Reforma Agrária Popular

Assentamento Canudos, em GO, é demonstração da força da Reforma Agrária Popular

Experiências mostram como a Reforma Agrária Popular proporcionou às famílias esperança e dignidade em Goiás

Foto: MST/GO

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

A Reforma Agrária Popular e a luta pela terra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram e são até hoje alvo de tentativas de criminalização ao longo destes quase 40 anos. Mais do que um projeto agrícola, essa luta é histórica e uma poderosa afirmação de justiça social e, mesmo com desafios e resistências, Sem Terra de todo o país provam que a terra, muitas vezes símbolo de opressão e desigualdade, pode se transformar em solo fértil para a semeadura de esperança, dignidade e prosperidade.

Um exemplo desta luta vem de Goiás, entre as cidades de Palmeiras de Goiás, Campestre de Goiás e Guapó. Em outubro de 1997, mais de 120 famílias ocupam a antiga fazenda Palmeiras para criar o assentamento Canudos, no coração de um estado localizado no centro do agronegócio. A estrutura da terra no estado, que possui um dos maiores índices de concentração fundiária no Brasil, foi historicamente moldada pelas forças que se opõem à democratização fundiária, mas as famílias Sem Terra resistem.

Até hoje a ofensiva significativa do capital internacional e dos grandes proprietários de terras continua. Por isso, o assentamento acaba sendo alvo de disputa política e ideológicas e essas forças, em aliança com o poder local, sustentam e aprofundam o processo de concentração da terra no estado, visando atender aos interesses do grande capital. Historicamente, o estado tem se comprometido com esse modelo de agronegócio, tornando a luta pela terra aqui uma tarefa desafiadora.

Assentamento histórico

O nome “Canudos” foi escolhido pelas famílias após a ocupação e, de forma simbólica, homenageia a resistência das pessoas que, há mais de um século, enfrentaram o massacre por parte do governo, mostrando que a luta pela terra e uma nova forma de relacionamento entre as pessoas e o uso do solo estavam apenas começando.

“A área (Fazenda Palmeiras de 13.452ha) encontrava-se totalmente improdutiva. Diante da ocupação, o antigo proprietário arrendou as terras a pecuaristas e lavouristas da região para criação de gado e lavouras”, afirma Amélia Franz, do Setor de Produção e da Coordenação Estadual do MST.

Localização do Assentamento de Canudos. Foto: Reprodução

Os dias iniciais do assentamento foram marcados por intensa pressão, tanto dos fazendeiros como da polícia e políticos locais. No entanto, as famílias permaneceram firmes no local por nove dias, enfrentando adversidades com coragem e determinação. Do lado delas, contavam com o apoio de um substantivo grupo dominicano e a coordenação estadual do MST, que buscavam solidariedade e suporte para a causa.

A luta pela terra tornou-se um marco de territorialização para o Movimento, pois, por meio da resistência ao latifúndio, conseguiram envolver mais de 1000 pessoas para que a área fosse desapropriada. Após três anos e cinco ocupações, alcançaram a conquista de uma área de proporções significativas, localizado a aproximadamente 70 km de Goiânia, com terras férteis.

Foto: Bruno Kaiuca

“Foram três despejos e quatro ocupações, quando em 2001 saiu o primeiro decreto de posse. Ficou valendo o primeiro laudo feito pelo INCRA, que determinava a terra como improdutiva. Durante esse período, o acampamento chegou a ter mais de 1.000 famílias”, complementa Amélia.

Preocupação com o meio ambiente

Na determinação legal do assentamento, 52% do território para Reserva Legal e Área de Preservação Permanente, enquanto 48% foram destinados às famílias, proporcionando a cada uma delas 18 hectares de terra. O componente ambiental teve um papel significativo no assentamento. O mesmo é caracterizado por não ter ocorrido nenhuma venda de parcelas, apesar de enfrentar interesses e pressões externas que tentaram adentrar a área.

Para a concretização desse importante marco, as famílias assentadas assinaram o Termo de Ajustamento de Compromisso e Conduta (TAC), proposto pelo Ministério Público, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Nesse termo, as famílias se comprometeram com a preservação do meio ambiente nas áreas naturais do assentamento.

A organização das famílias para a ocupação das terras foi realizada de forma totalmente participativa, conforme salienta Amélia Franz. “Mais da metade do território permaneceu como alguma forma de reserva (reserva legal, APP, mata nativa, e também uma RPPN). A organização das parcelas foi feita de modo que o máximo possível delas tivesse acesso a alguma fonte de água, de acordo com as microbacias existentes na área”, lembra.

Assim, o assentamento Canudos apresenta uma nova experiência de ocupação da área conquistada. Em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), foi criada uma concepção inovadora para a área, na qual foi discutida com todas as famílias a melhor forma de ocupação e desenvolvimento.

Produção

Além da preservação do meio ambiente, o assentamento se destaca por ter um conjunto diversificado de experiências de produção e participa ativamente dos programas de venda de alimentos do governo, tornando-se uma referência em Reforma Agrária. Nele, destacam-se as produções de leite, milho, aves e hortigranjeiros. Devido à sua relevância, a área tem sido objeto de diversas pesquisas, sendo considerada um exemplo para se refletir sobre a Reforma Agrária no país.

Hoje, aproximadamente 500 famílias, o equivalente a cerca de 2 mil pessoas, vivem no assentamento de Canudos, e são um exemplo brilhante de sucesso na produção agrícola. Amélia afirma: “Produzimos leite, aproximadamente 8 mil litros por dia, hortaliças e frutas das mais variadas, que são comercializadas no CEASA, em feiras nos municípios locais e em programas públicos (PAA e PNAE), além de mandioca, aves, suínos, gado de corte, e grãos como soja e milho.”

Amélia Franz destaca a importância de ampliar o acesso às políticas públicas, como Assistência Técnica e créditos para que sejam atendidas verdadeiramente às necessidades dessas famílias. E destaca que esta experiência serve de exemplo para outros acampamentos produtivos de Goiás, que estão organizados e tem diferentes perspectivas para o Movimento.

“Todos os nossos acampamentos (hoje são 7 áreas) produzem. Cinco deles na totalidade da área da antiga Fazenda. Dois deles em pedaços menores. Como esses acampamentos ainda não foram regularizados, não tiveram acesso a créditos, então a dificuldade de produção é maior, sendo mais para subsistência. Mas também já comercializam, produzem leite e gado de corte”, conclui Amélia, mostrando que mesmo em condições adversas, a dedicação e a força do trabalho coletivo são capazes de transformar a realidade e alcançar o êxito nas atividades agrícolas.

O assentamento de Canudos e demais acampamentos do estado são atualmente uma prova viva do poder transformador da Reforma Agrária Popular, onde famílias encontram esperança e dignidade. Essas conquistas são uma inspiração para outras comunidades rurais, mostrando que a luta pela terra e o acesso a recursos podem trilhar um caminho de prosperidade, possibilitando a construção de um futuro mais justo e sustentável para todos.

*Editado por Gustavo Marinho