Haiti

Haiti diz não a intervenção estrangeira militar

Confira análise da conjuntura atual do Haiti pela Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines
Foto: Dorval Gesner/ Centro cultural Brasil-Haiti

Por Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines
Da Página do MST

De acordo com os dirigentes Camille Chamers, dirigente do Partido Rasin Kan Pèp la (reagrupamento socialista por uma nova iniciativa nacional) e Chavanes Jean Batiste, dirigente da plataforma das organizações camponesas, o Haiti passa pela maior crise de sua história. Com a economia sob uma inflação com mais de 50%, com aproximadamente 4 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, essa crise crônica é também uma crise política, crise ambiental, e crise cultural. Esse conjunto de crises tem representação nas ações de grupos armados, que passam a ter mais força na zona metropolitana de Porto Príncipe.

O aumento do controle territorial por grupos milicianos, sobre tudo na região de Porto de Príncipe, vem provocando uma onda de violência nestes territórios; centenas de casas são incendiadas e muitas famílias buscam refúgios em praças ou aonde é possível. Não há nenhum apoio do Estado a essas famílias, assim como não há nenhuma ação do estado para impedir o avanço das gangues na zona metropolitana.

Há um descaso proposital por parte do governo, e as forças do Estado não fazem nenhuma operação para proteger a população. Pelo contrário, o Estado se apresenta conivente com as gangues. E está claro que essa conivência é para justificar uma intervenção militar estrangeira, sendo que o ilegítimo governo de Ariel Henry, desde início, se mostrou favorável a esta intervenção. E este caos, proporcionado pelas gangues e com a cumplicidade do governo, está transformando parte da zona metropolitana em territórios de guerra, e a população destes territórios está sendo obrigada a fugir, as famílias estão sendo obrigadas a deixar suas casas.

Neste cenário, se avizinha uma outra intervenção estrangeira, sendo que, o Quênia, por indicação dos EUA, já realizou uma visita no Haiti no início do mês de agosto, e as autoridades do Quênia que estiveram no Haiti assinalaram que podem enviar tropas para proteger os portos, as instituições públicas e as rodovias nacionais. O Brasil também já demostrou interesse em enviar membros da polícia federal para realizar formações para a polícia nacional do Haiti, e a possibilidade de outra intervenção estrangeira militar no Haiti assusta a população. Não há nenhum setor da sociedade favorável a esta intervenção, apenas o ilegítimo governo que assunta tal tema.

Desde o ano de 1993, há presença de forças militares estrangeiras no Haiti, e esta jamais possibilitou ao Haiti um estado de segurança. De acordo com os analistas e dirigentes, esta presença de forças militares estrangeiras vêm construindo um estado de permanente insegurança no país. Mesmo com a presença de forças militares estrangeiras, por longo tempo, o Haiti passa por um problema gravíssimo de tráfico internacional de armas e pelo aumento de gangues armadas. 

A narrativa realizada pelo governo, que justifica o pedido de intervenção por não ter forças militares suficientes para combater as gangues, se configura uma estratégia para manter Ariel Henry e o partido de extrema direita no governo, o partido Haiysyen Tèt Kale – PHTK (partido dos cabeças raspadas). 

No contexto das organizações, a opção do Acordo de Montana, agora renomeado como Acordo 30 de Agosto, se configura como uma ferramenta de transição e não como uma opção política presidencial. É um espaço com duas frentes políticas, uma de acordo em fazer uma transição com a participação de Ariel Henry e outra contrária a essa coabitação política. De fato, as organizações da esquerda (partidos e movimentos), até o momento, não construíram uma unidade política em torna da proposta de transição presidencial, e por essa razão, o Acordo 30 de Agosto não consegue forças para se tornar uma opção política.

No entanto, o Acordo 30 de Agosto é a opção organizada pela sociedade haitiana como uma saída para a crise estrutural em que passa o país. Esta opção não é reconhecida pelo governo e nem pelos países do CORE GROUP (grupo central), composto pelas embaixadas da Alemanha, Brasil, Espanha, EUA, França, Canadá, União Europeia, e pelo representante especial da Organização dos Estados Americanos e o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas. Vale ressaltar que esses países interferem diretamente na política e economia do Haiti, e mantêm em Porto Príncipe, capital do Haiti, desde o dia 25 de junho de 2019, o Escritório das Nações Unidas Integrado no Haiti – BINUH (Biwo Entegre Nasyonzini nan Haiti), sendo este grupo de países que designou no dia 17 de julho de 2021, o então Primeiro Ministro Ariel Henry, como presidente do Haiti.

Solidariedade com o povo Haitiano

Haiti. Foto: Ricardo Cabano

Da mesma maneira em que há um aumento das violências das gangues em Porto Príncipe, há também mobilizações das organizações integrantes do Acordo 30 de Agosto. Entre os meses de julho e agosto de 2023, as organizações e partidos enviaram cartas ao representante da Rússia no conselho de segurança da ONU e para o representante da União Africana. 

Nestas cartas, entre outros pontos como a apresentação de uma análise da conjuntura atual do país, está o pedido de uma “solidariedade ativa que respeite a independência política do Haiti, sua soberania e seu direito a autogestão”. Esta é uma declaração explicita de que a sociedade, representada pelas organizações e partidos, está disposta a resolver os seus problemas sem a ingerência internacional.

Além desta iniciativa para conseguir solidariedade ativa de outros povos, as organizações haitianas como o Partido RASIN Kan Pèp la, Agência de Imprensa Popular Haitiana e Rádio Resistência, juntamente com o MST por meio da Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines que atua em solidariedade ao povo haitiano desde o ano de 2009 , convidaram dois jornalistas, sendo um jornalista chamado Arturo Sanchez do México do jornal “La Jornada”, e a jornalista brasileira Monyse Ravena do “Brasil de Fato”, para debater essa conjuntura. 

Ambos jornalistas estiveram no Haiti, na capital em Porto Príncipe e na cidade de Henche, entre os dias 25 de agosto e 01 de setembro de 2023, e puderam conhecer e conversar com dirigentes, militantes dos mais diversos setores como das organizações camponesas, estudantes universitários, mídias e imprensa, organizações e partidos que atuam nas periferias e também com membros de sindicato e trabalhadores do parque industrial na capital de Porto Príncipe.

Esta iniciativa, buscou apresentar a realidade haitiana a partir das organizações populares que atuam em defesa da soberania do Haiti. Entendendo que muitos meios de comunicação internacional tratam o Haiti de maneira racista e discriminatória, a iniciativa de convidar jornalistas para cobrir a realidade haitiana a partir do povo é um outro indicativo para mostrar de que há vida no Haiti, de que há insegurança sim, mas que há um povo que anseia está livre da ingerência internacional.

Há iniciativas de solidariedade com o povo haitiano também em outros países, como no Brasil com o comitê “Defender o Haiti é defender nós mesmos”; em Porto Rico com o “Comitê de solidariedade com o povo do Haiti”; e na Argentina com o “Comitê democrático haitiano”. Este compromisso de solidariedade e respeito a soberania do Haiti, assumida por outros povos, demostra a importância histórica do povo haitiano para o mundo. A invasão estrangeira militar , nunca foi e nunca será uma saída para a crise no Haiti.  

*Editado por Fernanda Alcântara