Agroecologia e Educação
Estudantes questionam CPI e se encantam ao visitar pela primeira vez uma área do MST na PB
Por Pedro Stropasolas
Do Brasil de Fato
Em meio aos ataques e a tentativa de criminalização do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em Brasília, os camponeses abriram as portas de suas áreas, entre assentamentos e acampamentos, para mostrar o que, de fato, a reforma agrária pode gerar ao país.
No Assentamento Zumbi do Palmares, no município de Mari (PB), os estudantes do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) puderam conhecer de perto o funcionamento de uma agroindústria e se impressionaram com a auto organização do movimento.
“Eu acho que foi um agregador para o nosso conhecimento e também um agregador para nós enquanto seres humanos, poder ver o que é esse movimento e como ele é importante”, conta Aluylken Teixeira de Cássia, estudante do curso de Licenciatura em Ciência Biológicas do IFPB Campus Cabedelo, que pisou pela primeira vez em um assentamento do MST.
O jovem conta que antes tinha preconceito contra o movimento. “Parte muito desses princípios que as pessoas dizem, que quem está ligado ao movimento não tem uma experiência acadêmica, não tem uma experiência profissional. Na verdade tudo isso aqui existe aqui, e existe dentro do movimento. Pessoas que dão uma contribuição enriquecedora para as comunidades. São pessoas formadas e com capacitação”, pontua.
A visita guiada dos estudantes do IFPB faz parte da Jornada Nacional de Vivências do MST, que se estendeu durante a primeira quinzena de junho em todas as regiões do país.
“É aqui onde a gente pode mostrar quem a gente é de verdade, a partir da nossa produção, a partir dos espaços de moradia construídos, a partir das nossas cooperativas, nossas escolas, do bem-estar das pessoas. Então esse é o lugar que a gente quer que a sociedade conheça o MST”, explica Gilmar Felipe, da Direção Nacional do MST na Paraíba.
“A gente não pode permitir que as pessoas conheçam o MST pelo diálogo que os inimigos do povo brasileiro, da natureza, da reforma agrária, fazem. As pessoas precisam conhecer o MST vindo onde a luta do movimento se materializa, que é no assentamento, que é no acampamento. Então, a ideia de construir as vivências é trazer a sociedade para dentro do nosso território para que elas conheçam de fato qual é a natureza da nossa luta, qual o objetivo da nossa luta e as mudanças concreta que o MST tem promovido na vida das pessoas a partir da luta pela terra, a partir do enfrentamento ao latifúndio improdutivo que se instalou nesse Brasil há 523 anos”, completa a liderança.
Agroindustrialização
A história do assentamento Zumbi dos Palmares, com 1,2 mil hectares, começou 22 anos atrás, quando o MST ocupou um latifúndio improdutivo que abrigava apenas algumas cabeças de gado. Os camponeses passaram então a reflorestar a área e cultivar uma diversidade de culturas, com destaque para a macaxeira.
“Teve gente aqui no início que no primeiro plantio de mandioca fez cinquenta, sessenta mil reais. Para a época, já era uma boa economia. Então, aqui é um território que vai marcar o avanço da reforma agrária pela sua alta produtividade. O assentamento Zumbi dos Palmares é um assentamento altamente produtivo. Quando a gente pega os primeiros créditos de instalação, fomento, aí a gente investe em plantação de frutas. Das 85 famílias assentadas, se a gente for passear nos lotes, a gente vai encontrar todo mundo com fruteiras plantadas”, explica Gilmar Felipe.
O salto na produção se deu com o avanço das políticas públicas institucionais, que possibilitaram o beneficiamento do tubérculo por meio da Cooperativa de Produção Agropecuária do Assentamento (Coopaz).
Atualmente, o assentamento chega a colher anualmente 4.250 toneladas de macaxeira. O cultivo da raiz é viabilizado pelo Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) e financiado pelo Banco do Nordeste. Segundo a cooperativa, só na pandemia foram mais de 30 toneladas de macaxeira beneficiadas.
O principal destino da macaxeira palito e embalada a vácuo, além das polpas produzidas na Agroindústria Orlando Bernardo, são as escolas, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE.
“Para nós da região da zona da mata norte é realmente um motivo para se orgulhar. E é fruto da luta e do desejo das famílias de agregar valor ao seu produto e colocar um produto de maior qualidade, tanto no campo, como na cidade”, explica Juliene Kelly Diniz Carneiro, que atua no setor de produção e é uma das representantes da Coopaz.
Tour pelo assentamento
Além de conhecerem a Agroindústria Orlando Bernardo, os estudantes do IFPB foram recebidos na escola da comunidade, participaram de uma ação de plantio de árvores, e finalizaram a visita com um café da tarde servido com os alimentos produzidos pelo MST no local.
Para o professor Thiago Ruffo, é importante que os jovens saibam desde cedo reconhecer a importância da reforma agrária e da agricultura familiar como alternativas para conciliar a produção de alimentos e a responsabilidade ambiental
“Trazer esses alunos aqui no assentamento é uma prática que a gente quer fazer de forma mais corriqueira, principalmente com a CPMI posta no congresso que tem o objetivo de criminalizar o movimento. A nossa ideia é que a gente possa conhecer o assentamento, mostrar pra os futuros professores o que de fato é, né? Quem são essas pessoas, o que produzem e o que fazem”.
Lucro
A estudante Vanessa da Silva resumiu a criação da CPI do MST em Brasília em uma palavra: lucro. “Se eles estivessem pensando na população, em renda, na alimentação, tudo isso, eles fariam de uma forma diferente. E a gente vê que todos os caminhos que eles estão buscando, todas as articulações que eles fazem, é justamente em busca do lucro. Não vejo outro sentido a não ser esse daí”, opina.
Ela conta que a vivência foi boa para desconstruir estereótipos. Mas alerta: nem todos vão ter a oportunidade de vivenciar de perto o que é o MST, e segundo a jovem, essa desinformação é perigosa.
“Eles estão usando dessa falta de conhecimento para conseguir criar essa imagem negativa, criminalizar o movimento. Quem não tem conhecimento a respeito do que acontece aqui dentro, de como é organizado, muitas vezes começam a estar a favor deles, e justamente por não conhecer. Daí que entra a importância da gente conseguir estar aqui presenciando tudo isso, porque a gente pode compreender, e passar para frente”, completa.
Ao todo, a CPI tem 54 membros entre titulares e suplentes. Desse total, 40 deputados são ruralistas, ligados à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada do agronegócio.
Entre eles, está o presidente Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), cuja campanha para deputado estadual em 2018 foi financiada por fazendeiro condenado por submeter 23 trabalhadores em condições degradantes no Mato Grosso.
“Você tem um movimento que além garantir que a terra cumpra sua função social ainda leva pra sociedade comida saudável e de verdade. Isso é o que mais amedronta. E a população e a sociedade sabe disso, que a gente produz comida”, finaliza Gilmar Felipe.
Edição: Thalita Pires