cítricos, laticínios, etc.). As empresas da IPA receberam 1,4 tri de investimentos dos fundos estrangeiros[1] -sem falar nos inúmeros incentivos e flexibilizações de legislações que este setor recebe. São estes senhores que mantêm campanhas permanentes contra a reforma agrária e os movimentos sociais.
O desenvolvimento capitalista periférico concentra-se no uso indiscriminado de bens naturais e na permanente desestruturação das condições de vida de famílias e comunidades. Para não parecermos repetitivos, os processos espoliativos se materializam de formas distintas, mas articuladas, na privatização/financeirização das formas de vidas e da natureza gerando uma população excluída, descartável para os interesses do capital. A elite brasileira está mais próxima de um conjunto de rentistas que propriamente de empresários. A determinação financeira dos processos econômicos atuais o torna mais especulador. Médios fazendeiros, sem perceberem, invariavelmente se tornarão cada vez mais dependentes desta lógica rentista a nível internacional. Outra faceta do desenvolvimento capitalista é o “capitalismo verde”, mas que se concilia muito bem com concentração de terra e desigualdade.
Isso nos leva a compreender porque é tão importante insuflar o medo e o ódio contra o MST e a Reforma Agrária. Estes setores ultrapassam diferentes ciclos econômicos e formas de governo e seguem dominando e concentrado riqueza e poder ancorados num sistema político-jurídico que sempre privilegiou uma minoria prepotente, quase sempre branca, masculina, heterossexual, proprietária de terras, de bancos e empresas que direcionam a política e a produção econômica em benefício próprio, para lucrar e concentrar cada vez mais.
É essa minoria prepotente que sempre teve medo da Reforma Agrária, pois esta representa projetar o Brasil numa nova ordem econômica mundial dando lugar a outros setores e ampliando as possibilidades produtivas do país. Diferente disso, o agronegócio hoje representa uma estética e uma cultura conservadora de defesa da propriedade privada em detrimento as consequências trágicas que recaem diretamente sobre os territórios camponeses, povos indígenas, e comunidades tradicionais, mas impactam de forma decisiva o conjunto da sociedade, produzindo crise hídrica, perda da biodiversidade, mudanças climáticas, situações de trabalho análogas à escravidão, envenenamento do ambiente e das pessoas.
Para os que procuram alternativas para este sistema, a reforma agrária é uma promessa de novidade. Quando legitimamente o MST, ou outras organizações de luta por terra, teto e direitos, fazem nascer do conflito novos territórios em diferentes espaços e contextos, dão aos povos que participam da sua luta uma outra perspectiva de vida, que não há designada pelo movimento do capital.
Essa diversidade de lutas coletivas precisa ser potencializada a partir das características, vínculos, espiritualidade, sonhos e demandas que as unificam. O que existe de universal na realidade particular de cada processo pode se conectar as lutas mais amplas a nível nacional e global e engrossar as tranças de solidariedade e defesa de uma outra sociabilidade.
Defendemos a Reforma agrária Popular como indispensável para a produção de alimentos saudáveis, superação da fome e combate ao modelo hegemônico do agronegócio. Para isso, assumimos alguns desafios; potencializar a cooperação agrícola, mudança da matriz produtiva e luta permanente pela democratização da terra e de direitos. A defesa de uma sociedade livre do latifúndio deve ser bandeira de todos e todas que acreditam na superação da exploração e na emancipação humana.
[1] BlackRock, JP Morgan Chase, Bank of America, Barclays e Banco Santander. Os financiadores da Boiada. De olho nos Ruralistas.
*Da direção nacional MST