CPI do MST

Alagoas: Conheça a história de camponeses de assentamentos que a CPI tenta criminalizar

Comissão realiza diligência nos três assentamentos nesta sexta-feira (11), com a presença de deputados federais que têm ameaçado a luta pela terra e o MST em suas declarações públicas
Dona Socorro e o esposo Cícero MartinsFoto: Mykesio Max

Por Comunicação do MST em Alagoas
Da Página do MST

No ano de 1998, na falida Usina Ouricuri, cerca de 1.500 famílias marcharam até aquelas terras e ali acamparam: Sem Terra vindos de diversos municípios vizinhos e antigos trabalhadores da Usina fizeram daquele chão um dos primeiros acampamentos do MST em Atalaia, na Zona da Mata de Alagoas, região que hoje está localizado o assentamento Ouricuri I, também conhecido como assentamento Milton Santos.

As terras da falida Usina vinham há anos sendo reivindicadas pelos movimentos sociais de luta pela terra e por ex-empregados, uma história forjada por meio de diversas famílias que, mobilizadas em torno do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, resolveram lutar e assim viver dignamente. Desde então, a história de pessoas que em outrora trabalhavam para fazendeiros, nos cortes de cana, em casas de família, foram transformadas.

A área de cerca de 1.400 hectares dessa ocupação resultou em três assentamentos da região. O primeiro, Milton Santos (Ouricuri I), constituído como assentamento em 2004; o assentamento Jaelson Melquíades (Ouricuri II), em 2005; e o assentamento Chico do Sindicato em 2008 (Ouricuri III), no qual, juntas, moram cerca de 120 famílias.

A história dos homens e mulheres que há 25 anos fizeram a ocupação das terras da antiga Usina Ouricuri, se contextualiza no período histórico brasileiro do êxodo rural, no qual inúmeros camponeses saíram do campo para a cidade e, assim, passaram a viver marginalizados nos centros urbanos. Para essas centenas de famílias, a ocupação de terra em busca da Reforma Agrária foi o caminho para voltar as suas origens camponesas.

Confira abaixo estas histórias.

José Francisco, 66 anos
Seu Francisco. Foto: Mykesio Max

Uma dessas histórias transformadas é a de José Francisco, ou “Cazumba”. Ele foi um dos primeiros acampados da área, atualmente é assentamento no Milton Santos. Hoje com 66 anos, pai de 10 filhos, viu na luta por Reforma Agrária a oportunidade de dar uma vida digna para sua família.

Natural do município de Chã Preta, cidade localizada há 60 km de Atalaia, era trabalhador nas fazendas da região, no corte de cana. “Eu vivia na rua, pagando aluguel, água, 10 filhos para dar comida, então quando eu procurei a Reforma Agrária, minha vida mudou 100%”, explica.

Hoje eu tenho terra para trabalhar, e isso é uma vitória para mim. Tenho uma casa boa, tenho minha terra para trabalhar, a Reforma Agrária foi tudo para mim, salvou a minha família”

A fala do Seu Francisco reflete a mudança de vida possibilitada por meio da luta por terra, no qual pais e mães de família tiveram a oportunidade de mudar de vida. Essa luta não refletiu apenas na transformação de vida dessas inúmeras famílias que hoje estão assentadas, mas também da terra, que por meio da produção camponesa saudável, que regenera os territórios que foram defasados anteriormente pelo modo de produção capitalista, na monocultura da cana-de-açúcar.

Assim, por meio da produção camponesa que protege os rios, cuida da terra e produz alimentos saudáveis para a população, os Sem Terra foram transformando a antiga Usina em solo fértil de esperança e dignidade.

Nesse aspecto, ele destaca que “a Reforma Agrária salvou esse território, aqui era só no carvão da cana e gado, hoje em dia a lavoura é muito boa; é inhame, é batata, é macaxeira, é feijão. Toda sexta sai dois, três caminhões de mercadoria para Atalaia, porque todo mundo sabe, quem enche a barriga do povo de Atalaia é o MST, e para vários lugares, outros municípios. E isso é uma vitória!”

Dona Socorro, 69 anos
Dona Socorro. Foto: Mykesio Max

Natural de Campo Alegre, Dona Socorro viu na luta por Reforma Agrária um caminho para criar seus filhos com uma vida digna, trabalhava em casa de família e no corte de cana, com seu esposo, Cícero Martins. A partir de um amigo, o casal conheceu o MST e logo em seguida acamparam nas terras do Ouricuri. Hoje, ela vive com seu esposo no assentamento Jaelson Melquíades, o assentamento Ouricuri II.

Hoje meus filhos têm leitura, terminaram os estudos, tenho filho concursado, minha neta é enfermeira, tudo isso é conquista!

“Talvez se eu tivesse continuado em Campo Alegre, hoje em dia estava contando choro de sofrimento. Vim para cá e não me arrependi, valeu a pena entrar no Movimento. Depois que chegamos aqui, passamos a trabalhar para nós mesmo, vendendo macaxeira, batata, inhame, feijão. Graças a Deus nunca passamos fome, vendíamos na feira, participamos da primeira Feira Estadual da Reforma Agrária, levemos uma carrada de abóbora”, relembra da Feira organizada pelo MST que, esse ano, chega em sua 22ª edição.

“Desde que chegamos aqui, toda vida foi benção: tivemos barriga cheia para nós, para quem chega e para doação. Aquilo que recebemos antes, chegou o tempo de contribuir com quem tá chegando”.

O relato de Dona Socorro expressa o sentimento de que valeu a pena lutar, por hoje ter uma melhor condição de vida, pela sua terra para morar, trabalhar e ser solidária, pelo percurso de vida que seus filhos tomaram, tudo isso, graças a luta da organização popular em busca da terra para quem nela trabalha e reproduz.

João Francisco, 58 anos
João. Foto: Mykesio Max

Natural de Quebrângulo, João Francisco, nos anos 1980, teve que ir morar na cidade e fazer “bicos”. Por convite de amigos, iniciou a luta por Reforma Agrária, participando da ocupação das áreas da Usina Ouricuri. Hoje, é morador do assentamento Chico do Sindicato (assentamento Ouricuri III), e vive da produção agropecuária em seu lote.

“A partir da Reforma Agrária eu melhorei a condição de vida da minha família, oportunidades que jamais eu teria se eu não tivesse entrado no Movimento, conquistado minha terra, hoje eu não teria minha filha médica, que estudou em Cuba, formou-se e hoje tá aqui, trabalhando”, relata o agricultor.

Tentativa de criminalização

Essas são histórias de pessoas comuns, que encontraram no sonho coletivo a possibilidade de transformar de vida, e que hoje têm sua luta ameaçada pela tentativa de criminalização da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que busca investigar o MST.

A Comissão realiza diligência nos três assentamentos nesta sexta-feira (11), com a presença de deputados federais que têm no último período ameaçado a luta pela terra e o MST em suas declarações públicas.

As histórias dos camponeses e camponesas que há 25 anos transformam Atalaia, uma pequena cidade de Alagoas, será a principal ação que os parlamentares devem encontrar na visita aos assentamentos que, mesmo tentando carimbá-los de “terroristas”, encontrarão homens, mulheres, crianças, jovens, que constroem sua vida de maneira digna sobe a terra que anteriormente era marcada pelas mãos do latifúndio e dos malefícios do corte de cana.

*Editado por Fernanda Alcântara