Canções da luta!

Produção musical do MST anima e fortalece a luta pela terra em quase 40 anos de história

I Encontro Nacional de Música do MST, que acontece de 15 a 21 de outubro deste ano, em São Paulo, quer resgatar a produção musical Sem Terra de quase 40 anos de luta e possibilitar maior acesso à esse acervo
Lançamento nacional do CD Arte em Movimento, julho de 1998, RJ. Foto: Acervo MST

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Hoje é possível conhecer o MST a partir de sua produção musical. A música Sem Terra acompanha a luta de quase 40 anos do Movimento, na defesa da democratização da terra, Reforma Agrária e transformação social. Ao longo de sua história os Sem Terra tem composto canções que expressam o processo de luta cotidiano, os desafios e as conquistas de cada momento histórico e sociopolítico de enfrentamento ao latifúndio e reivindicações juntos aos governos. As canções inicialmente foram gravadas em fitas K7, depois em CDs e atualmente nas tecnologias digitais.

Assim explica Minerin, do Coletivo Nacional de Cultura do MST, uma vez que, a partir das letras e canções de cada período histórico, a música no MST tem um papel fundamental em animar, agitar e também em fortalecer a convicção e identidade das pessoas que estão lutando pela terra e enfrentando os desafios dessa luta no campo, desde a década de 1980.

“A música está presente na vida do MST desde do início da formação do Movimento Sem Terra. Vamos falar aí das primeiras ocupações, de encruzilhada natalino, lá no Rio Grande do Sul, em 1979, quando já havia os grupos de animação. Essa música cantada nos primeiros acampamentos é uma música de caráter mais religioso, que vem das CEBs [Comunidades Eclesiais de Base], e também é música do cancioneiro mais raiz, caipira”.

Minerin destacou ainda que a música já carregava consigo um significado intrínseco de dinamismo e fervor nas reuniões, ocupações e confrontos. No período compreendido entre o início de 1985 e 1990, desempenhou igualmente um papel formativo, contribuindo para a consolidação da consciência combativa entre os membros da comunidade.

Com a intenção de resgatar a produção musical Sem Terra de quase 40 anos de luta, possibilitar um melhor acesso à essa produção musical e rearticular os artistas cantadores e cantadoras do MST em torno do projeto da Reforma Agrária Popular, o Movimento está organizando o I Encontro Nacional de Música do MST, que acontece de 15 a 21 de outubro deste ano, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, São Paulo.

As mobilizações junto aos cantadores e cantadoras Sem Terra dos estados e regiões se iniciaram em julho deste ano, por meio da articulação do setor de cultura do MST. Para participar do Encontro os músicos e musicistas Sem Terra de todo país tem até o final do mês de agosto de 2023, para enviar a enviarem canções inéditas. Podem ser enviadas composições coletivas e individuais, para o e-mail: [email protected]

Canções da Luta!

A produção musical do MST aborda uma diversidade de temas, mas todos ligados à luta do MST e do povo Sem Terra no cotidiano das ações e enfrentamentos, expressando nas canções a realidade da luta pela terra, os espaços de produção e formação do Movimento e chamando a cidade para se somar à esse processo. Ao mesmo tempo, as temáticas das canções trazem o reflexo de cada momento histórico que o MST e os trabalhadores/as Sem Terra vivenciam na sociedade, acompanhando as mudanças da luta do Movimento em quase 40 anos.

Foto: Acervo MST

“Então você está falando de organização popular do campo, da cidade, mas logo depois também vai falar do enfrentamento, porque a coisa estava feia pro nosso lado e tinha esse sentimento de dar uma resposta. A arte e a música tem muito isso. E ao mesmo tempo, também fala das bonitezas que é ‘o arroz deu cacho, o feijão florió”, relata Levi de Souza, do Coletivo Nacional de Cultura do MST.

Nesse sentido, Levi relembra que as canções estão ligadas às dificuldades e os desafios enfrentados pelos camponeses Sem Terra na tentativa da libertação da terra e na conquista dessa terra. “Uma coisa interessante é que mesmo nessas primeiras produções, já traz a questão da luta pela terra ligada com a união campo e cidade. E com o coletivo da cultura já organizado. Vamos ter o canto sobre o processo de educação do MST, a Pedagogia da Terra. Aí também ligada à temática da Educação do Campo, a questão do saber, do conhecimento.”

A primeira produção musical do MST foi realizada de forma simples e improvisada, gravada em fita K7, ainda em 1985, em um álbuns chamado “Dor e Esperança”, produzido pelos militantes Edgar Kolling, Adelar Pizzeta, Ana Justo, Ademar Bogo e Neuri Rosseto. A maioria das músicas foram compostas por Ademar Bogo.

Já a partir dos anos 90, o MST passa a organizar uma produção musical mais ampla, organizada e com vários processos de formação, com seminários, oficinas de capacitação técnica, realização de festivais, buscando proporcionar aos cantadores mais acesso à literatura musical e à técnica.

“Começamos a organizar as oficinas de músicos do MST. Aqueles compositores que já tinha nos estados. Algumas pessoas que já tinha ido estudar em Cuba vinham com essa influência da música latino-americana. No início dos anos 90, há o cancioneiro cubano, nicaraguense, chileno e argentino de Mercedes Sosa, Victor Jara, que também estava presente com a música mais raiz e com essa música mais de CEBs”, ressalta Minerin.

Sobre os gêneros músicas cantado no MST, Levi explica, que são variados, diferente do que se imagina, de que os Sem Terra gravam somente modas de violas. Há álbuns com gravações em Reggae, Rap – Hip Hop, Rock, Samba, da Escola de Samba Unidos Lona Preta, em SP, além de outros sambas, sertanejos e viola caipira.

Produção própria

No avanço do processo de produção musical, ao longo anos, o coletivo de cultura do MST foi buscando conhecimentos e o domínio da técnica para uma produção musical própria do Movimento, do início ao fim pelos Sem Terra. Desde a composição até a pós-produção e distribuição musical.

De 2013 pra cá a gente vira uma chave nesse processo de produção musical, com o disco “Versando a Luta”, a gente produz ele todo, nós por nós mesmos. A gente faz a pré-produção, a produção. Nós mesmos gravamos mixamos, masterizar e tocamos instrumentos. Teve parceiros que convidamos, mas a gente concentrou tudo isso, porque antes a gente botava pra alguém, escolhia um estúdio, os cara gravava lá e faziam tudo. Todos os álbuns que a gente produziu, de 2013 pra cá, foi nós por nós mesmos“, comemora Levi.

Minerin também fala sobre a importância desse amadurecimento e avanço na produção musical do MST nos últimos anos, que possibilita uma maior autonomia coletiva na produção e concepção estética dos álbuns do Movimento. “O grande avanço que o MST teve nesses anos foi nós chegar ao ponto de ter nossos próprios produtores. Hoje nós temos os últimos discos gravados, como produção autônoma. E temos bons produtores musicais, com uma condição muito boa de elaboração, de concepção de arte dos nossos álbuns. Então, o MST avançou para ter uma maior autonomia em sua produção musical. Isso vem de encontro com o amadurecimento de 40 anos de caminhada. Nós somos contadores, testemunhas desse processo de construção coletiva que é a música no MST“, pontua.

A partir disso, o objetivo do MST no I Encontro Nacional de Música do MST, de 15 a 21 de outubro deste ano, é fazer as suas próprias gravações musicais durante o encontro até a etapa final do álbum, que será lançado no Congresso do MST em 2024. Para uma produção mais autentica, a proposta é trabalhar com a captação ao vivo das músicas cantadas pelos músicos e musicistas Sem Terra, “para tentar pegar o mais verdadeiro possível a expressão e depois, se precisar, fazer uma pós-produção. Mas conseguir captar esses áudios todos durante o encontro”, afirma Levi.

Gravações álbum Versando a Luta, 2015. Fotos: Acervo MST

Quanto ao acesso ao acervo de músicas do MST, para o público Sem Terra e a sociedade em geral, a intenção do MST é disponibilizar sua produção musical em canais online, como os tocadores de áudio e em outros formatos, para as pessoas que não tem acesso à internet, conhecerem essas músicas.

“A gente está pensando em tornar acessível o que tem em nosso acervo para as pessoas conhecerem as músicas e para que não virem peça de museu. Inclusive socializar as produções dos estados e dos nossos cantadores/as. E também estamos discutindo de colocar nas plataformas das mídias digitais, os tocadores: Spotify, Deezer, Apple Music, para disponibilizar esse material”, conta Levi.

Ao todo, em quase 40 anos de luta, a produção musical de álbuns gravados pelo MST chega a 13 no total, mas segundo Levi, as gravações passam de 40 aos considerar álbuns gravados por estados e regiões em que o MST esta presente, somado às gravações de músicos e musicistas individuais do MST, como Zé Pinto, Pedro Munhoz, Marquinho Monteiro, Gilvan Santos, Marcinha de Querência do Norte/PR, Cida na Paraíba, Rauni da Bahia, Marçal Congo, entre outras e outros cantadores/as Sem Terra pelo país. Confira as cronologia com os títulos dos álbuns do MST e anos de gravação.

Cronologia dos Álbuns do MST:

  1. Dor e Esperança (fita k7): lançada em 1985
  2. Iª Oficina de Músicos do MST (fita K7): lançada em 1996
  3. Plantando Cirandas, volume 1 (fita K7): 1994
  4. Arte em Movimento (Cd): 1998
  5. Canções que Abraçam os Sonhos – Iº Festival Nacional da Reforma Agrária: 1999
  6. Plantando Cirandas, volume 2 (Cd): 2000
  7. V Oficina de Música e Artes Plásticas do MST: 2003
  8. Canções Marchantes: 2005
  9. Cantares da Educação do Campo: 2006
  10. Plantando Cirandas, volume 3: 2014
  11. Versando a Luta: 2015
  12. Dor e Esperança remasterizado: 2015
  13. Da Luta Brotam Vozes de Liberdade: 2016

Conheça imagens das capas e fichas técnicas dos Álbuns gravados pelo MST:

*Editado por Fernanda Alcântara