Combate à Fome

Encontro reúne cozinhas comunitárias para momento de fortalecimento no combate à fome

Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, recebeu mais de 170 pessoas no último sábado (4) para curso de formação
“A política das cozinhas comunitárias é muito importante no combate à fome”, destaca diretor da Fundação Rosa Luxemburgo. Foto: Júlia Rodrigues

Por Fabiana Reinholz
Do Brasil de Fato

Mais de 170 pessoas, de diversas cozinhas comunitárias e grupos sociais se reuniram, neste sábado (4), no Instituto de Educação Josué de Castro, do Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, para debater políticas públicas. A iniciativa foi uma parceria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Fundação Rosa Luxemburgo.  

“A política das cozinhas comunitárias é muito importante no combate à fome. As cozinhas são exemplo de um trabalho político em rede, sobretudo conectando a área urbana com a área do campo, a agricultura familiar. Essa iniciativa vira uma política que tem muitos efeitos muito importantes, sobretudo nessa época que a gente vive, com problemas climáticos, problemas ambientais”, afirma Andreas Behn, diretor do escritório em São Paulo da Fundação Rosa Luxemburgo. 

Ao comentar sobre o que motivou o curso de formação, a secretária geral do MST-RS, Lara Rodrigues, contextualiza sobre o envolvimento do movimento com as cozinhas solidárias, relação que vem sendo construída antes da pandemia e fortalecida durante a crise sanitária, com o agravamento da fome no país.

“Essas cozinhas, essas lideranças comunitárias, elas passam a fazer o alimento e doar nas suas comunidades. Algumas já existem há muitos anos, mas esse grupo, esse coletivo das 83 cozinhas comunitárias e entidades que têm em Porto Alegre, região metropolitana, passa a ter uma amplitude maior”, expõe. 

Diante desse contexto foi que surgiu a ideia do encontro em parceria com a Fundação. Conforme aponta a secretária muitas das cozinhas que participaram do encontro têm objetivos em comum tanto na parte da formação, que esse é um dos motivos deste encontro, como se fortalecer mutuamente.

“Nesse primeiro encontro, a gente teve a formação sobre o que é uma alimentação saudável, sobre alguns elementos da alimentação saudável. Mas também sobre os processos da crise climática que nós estamos vivendo, quais são as condições, o que está acontecendo no Brasil e no mundo, o que são essas crises. E também de fazer os debates práticos sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), sobre alguns projetos futuros e sobre os encontros futuros, questões e sistemas que vamos debater nos próximos encontros.”

Há 20 anos no país, a Fundação Rosa Luxemburgo atua na formação política, construindo parceiras com organizações de base, movimentos sociais, Ongs e fundações políticas. No caso das cozinhas comunitárias, explica Andreas, a entidade está promovendo intercâmbio intenso com experiências de outros países, como por exemplo a Argentina.

Importância das cozinhas comunitárias

“As cozinhas, além de alimentar as pessoas oferecem alimentos saudáveis que vêm de uma forma específica da agricultura, que seria da agroecologia ou da agricultura familiar, de outro modelo do que é a agricultura, do que é o agronegócio”, afirma o diretor. Para Andreas, a agricultura familiar precisa de um mercado seguro para os seus produtos e as cozinhas podem ser esse mercado seguro. “Com isso tanto a agricultura familiar como o combate à fome, através das cozinhas comunitárias, pode avançar cada vez mais.”

Além disso, complementa o diretor, as cozinhas comunitárias são pontos de encontro, onde se pode fazer uma formação política, diretamente nos bairros, com os interesses das pessoas que vivem ali. “Os movimentos e a organização comunitária também é fortalecida, porque quando tem alimento e quando se precisa comer, e quando se come junto, é exatamente o momento onde se desenvolvem conversas, onde se pode pensar em como melhorar essa situação crítica que a gente tem tanto na alimentação como no agro. Onde temos a grande disputa do agronegócio e uma agricultura mais ecológica, mais familiar e mais sustentável.” 

Participando do encontro, a deputada federal Reginete Bispo (PT) ressalta que as cozinhas comunitárias são a a expressão de quem tem pouco ajuda quem não tem nada. “São pessoas muito simples que sabem a dor e sofrimento de não ter comida e que se juntam para fazer esse grande movimento de solidariedade que foi muito presente na sociedade brasileira. Isso sempre existiu, mas vimos aflorar ainda mais na pandemia. As primeiras pessoas que saíram para a rua, para fazer esses movimentos de solidariedade foram as mulheres e hoje é um grande movimento nacional das cozinhas comunitárias”, destaca. 

Encontro também abordou sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Júlia Rodrigues

Reginete pontua que houve uma luta intensa para aprovar a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), assim como o PAA. “Sabemos que é muito importante porque é uma iniciativa do movimento social e que faz com que a comida de qualidade chegue até nós. Ainda estamos nessa peleia para que as cozinhas comunitárias possam ser reconhecidas e receber esses alimentos. Lá não está fácil, mas temos um povo aguerrido, além disso construímos essa semana a primeira bancada negra do Congresso”, expõe.

Para o ambientalista Leonardo Melgarejo, é preciso criar um outro sistema produtivo agro alimentar que gere menos desperdício, que aposte mais na produção vegetal que na produção animal, que não se iluda com as exportações de grãos e que viabilize uma ocupação intensiva de mão de obra do campo. Dessa forma, reduzindo o tamanho das propriedades e avançando no rumo da reforma agrária com políticas de sustentação, políticas de pesquisa, de crédito, de comercialização.

“Isso nos traz o PAA, que adquire alimentos, para que eles saindo da agricultura cheguem nas zonas de consumo onde esse acesso é mais viabilizado, que chegue principalmente em zonas de consumo organizado. Essas zonas que nós temos de mais moderno, entusiasmado, são as cozinhas populares”, acredita.

Na avaliação de Melgarejo, as cozinhas populares ligadas à ideia de reforma agrária, de reforma urbana, nos encaminha para uma possibilidade de sobrevivência no planeta e uma espécie de aliança mais ampla, mais internacionalizada que o problema do aquecimento global. 

“Nesses tempos que a crise climática está complicando a vida de todo o mundo, a iniciativa de juntar o urbano e o campo do ponto de vista da Fundação é uma iniciativa que vale toda a parceria, todo o apoio, por isso a gente se articula dentro dessas organizações, desses movimentos para juntos avançarmos nessa direção”, conclui Andreas.

Edição: Katia Marko/Brasil de Fato