Contra o veneno

Fepam emite polígono de exclusão de pulverização aérea de agrotóxicos em Apa, no RS

A resolução é resultado da luta de assentados e assentadas da reforma agrária em conjunto com entidades ambientalistas
A nota emitida pela Fepam determina que não é permitido o sobrevoo de aeronaves agrícolas para a aplicação de agrotóxicos. Foto: ALCE

Por Fabiana Reinholz
Do Brasil de Fato | Porto Alegre

Em 2019, famílias do Assentamento Santa Rita de Cássia II, no município de Nova Santa Rita (RS), tiveram perdas em suas lavouras de plantio orgânico devido à pulverização aérea com agrotóxico. Em 2021 novamente sofreram com a intoxicação de venenos, pulverizados, mesmo com determinação da Justiça Federal que proibiu qualquer uso de agrotóxicos. Nessa semana as famílias de assentados e assentadas da região e também outras localidades tiveram uma vitória, com a emissão feita pela Fepam – Fundação Estadual de Proteção Ambiental de um polígono de exclusão de pulverização aérea de agrotóxicos. 

A nota emitida pela Fepam determina que não é permitido o sobrevoo de aeronaves agrícolas para a aplicação de agrotóxicos, tais como herbicidas, inseticidas e fungicidas e substâncias hormonais ou reguladoras de crescimento, nas áreas delimitadas pelos polígonos. 

“Em tempos de tantas mudanças climáticas é fundamental proteger os bens da natureza e repensar como sociedade os modos de produção. Isso significa que a APA Delta do Jacuí ‘está protegida’, e não pode existir pulverização aérea de agrotóxicos, concordando com as liminares da Justiça Federal e com as recomendações do MPE (Ministério Público Estadual) e MPF (Ministério Público Federal). Proteger a APA do Delta do Jacuí é também proteger às águas que abastecem a população de Porto Alegre e região. Ainda temos como desafios pela frente que se cumpra a lei e tenha uma efetiva fiscalização por parte dos organismos governamentais”, afirma José Carlos de Almeida, agricultor agroecologista do assentamento da reforma agrária Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita.

Polígonos de Exclusão de Pulverização Aérea de Agrotóxicos / Fonte: Fepam

Para Álvaro de La Torre, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra RS, e Alice Resadori, advogada do Setor de Direitos Humanos do MST/RS e da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), a emissão do polígono, apesar de não ser o apresentado pelos movimentos sociais é uma vitória. 

“Reconhecemos que se trata de uma importante vitória na proteção ambiental da Zona de Amortecimento do PEDJ e, sobretudo, da produção de alimentos agroecológicos. Contudo,  entendemos que o método da pulverização aérea de agrotóxicos deve ser proibido em todo estado do RS ou ao menos que o polígono deva seguir a recomendação do MPE e MPF e proteger todos os assentamentos da região, nos moldes do polígono proposto pelas entidades socioambientalistas na ação civil pública que tramita na Justiça Federal do Rio Grande do Sul “, expõe Alice. 

Deriva de 2019

Álvaro explica que quando aconteceu a deriva que afetou os assentamentos de Nova Santa Rita e Eldorado Sul,  assim como produtores orgânicos e agricultores familiares não-orgânicos também, o movimento entrou com um processo indenizatório e uma ação civil pública. “As entidades parceiras, InGá Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, Amigas da Terra, Instituto Preservar, Coceargs e Agapan entraram com o pedido de criação de um polígono de exclusão que envolvesse o Delta do Jacuí, mas também protegesse todos os nossos territórios que fazem produção orgânica da pulverização aérea de veneno”, aponta. 

Ele conta que foram feitas audiências com o secretário do Meio Ambiente, com a Secretaria de Agricultura assim como audiências com o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal. “A Secretaria da Agricultura criou um polígono a partir do Delta do Jacuí, que parecia uma colcha de retalhos, não atendia à nossa demanda, não preservava as áreas de produção orgânica, não preservava as nascentes, não preservava as comunidades, as aldeias indígenas. E era um polígono impossível de ser fiscalizado, porque ele era intermitente, que tinha um polígono, um traçado circunscrito internamente por um monte de áreas onde a pulverização estava permitida.”

Álvaro ressalta que já havia uma recomendação do Ministério Público Estadual e Federal para que a Fepam adotasse medidas para a criação do polígono, para a proteção das nascentes e dos territórios onde se faz produção orgânica, comunidades, inclusive aldeias indígenas e que a entidade não fazia isso.

O movimento fez uma nova solicitação junto ao MPF, contudo foi engavetado, sendo retomado há dois meses atrás quando houve mudança da pessoa responsável pelo sistema ambiental do Ministério. “Ela chamou uma reunião, nos convocou, assim como a Fepam, e chamou o Ministério Público Estadual onde a Fepam se comprometeu em 15 dias apresentar um novo traçado para o polígono que protegesse a área de amortização do Delta do Jacuí e alguns outros territórios.”

De acordo com Álvaro, foi dito nessa reunião que apesar de proteger os assentamentos de Eldorado Sul, os assentamentos de Nova Santa, há os assentamentos de Tapes, Guaíba, Charqueadas, São Jerônimo, que também fazem produção orgânica e que não estão protegidos. “A gente tem o polígono, mas precisa avançar na fiscalização. Não foi o que a gente protocolou, a luta continua pela ampliação do polígono, mas foi uma conquista”, conclui. 


Em bege a proposta aprovada pela Fepam e na borda amarela a defendida pelas entidades para proteger todos os assentamentos do entorno. Foto: Divulgação

Para Alice, é uma vitória importante porque se reconhece que essa zona, que é o pulmão da zona metropolitana, o local onde se capta a água, produção de alimentos, é uma região fundamental para proteção e que não deve estar ocorrendo esse tipo de pulverização. 

“O ideal seria que o Rio Grande do Sul proibisse a pulverização aérea em todo o estado, assim como já fez o estado do Ceará, por exemplo. No Rio Grande do Sul tem alguns projetos de lei, como o do deputado estadual Adão Pretto (PT), que estão pedindo por isso. O polígono é um avanço, uma conquista dessa luta para proteção, mas ainda não é o suficiente”, destaca a advogada. 

Ela aponta que há ação judicial que deve abarcar outros assentamentos que estão no entorno da zona de amortecimento. De acordo com ela há em torno de sete assentamentos que estão de fora da proposta da Fepam. 

“Precisamos ainda continuar mobilizados para cobrar efetiva fiscalização dos órgãos governamentais. As famílias vítimas das derivas de agrotóxicos agradecem as pessoas e entidades parceiras. A nossa luta pela produção de alimentos orgânicos segue firme, mas sem avião pulverizando veneno na nossa volta”, conclui José Carlos. 

Edição: Katia Marko