Internacionalismo

Conferência da Via Campesina tem propostas para o fim da crise climática e das guerras

Atividade acontece de 1 a 8 de dezembro, em Bogotá, Colômbia; confira na entrevista de Jaime Amorim, dirigente do MST e delegado da Conferência
8ª Conferência Internacional define plataformas de luta dos camponeses para o próximo período. Foto: Via Campesina/ Reprodução

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

A cada quatro anos, a Via Campesina realiza a sua Conferência Internacional, com a participação de representantes de movimentos de camponeses dos cinco continentes, para debater e refletir sobre as diretrizes e plataformas de lutas dos próximos períodos. Por conta da pandemia da Covid-19, pela primeira vez a 8ª Conferência Internacional da Via Campesina ocorre em um espaço de seis anos.

A atividade esta sendo realizada de 1 a 8 de dezembro, em Bogotá, na Colômbia, e conta com a participação de delegados e delegadas de movimentos de camponeses de 81 países do mundo, que integram a Via Campesina, como é o caso do MST.

O dirigente nacional do MST e representante do Movimento na Conferência, Jaime Amorim, explica que uma das propostas finais é reafirmar a posição da Via Campesina contra as guerras, em especial a defesa pela paz na Palestina.

“Que o povo palestino, como também o povo judeu, possa ter seus territórios e sua soberania. Não é possível mais conviver com guerra. Não é possível mais conviver com totalitarismo, com ditaduras. A luta contra a fome, contra a miséria e a luta pela produção de alimentos saudáveis, em defesa do meio ambiente são questões determinantes e fundantes nas lutas no próximo”, afirma.

Confira a entrevista na íntegra:

Poderia comentar sobre qual é a proposta da 8ª Conferência Internacional da Via Campesina, que acontece em Bogotá?

Pela primeira vez na nossa história, a conferência está sendo realizada num espaço de seis anos. Nós tivemos nesse período a pandemia, que foi uma experiência muito cruel, drástica, mas também muito importante para a articulação dos campesinos do mundo.

Essa conferência está sendo aguardada para que a gente possa, no conjunto da organização, buscar soluções para a crise climática, a crise econômica e as guerras. A paz é determinante para a gente superar esses momentos que estamos. Então, a oitava Conferência está pontuada, especificamente, nessa ideia de avançarmos rapidamente para a agroecologia e produzir um modelo de desenvolvimento com agricultura, que seja cada vez menos agressivo à natureza. E para que possamos produzir um modelo que se ajuste mais às necessidades em defendermos o nosso planeta como a casa comum.

Jaime Amorim da direção nacional do MST. Foto: PH Reinaux

Como os campesinos da Via Campesina se posicionaram e resistiram durante a pandemia da Covid-19?

Nós nos colocamos como uma tarefa importante durante a pandemia, fazer o isolamento produtivo e de produzir alimentos saudáveis para a população. Partimos do princípio de que um dos grandes problemas da humanidade é a pouca resistência às doenças, aos vírus, em especial, às epidemias e pandemias. Então, a alimentação saudável vai garantir que a população tenha mais capacidade de resistir. É uma população que vai estar mais imune a essas novas doenças, que certamente vão vir para o futuro. Nos colocamos durante a pandemia numa postura propositiva. Agora estamos voltando à normalidade, mas como consequências desse período, nós temos hoje uma guerra que preocupa muito a Via Campesina, em especial a forma como o povo palestino está sendo massacrado por Israel.

Vários meios de comunicação e intelectuais denunciam o genocídio do povo palestino por Israel. Segundo informações do Opera Mundi, até segunda-feira (04), o Ministério da Saúde de Gaza contabiliza 15.899 palestinos mortos e mais de 42 mil feridos, enquanto as autoridades israelenses estimam 1.200 mortes desde o início da intensificação da guerra, em 7 de outubro. Como os movimentos e organizações da Via Campesina tem se posicionado diante desse conflito?

Nós estamos numa ofensiva para tentar defender o povo palestino e na defesa de uma posição contra a guerra.

Mas, vivemos nesse período também uma grave crise econômica que se abateu praticamente em todo o mundo, uma crise estrutural do capital e que, olhando para frente, não se vê muita saída. Não se vê muita solução. Paralelamente, nós temos uma crise climática e que está tendo consequências em todas as partes do mundo. Viemos denunciando desde os anos 80, a agressividade do modelo capitalista de produção na agricultura, mas recentemente, tem sido contra o meio ambiente: destruindo florestas, destruindo reservas, destruindo povos originários, destruindo territórios inteiros.

Qual o papel da luta do MST, pela Reforma Agrária Popular nas propostas da Via Campesina?

A Via Campesina tem colocado a reforma agrária como uma questão central. Ela trata de Reforma Agrária Popular e Integral, que vai além da distribuição da terra. E avança para a agroecologia, a defesa dos povos originários, a defesa dos territórios campesinos e é a defesa de um modelo de desenvolvimento de agricultura que coloca, acima de tudo, a vida social dos campesinos e campesinas, em primeiro lugar.

Hoje, o capitalismo internacional tem avançado rapidamente na dominação de territórios inteiros. As grandes empresas e corporações chinesas tem avançado muito no território africano e o capitalismo europeu e norte-americano, além de avançar rapidamente nos territórios africanos e na América Latina.

No Brasil, em territórios importantes como do Cerrado e da Amazônia, então a reforma agrária é determinante para parar essa evolução da concentração de terra no mundo, como também propor um novo modelo de desenvolvimento, em que se dispensa o latifúndio. O latifúndio não tem espaço porque é agressor, é destruidor e propõe, através do modelo do agronegócio, a diminuição cada vez mais rápida da população no meio rural. Com esse modelo da monocultura agroexportadora do agronegócio, não tem espaço para o camponês.

Então, a reforma agrária é determinante para os camponeses ter seu espaço para produzir alimentos. Lembrando que não só no Brasil, mas na maioria dos países do mundo, os camponeses produzem praticamente toda a alimentação que é consumida no seu país. Em alguns casos, muito mais do que 72%, como no Brasil; como é o caso, em especial da Índia, em que a maioria dos camponeses produzem para a subsistência e para manutenção do mercado local.

Pode citar alguns avanços da Via Campesina no último período?

Uma das coisas muito importantes que discutimos como uma conquista importante foi a aprovação aos Direitos dos Camponeses e das Camponesas pelo Conselho da Organização das Nações Unidas (ONU) [o documento foi aprovado em 2018 pela ONU]. Então, pela primeira vez na nossa história, estamos fazendo uma conferência em que a ONU reconhece os campesinos como um sujeito de direito. E a Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas nos dá largas possibilidades de fazer luta em defesa de territórios, em direito, em defesas das sementes como patrimônio da humanidade, a serviço de todo o mundo; como um direito dos povos originários e como um direito de defendermos o reflorestamento do planeta. Esse reconhecimento permite dizer que no relatório final da conferência, esse documento coloque como questão fundamental lutarmos para que essa Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas seja aplicada em todo o mundo, para todos os povos, em qualquer parte do mundo, independente de governos, independentes de Estado.

Assim, a oitava Conferência tem como tarefa fundamental determinar que os direitos campesinos sejam implantados e reconhecidos por todos os países signatário da ONU.

Ao final da 8ª Conferência Internacional da Via Campesina há a previsão de aprovação de um documento final, há uma previsão de qual será a linha desse documento? Em que direção devem apontar?

A oitava Conferência deve apontar com algumas questões importantes: primeiro, a luta em defesa da democracia, contra qualquer tipo de ditadura e totalitarismo. A defesa da democracia deverá ser uma questão intransigente da Via Campesina, como também a luta pela paz e contra todo tipo de violência.

Foi uma luta muito importante como experiência que realizamos na defesa do povo colombiano, dos campesinos que sofreram agressões e violências durante tantos anos. Então, estamos na Colômbia e vamos reafirmar o nosso apoio ao povo colombiano e à democracia colombiana.

Vamos trabalhar para que possamos ter um documento que possa reafirmar a nossa posição contra as guerras, em especial a nossa defesa pela paz na Palestina. Que o povo palestino, como também o povo judeu, possa ter seus territórios e sua soberania. Não é possível mais conviver com guerra. Não é possível mais conviver com totalitarismo, com ditaduras. A luta contra a fome, a luta contra a miséria e a luta pela produção de alimentos saudáveis, em defesa do meio ambiente são questões determinantes e fundantes nas lutas no próximo.

Nós vamos tirar um plano de mobilização e de luta para os próximos períodos: participar mais ativamente das conferências ambientais no mundo, como a COP 30, que vai ocorrer no Brasil. Para que a gente possa levar sugestões e também apresentar documentos que representam o pensamento de todas as organizações campesinas e da Via Campesina.

Ademais, é importante que a gente fortaleça a Via Campesina também em todos os países, em todos os continentes, para termos uma organização forte que representa o sentimento, o pensamento de todos os campesinos e campesinas, de todos os países.

Acima de tudo, a ideia é que o documento final da Conferência represente um documento que possamos debater na nossa base, servir como plano de ação e de luta e, ao mesmo tempo, como uma plataforma de negociações com os governos locais e com as instituições internacionais e multilaterais.

*Editado por Fernanda Alcântara