Diálogos Amazônicos

Assembleia dos Povos da Terra lança Carta em Defesa da Amazônia

Documento coloca como prioridade ações para recuperação do bioma amazônico, demarcação de terras indígenas e Reforma Agrária Popular
Foto: Carlinhos Luz

Da Página do MST

Nesta segunda feira (7) aconteceu em Belém do Pará a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, que reuniu vários movimentos populares dos países da Pan-Amazônia.

Também participaram da assembleia Célia Xakriabá (Deputada Federal), Eloy Terena (Ministério dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana (Funai) e Edmilson Rodrigues (Prefeito de Belém).

Os movimentos populares que participam da Assembleia construíram coletivamente uma carta que será entregue aos chefes de Estado que estarão reunidos em Belém nesta terça feira (8).

Entre as várias exigências destacam-se a necessidade de demarcação das terras indígenas, a promoção da Reforma Agrária Popular para combater a fome e que os governantes proclamem o estado de emergência climática na região.

Para Marciely Ayap Tupari, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a participação dos povos indígenas na assembleia foi muito importante e a carta vem fortalecer a unidade entre os vários movimentos populares.

“A carta reforça o quanto é importante a união, não só os povos indígenas, mas de todos os movimentos que atuam na defesa da Amazônia como os extrativistas, quilombolas, ribeirinhos entre outros. Esse foi um momento para mostrarmos que estamos unidos e nos fortalecendo cada vez mais em nossa luta, porque somos nós, os povos da floresta, que estamos à frente da defesa da Amazônia”, afirma Tupari.

Eunice Guedes, representante do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense e do Fórum Social Panamazônico do Brasil, afirma que a carta é resultado de uma construção coletiva dos movimentos populares que atuam na Amazônia.

“Vários movimentos populares vem construindo esse processo coletivamente, a partir das atividades do Diálogos Amazônicos, e esse momento é de nos juntarmos rumo à COP 30 organizando uma alternativa para salvar a Amazônia onde se garanta a sócio biodiversidade, a floresta em pé e os direitos dos povos tradicionais que habitam a região”, ressalta Guedes.

Para Jane Cabral, dirigente do MST e da Via Campesina, a carta coloca os principais pontos para um desenvolvimento da Amazônia, mas que seja um desenvolvimento de caráter popular e que priorize o bem dos povos que vivem na região.

“A carta traz pontos como a Reforma Agrária Popular, a defesa do meio ambiente e a demarcação das terras indígenas. A carta é para colocar para os presidentes da Panamazônia e para o mundo que a Amazônia é para o povo. Se a gente não conseguir fazer com que tenhamos a floresta em pé e povo vivo as consequências serão devastadoras para o planeta’,’ sentencia Cabral.

A Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, que é parte do Diálogos Amazônicos, é um momento importante para juntar os movimentos sociais para debater uma alternativa de projeto popular para a Amazônia.

Leia abaixo a Carta na íntegra:

Povos da terra pela Amazônia
Nada sobre nós sem nós!

Somos os povos da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que regula o clima do planeta. Vivemos nos rios, nas matas, nos campos e cidades. Sofremos com a devastação, o cerco, o envenenamento e a destruição de nosso território. Sabemos que os ataques contra a Amazônia são ataques contra o planeta e os povos do mundo. Por isso, reunidos em assembleia, na cidade de Belém, exigimos que nossos governantes proclamem o estado de emergência climática na nossa região e adotem também a seguintes medidas:

  1. Tomar todas as medidas necessárias para evitar o ponto de não retorno da Amazónia, protegendo 80% do seu território até 2025, através de um plano que garanta a) a cessação de toda a desflorestação ilegal até 2025, b) atingir a desflorestação legal zero até 2027, c) revogar as leis e disposições que promovem a destruição da Amazónia, e d) reabilitar, recuperar e restaurar as áreas desflorestadas e degradadas.
  2. Titular 100% das reivindicações territoriais dos povos indígenas, dos afrodescendentes, quilombolas e das comunidades tradicionais, assegurando a segurança global (jurídica e física) da propriedade coletiva dos territórios indígenas, o respeito e a proteção territorial dos povos indígenas isolados e a garantia de uma perspectiva de gênero na distribuição e titulação das terras.
  3. Considerando que os custos ambientais e sociais da pesquisa e exploração de petróleo na Amazônia são maiores do que os benefícios econômicos gerados, é fundamental acelerar a transição energética, deixar de promover novas pesquisas e explorações na Amazônia e promover um plano de transição energética justa, popular e inclusivo, com reparação para os povos e territórios afetados.
  4. Manifestar o nosso total apoio ao voto SIM no referendo do Equador, para deixar debaixo da terra o petróleo na zona megadiversa de Yasuní. Enviamos com isso uma mensagem ao mundo, a partir da Amazónia, para enfrentar as alterações climáticas e o extrativismo e defender a vida. Apoiar também as exigências das organizações do Brasil e da Guiana, que obtiveram vitórias contra a expansão dos hidrocarburos nas suas costas.
  5. Exigir que os governos dos países que historicamente mais provocaram as mudanças climáticas cumpram seu compromisso, assumido há mais de uma década, de fornecer 100 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento para a transição energética, que defendemos seja uma transição socioecológica.
  6. Exigir que os nove governos dos países amazónicos cumpram os seus compromissos climáticos ainda não assumidos e aumentem substancialmente as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, de acordo com as metas estabelecidas neste documento relativas à eliminação do desmatamento e a saída da exploração do petróleo.
  7. Garantir a participação efetiva dos povos da Amazônia, em toda a cadeia produtiva da energia, como parte dos processos de planejamento, gestão e governança, para a construção de uma transição energética justa, popular e inclusiva.
  8. Frear a expansão da fronteira agrícola: a) sancionando os responsáveis pelo deslocamento e desapropriação de terras na Amazônia, b) fortalecendo alternativas para uma transição agroecológica, de produção agroflorestal e ecoturística comunitárias, c) garantindo que os produtos amazônicos a serem exportados ou consumidos nacional e internacionalmente não contribuam para o desmatamento, a degradação e a poluição.
  9. As cidades amazônicas devem ser construídas em harmonia com a natureza e proporcionar vida digna a seus habitantes. Por isto, precisam ser planejadas democraticamente, garantindo para seus habitantes um ambiente saudável, seguro, com regulação pública do solo, moradia adequada, direito a água e saneamento básico, mobilidade, segurança alimentar, justiça climática e ambiental.
  10. Promover um plano de transição para salvar a Amazônia da mineração e da poluição causada pelo mercúrio que (a) reduza anualmente o uso de mercúrio e a mineração ilegal até a sua total eliminação; (b) proíba atividades de mineração em áreas protegidas, e territórios indígenas, ancestrais e comunitários; (c) realize avaliações abrangentes de impacto ambiental a médio prazo das atividades de mineração legal, para reforçar os planos de mitigação socioambiental e estabelecer os termos de sua continuidade e futuro encerramento; e (d) implemente medidas eficazes para a remediação da saúde das pessoas e a restauração dos ecossistemas afetados pelo mercúrio e pela mineração.
  11. Garantir a consulta para o consentimento livre, prévio, informado e de boa fé dos povos amazônicos, de acordo com os ditames internacionais, como a Convenção 169 da OIT, para projetos e cadeias produtivas com impacto significativo na Amazônia.
  12. Assegurar avaliações de impacto ambiental integrais e acumulativas, realizadas por entidades independentes na Amazônia, para todas as atividades que afetem seriamente a região.
  13. Proibir a construção de barragens hidrelétricas e a construção de todo projeto de infraestrutura que desrespeite os direitos dos povos e da natureza.
  14. Respeitar as formas de autoidentificação, autoorganização e autodeterminação dos povos e nações indígenas, garantindo a autonomia e o autogoverno indígena através da implementação de normas que assegurem os direitos dos povos indígenas e amazônicos.
  15. Garantir e defender os corpos e territórios e a autonomia das mulheres e exigir o direito a uma vida digna para as mulheres indígenas, negras, quilombolas, andinas e camponesas e mulheres da diversidade, respeitando sua cultura e identidade ancestral, frente à ofensiva do extrativismo neoliberal e patriarcal. Erradicar toda discriminação contra as mulheres nos estabelecimentos públicos e punir todos os tipos de violência, violência sexual, feminicídio, violação dos direitos sexuais e reprodutivos que impactam na vida e no corpo das mulheres, meninas, suas culturas e suas visões de mundo.
  16. Combater a fome e a desigualdade na Amazônia, promover reforma agrária popular e assegurar efetivamente os direitos à saúde e à alimentação adequada, bem como alternativas econômicas de base indígena, comunitária, social e solidária nos territórios amazónicos, fortalecendo os processos de transição ecológica e soberania alimentar, com ações de caráter emergencial em áreas já impactadas por grandes empreendimentos e atividades ilegais.
  17. Assegurar para todas as pessoas o acesso a uma educação que oriente para a defesa dos direitos dos povos em seus territórios e da natureza, fortalecendo a educação bilingue e intercultural.
  18. Garantir efetivos mecanismos de proteção dos defensores da Amazónia, conforme os acordos internacionais e a legislação nacional.
  19. Garantir os direitos de propriedade intelectual dos povos indígenas e tradicionais através da luta contra a biopirataria e a apropriação dos nossos saberes e práticas.
  20. Livrar a Amazónia do flagelo do tráfico de drogas, desmantelando os seus laboratórios e operações comerciais e financeiras e prendendo os líderes dos cartéis.
  21. Promover uma gestão dos sistemas aquáticos na Amazônia que inclua: a) a criação de áreas aquáticas protegidas para conservar a saúde da bacia amazónica; b) a proteção efetiva das zonas húmidas na Amazónia; c) a proibição do uso de agroquímicos internacionalmente condenados; d) e o reconhecimento dos Direitos da natureza.
  22. Que os governos do Norte global e as entidades financiadoras públicas e privadas deixem de subsidiar, conceder créditos e investir em empreendimentos que destroem a Amazónia e orientar esses recursos para o bem-estar dos povos indígenas e da natureza.
  23. Classificar e incorporar o crime de ecocídio na legislação dos países amazônicos e punir efetivamente todos os crimes ambientais. Exigimos que as corporações e empresas responsáveis ​​por desastres ambientais sejam processadas em seus países de origem e obrigadas a reparar os danos à natureza e aos povos amazônicos.
  24. Promover um financiamento para a Amazônia e garantir que todas as conversões de dívida para a ação climática e/ou conservação da natureza sejam: a) integrais, transparentes, diretas e com a participação dos povos amazônicos, autodeterminados, auto-organizados e autogeridos; e c) que nos mecanismos  atuais de financiamento sejam garantidos participação, controle e fiscalização social, para evitar abusos, desperdícios e corrupção; d) que a natureza não seja mercantilizada.
  25. Estabelecer um imposto sobre o carbono emitido pelas grandes indústrias e agroindústrias poluentes, a fim de destinar esses recursos para salvar a Amazônia.
  26. Tipificar e incorporar o crime de ecocídio na legislação dos países amazônicos e punir efetivamente todos os crimes ambientais.
  27. Reconhecer a Amazônia como sujeito de direitos e garantir o seu direito à existência, a viver livre de contaminação, a preservar os seus ciclos de vida, a regenerar-se e a restaurar oportuna e eficazmente os seus sistemas de vida.
  28. Promover a criação de uma OTCA-SOCIAL para que haja uma efetiva participação dos povos amazônicos na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e também para garantir que as estratégias, planos e compromissos conduzam ao cumprimento efetivo dos pontos acima referidos.
  29. Manifestar a nossa solidariedade com as lutas dos povos do Peru pelos seus direitos e contra todo o tipo de autoritarismo e violência.

Estamos prontos para defender a vida na Amazônia e no planeta. Este é o nosso caminho e o nosso compromisso.

*Editado por Fernanda Alcântara