Justiça

Assassino de Lindolfo Kosmaski é condenado a 19 anos de prisão por crime de homofobia 

Júri popular ocorreu quase dois anos após o corpo do jovem ter sido encontrado carbonizado, em São João do Triunfo, sul do Paraná
Júri ocorreu em São João do Triunfo, cidade em que Lindolfo morava e onde foi assassinado. Foto: Wellington Lenon/MST-PR 

Por Setor de Comunicação e Cultura e Coletivo LGBT Paraná
Da Página do MST

Dezoito de abril de 2023. Um ano, 11 meses e 18 dias do crime brutal que ceifou a vida de nosso camarada Lindolfo Kosmaski. Dia chuvoso em São João do Triunfo (PR), muitas horas de tensão, emoções e revolta diante do reavivamento do dia que seria o último de vida do jovem professor. Testemunhas foram ouvidas, novas informações foram trazidas sobre o caso. As horas passavam, a noite chegou, e o sentimento de revolta e de justiça só aumentavam. As partes foram ouvidas, o júri estava atento, e nós também. Já se passavam mais de doze horas quando as réplicas começaram, o frio anunciava a madrugada, o sereno caía.

Após 18 horas de júri, argumentos, depoimentos, espera, o júri popular decide condenar o acusado Robson José Voinarski a 19 anos e 6 meses de prisão por homicídio triplamente qualificado.  

A sentença foi lida pelo juiz Gyordano Weschenfelder Bordignon para um público e familiares, amigos e colegas de trabalho de Lindolfo, que acompanharam todo o julgamento no Fórum de São João do Triunfo, região Sul do Paraná. Lindolfo foi morto no dia 1º de maio de 2021, aos 25 anos, e teve seu corpo totalmente carbonizado. A sentença confirmou a acusação de que se tratou de crime de ódio contra uma pessoa LGBT.  

Com cartazes estampando o rosto de Lindolfo e as cores do arco-íris, em referência à luta contra a homofobia, cerca de 20 pessoas organizaram um protesto silencioso em frente ao Fórum, antes do início da sessão. Acompanharam o júri militantes do MST e da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), da APP Sindicato, além de um representante da secretaria nacional LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos, Hiago Mendes Guimarães. 

Mobilização realizada nesta terça, em frente ao Fórum de São João do Triunfo. Foto: Wellington Lenon/MST-PR

João Alberto Pereira kosmaski, irmão de Lindolfo, acompanhou todo o júri ao lado dos pais e outros irmãos. “Foi muito sofrido, tanto para mim, quanto para família. Nós achamos que o condenado podia ter pego mais tempo de sentença, mas não somos nós que decidimos isso. Estamos um pouco mais aliviados sabendo que o verdadeiro culpado está sobre as grades”, enfatizou o jovem. 

“Nós temos sede de justiça. Ela não trará os nossos mortos de volta, mas poderá responsabilizar os culpados diretos e os responsáveis ideológicos, por mostrar que a homofobia é estrutural, e que está arraigada na nossa sociedade, e que vitimiza muitas e muitas pessoas todos os dias”, afirmou Vinicius Oliveira, integrante da direção do MST do Paraná pelo Coletivo LGBTI+, atualmente integrante da coordenação pedagógica da ELAA, onde foi colega de Lindolfo, quando cursaram Licenciatura em Educação do Campo. 

A importância da sentença torna-se ainda maior diante do contexto de injustiça em outros casos de homofobia ocorridos na região, sequer tiveram julgamento. “Toda a defesa do acusado foi pautada em uma moralidade e um conservadorismo que não é novo pra nós, LGBTs, quando um de nós é assassinado. Contudo, não foi suficiente e o júri teve a percepção da gravidade do caso e a evidente culpa do assassino”. 

Micheli Toporowicz, advogada que atuou como assistente de acusação no processo, relata o que viveu ao acompanhar o caso de perto: “Foi uma experiência dolorosa. Nestes dois anos eu consegui acompanhar o sofrimento da família com a falta do Lindolfo, porque ele era um provedor e, além disso, era a referência familiar. Por outro lado, foi uma experiência maravilhosa pelo que pude aprender sobre o amor pela bandeira social que o Lindolfo levantava”. 

Entre os argumentos para ampliação da pena do acusado está a homofobia, “pois o motivo do crime foi para ocultar a orientação sexual ou bissexual do acusado, assim a homofobia é a aversão ou rejeição por todo tipo de orientação sexual não-heterossexual, bem como a rejeição de certas pessoas a seus próprios desejos”, conforme explica a advogada. 

Toporowicz avalia a sentença como justa, em termos processuais, por ter sido considerado homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Robson tem 22 anos e estava preso desde o início das investigações. 

Vida de Lindolfo

Lindolfo nasceu no dia 11 de setembro de 1995, no município de São João do Triunfo, no estado do Paraná, em uma comunidade camponesa de pequenos agricultores e agricultoras, chamada Coxilhão de Santa Rosa.

Jovem educador, LGBT, Lindolfo Kosmaski assassinado brutalmente. Foto: Rafael Stedile

Sempre muito estudioso, em 2014 após terminar o ensino médio, participou da Jornada de Agroecologia na Escola Milton Santos (EMS), um centro de formação do MST, no município de Maringá (PR). Também tinha o sonho de cursar medicina. Foi para a Escola Latina Americana de Agroecologia (ELAA), na Lapa (PR).

Em 2015 estudou no curso de Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza com ênfase em Agroecologia em parceria com a ELAA e a UFPR/Setor Litoral. Neste período conhece o MST e passa a participar das atividades, se reconhece como gay e começa a participar do Coletivo LGBT do Movimento. 

Imagem do primeiro ato por justiça ocorreu em 8 de maio de 2021, com cerca de 200 pessoas. Foto: Joka Madruga 

Em 2018, ao concluir o curso volta para sua comunidade, em São João do Triunfo e continua os estudos no Programa de Pós-graduação em Ciências e Matemática, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Dois anos depois, em 2020, concorre a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no município, para tentar contribuir com a sua comunidade e nesse período também atuava como professor da Rede Estadual de Ensino do Paraná em quatro escolas.

Homofobia mata 

O assassinato do Lindolfo não é um caso isolado. Em 2021, houve no Brasil, pelo menos 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+). O número representa um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior, quando foram 237 mortes. Os dados são do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil.

Entre os crimes ocorridos em 2021, 262 foram homicídios (o que corresponde a 82,91% dos casos), 26 suicídios (8,23%), 23 latrocínios (7,28%) e 5 mortes por outras causas (1,58%).

O dossiê, produzido por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, é resultado de uma parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

*Editado por Solange Engelmann