Agrotóxicos

Uso de agrotóxicos no Brasil dobrou entre 2010 e 2021

Brasil é um dos principais receptores das substâncias proibidas na União Europeia

Por WWF-Brasil

Foto: Editora Elefante / DIvulgação.

Livro recém-lançado mostra que em 2021, os 26 países da União Europeia exportaram para todo o planeta um volume de quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos, somando 14,42 bilhões de euros. Para o Mercosul seguiram mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em território europeu. No Brasil, os campeões em vendas – mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós – também são proibidos na Europa.

Também no Brasil, os limites de resíduos dessas substâncias nos alimentos e na água costumam ser até milhares de vezes maiores do que aqueles permitidos na União Europeia. O tebuconazol, por exemplo, inseticida proibido na Europa, pode provocar alterações no sistema reprodutivo e malformação fetal. Além de ser permitido no território brasileiro, o limite de resíduo tolerado de tebuconazol na água potável é 1.800 vezes maior do que o limite estabelecido na União Europeia. A substância é amplamente utilizada em alimentos como o arroz, alface, brócolis, repolho, mamão e outros.

Outro exemplo de disparidade de quantidade autorizada é o glifosato, agrotóxico mais vendido no país, considerado possivelmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o resíduo autorizado desse herbicida na água potável é cinco mil vezes maior do que na União Europeia.

Esses dados e suas relações estão no livro “Agrotóxicos e Colonialismo Químico”, lançado pela editora Elefante. A obra compila dados alarmantes que nos permitem começar a compreender a gravidade do problema representado pelo uso massivo de substâncias químicas para a saúde humana e para o meio ambiente. Nele, Larissa Bombardi, pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da USP e IRD (Institut de Recherche pour le Développement – França),  relaciona a problemática como consequência direta da globalização da agricultura, da concentração fundiária e da forte atuação do agronegócio no Brasil.

Além de assinalar as grandes diferenças de quantidades autorizadas nos países europeus e no Brasil, a autora também mostra que a questão fundiária, marcada pela concentração de terra, afeta não só a produção de commodities, mas também o uso dos agrotóxicos no Brasil. Apenas 1% dos proprietários rurais (aqueles que possuem áreas maiores do que mil hectares) controlam praticamente 47,6% das terras agricultáveis do país. Nestas terras, as principais commodities produzidas – soja, milho e algodão, são juntas, o destino de 80% dos agrotóxicos comercializados no país.

O uso dos agrotóxicos por unidades da federação explicita a conexão direta com a produção de commodities. Mato Grosso, Rondônia, Goiás e São Paulo são os estados com maior taxa de uso por hectare, seguidos por Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul. Em 2019, Mato Grosso consumiu cerca de 121 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos; São Paulo, 92 mil toneladas; Goiás, 49 mil toneladas; e Mato Grosso do Sul, 38 mil toneladas.

“Temos observado o avanço das commodities e com ela o uso indiscriminado dos agrotóxicos com a justificação da importância da balança comercial ou da segurança alimentar. No entanto, os danos são imensuráveis, para o meio ambiente e especialmente para as pessoas. É preciso questionar quem lucra com esse sistema e quem o defende”, ressalta Larissa Bombardi, autora do livro. Segundo a autora, este é um setor que não para de crescer, junto com o aumento das liberações no Brasil. Só entre 2019 e 2022 o país liberou 2.182 agroquímicos. Até julho deste ano, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) aprovou o registro de mais 231.

Questão de saúde

A cada ano, 1 milhão de pessoas em todo o mundo é intoxicada de forma involuntária por meio do contato com agrotóxicos. No Brasil, entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por essas substâncias. No entanto, estima-se que haja uma subnotificação na ordem de 1 para 50. Nesse período, podemos ter tido 2.843 milhões de pessoas afetadas.

Embora haja um aumento do uso de agrotóxicos nas “bordas” da Amazônia, avançando a partir do chamado “arco do desmatamento”, vários são os casos de populações camponesas e indígenas atingidas — propositalmente ou não — por pulverização aérea de agrotóxicos, com um total de 223 casos entre 2010 e 2019. Proporcionalmente, os indígenas são os que mais sofrem com os químicos agrícolas no Brasil. O problema atinge sobretudo os membros de etnias localizadas em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde o Ministério da Saúde registrou, respectivamente, 52, 23 e 19 casos de intoxicação de indígenas entre 2010 e 2019.

No Brasil, as regiões centro-oeste e sul – que lideram a produção de soja e milho no país – ostentam o maior número de casos notificados de intoxicação de seres humanos por agrotóxicos por meio da pulverização aérea. Entre 2013 e 2021, mais de 160 episódios do tipo foram relatados no centro-oeste e quase 100 no sul.

“Muito além da questão de saúde, o uso crescente de agrotóxicos traz a exploração típica do capitalismo. Os processos de violência continuam ocorrendo, agora de forma sistêmica e ampla, onde os episódios de desmatamentos, incêndios, despejos, expulsões, assassinatos, dizimação de povos indígenas se sobrepõem a uma limpeza química do campo, uma varredura que afeta a natureza e favorece empresas do norte global”, afirma a autora, Larissa Bombardi.

Uma vez que a produção agrícola deixou de ser sinônimo de produção de alimentos, a autora finaliza apontando a agroecologia, a agricultura indígena, camponesa e a reforma agrária como um caminho para um outro tipo de sociabilidade em que o alimento tem lugar central. Exemplifica com ações de movimentos sociais e iniciativas protagonizadas por mulheres, alguns possíveis caminhos alternativos de autonomia econômica, social, de gênero, racial e ambiental.

Seis empresas respondem por 80% do comércio mundial de agrotóxicos

O mercado mundial de agrotóxicos movimenta cerca de US$ 60 bilhões por ano. Em 2020, as vendas mundiais de agrotóxicos alcançaram US$ 56 bilhões, um crescimento de 27% sobre os US$ 44 bilhões registrados em 2017. A estatal chinesa Syngenta, as alemãs Bayer, a Basf e a estadunidense Corteva, junto com a indiana Upl e a estadunidense FMC, detêm cerca de 80% do valor total da comercialização de agrotóxicos no planeta e venderam em 2020, juntas, mais de 43 bilhões de dólares desses produtos. 

As mesmas empresas figuram ainda entre as maiores produtoras e exportadoras mundiais de sementes: Bayer, Corteva e Syngenta controlam mais de 80% desse mercado, arrecadando 8 bilhões, 7 bilhões e 2,6 bilhões de dólares em 2020, respectivamente.  Além disso, tem havido nos últimos anos uma grande concentração das empresas produtoras de agrotóxicos e sementes, ou seja, uma oligopolização do setor. Organizando-se de forma oligopolista, as corporações provenientes da Europa, dos Estados Unidos e da China subordinam a agricultura em escala mundial em todas as suas fases: desde o preparo da terra para o plantio até a “pós-colheita”.

O livro explica como os países latino-americanos, especialmente o Brasil e a Argentina, têm sido receptores de um grande volume de agrotóxicos produzidos e comercializados por empresas do norte global. Embora, os Estados Unidos e a China serem relevantes destinatários dessas substâncias, em 2021, consumiram, respectivamente, cerca de 257 mil e 244 mil toneladas, enquanto o Brasil e a Argentina se destacam mais, tendo consumido 719 mil e 457 mil toneladas de pesticidas no mesmo período.

O livro que contou com o apoio do WWF e da Fundação Heinrich Böll está disponível no site da Editora Elefante e, em breve, nas principais livrarias do país.

Serviço 

Agrotóxicos e colonialismo químico
Autora: Larissa Mies Bombardi
Apoio: WWF & Fundação Heinrich Böll
Preço sugerido: R$ 40,00

Sobre a autora

Larissa Mies Bombardi é professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, vive na Europa e desenvolve pesquisas no Institut de recherche pour le développement (IRD), em Paris, França, sob o Programme national d’accueil en urgence des scientifiques et des artistes en exil (Pause). É especialista no tema do uso de agrotóxicos, com dezenas de palestras, artigos e entrevistas publicadas em periódicos e meios de comunicação brasileiros e internacionais.

É autora dos atlas A Geography of Agrotoxins Use in Brazil and its Relations to the European Union [Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e suas relações com a União Europeia] (2019) e Geography of Asymmetry: The Vicious Cycle of Pesticides and Colonialism in the Commercial Relationship between Mercosur and the European Union [Geografia da assimetria: o ciclo vicioso de pesticidas e colonialismo na relação comercial entre Mercosul e União Europeia] (2021). É integrante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, no Brasil, e membro da organização internacional Justice Pesticide.

*Editado por Maria Silva