Insustentável

Vale, JBS e Braskem: conheça os ‘vilões do clima’ que pregaram sustentabilidade na COP28

Vale, JBS e Braskem: conheça os 'vilões do clima' que pregaram sustentabilidade na COP28
Presença de poluidoras na COP28 revoltou ativistas, que protestaram. Foto: Christian Braga/Greenpeace

Por Murilo Pajolla*
Do Brasil de Fato | Lábrea (AM)

O caso Braskem, empresa responsável pela maior tragédia urbana em curso no mundo, em Maceió (AL), jogou luz sobre uma contradição no discurso de gigantes globais da mineração, do agronegócio e da pecuária, que lucram alto com atividades reconhecidas como “vilãs” do clima pela ciência.  

Enquanto esses grandes grupos privados se autoproclamam sustentáveis, o caráter essencialmente poluidor e predatório de seus negócios estimula também o desmatamento ilegal e graves violações aos direitos humanos, além de altas doses de contribuição para o aquecimento global. 

Com a tragédia em Maceió, a desconexão entre o discurso e a prática da Braskem se tornou tão obscena, que a empresa desistiu de participar da COP28, a Conferência do Clima da Organização das Nações (ONU) deste ano, onde iria palestrar sobre “carbono neutro” e “impactos da mudança do clima”.

Além da Braskem, o Brasil de Fato identificou no Pavilhão do Brasil na COP28 outras cinco megacorporações emissoras de carbono que desembarcaram em Dubai (Emirados Árabes Unidos) com um exército de lobistas e um objetivo: garantir ao mundo que estão resolvendo os problemas nas suas cadeias produtivas.

São empresas que até reconheceram – parcialmente ou integralmente – os danos causados por suas cadeias produtivas e garantem que estão gastando muito dinheiro para mitigar os impactos sobre o clima e os territórios.

Mesmo assim, seus programas de sustentabilidade apresentam falhas ou insuficiências que fomentam acusações de greenwashing – termo em inglês que significa usar técnicas de marketing verde para mascarar efeitos ambientais nefastos. 

Vale, Cargill, JBS, Marfrig e Norsk Hydro

Reincidente em gravíssimos crimes ambientais, a mineradora Vale discutiu em Dubai a “pluralidade de atores” na transição energética, mas o painel não contava com populações atingidas pela empresa. Ativistas interromperam a discussão e denunciaram “demagogia”.

Duas gigantes da proteína animal, JBS e Marfrig também foram convidadas a palestrar sobre “pecuária sustentável”, enquanto acumulam casos de desmatamento ilegal e invasões de terras indígenas em suas cadeias produtivas.

A lista de multinacionais orgulhosas de suas agendas verdes na COP28 inclui ainda a Cargill, a maior empresa de agronegócio do mundo, dona de marcas como Pomarola e Liza. 

Na Amazônia brasileira, a Cargill expande a infraestrutura de transportes, criando mais demanda por soja e gado e estimulando a pressão de grileiros sobre áreas protegidas. Um exemplo é a Ferrogrão, um corredor ferroviário que atropelará terras indígenas, unidades de conservação e povos isolados e emitirá 75 milhões de toneladas de carbono, segundo estudo da PUC.

Já a mineradora norueguesa Norsk Hydro celebra seu “pioneirismo na transição para o alumínio verde”. No Pará, onde indígenas e quilombolas são afetados pela extração de bauxita sem consulta prévia, a empresa não é vista com o mesmo entusiasmo. 

Confira mais abaixo a “ficha suja” completa das empresas citadas. 

Ativistas que interromperam painel da vale apontam hipocrisia

Duas lideranças da Rede Vozes Negras pelo Clima que interromperam em protesto o painel da Vale na COP28 falaram ao Brasil de Fato. Elas afirmaram que a mineradora e outras empresas foram a Dubai vender sustentabilidade, mas destroem o meio ambiente. 

Natural de Regência (ES), uma das regiões mais atingidas pela tragédia da Vale em Mariana (MG), Luciana Souza vê a atuação das multinacionais como “uma grande hipocrisia, uma falácia”.

“Essas empresas vão para dentro dos nossos territórios, poluem nossos rios e nossos mares, contaminam a nossa água, tiram das nossas comunidades o direito de trabalhar e produzir seu alimento. E depois vêm para cá ocupar espaços dentro dos Pavilhões do Brasil para falar em sustentabilidade. Sustentabilidade para quem?”, questionou Luciana Souza.

Camila Aragão, da Rede Vozes Negras pelo Clima, também participou do protesto que emparedou executivos da Vale em Dubai. “É fundamental estarmos aqui e ocupando esse espaço, mas – nossa! – o que é que eu estou fazendo aqui? Eu me faço essa pergunta o tempo todo. Porque eu me sinto impotente nas reais negociações, nas reais decisões”, disse. 

JBS: pecuária ilegal e desmatamento 

Com lucro líquido de R$ 15,5 bilhões em 2022, a JBS é a maior produtora de proteína animal do mundo. Na COP28, representantes da empresa participaram do painel “Caminhos para Sistemas Alimentares Sustentáveis no Brasil”.

No Brasil, a agropecuária foi responsável por um quarto das emissões no ano passado, índice que já chegou a 70% em anos anteriores. 

Além das emissões da pecuária em si, o setor contribui para o aquecimento global ao estimular a criação de gado em áreas de desmatamento ilegal na Amazônia. O desflorestamento é a atividade que mais contribui para a pegada climática do Brasil no mundo. 

Segundo auditoria do Ministério Público Federal (MPF) divulgada em dezembro de 2022, a JBS abateu 93.734 animais com “procedência duvidosa”. Conforme os mesmo dados, a JBS foi líder no ranking de frigoríficos com mais irregularidades no abate de animais no Pará. A JBS contestou a metodologia do MPF usada no cálculo. 

Uma investigação exclusiva da Repórter Brasil revelou que a JBS comprou, entre 2018 e 2022, quase 9 mil cabeças de gado criado em fazendas de uma quadrilha de desmatadores de Rondônia. Nesse caso, a empresa reconheceu que houve conivência de seus próprios funcionários no esquema.

Marfrig: bois ‘sustentáveis em terras indígenas’

Enquanto manifestantes protestavam na COP28, a Marfrig Global Foods se reunia com um grupo seleto de convidados em um luxuoso hotel de Dubai. O encontro, revelado pela Exame, serviu para apresentar a autoridades e organizações da sociedade civil o compromisso da empresa com “pecuária de baixo carbono, 100% rastreada e livre de desmatamento”.

É de fato uma iniciativa louvável, especialmente para uma grande “ficha suja” socioambiental como a Marfrig. Como a JBS, a empresa também tem um histórico de comprar carne cultivada em terras indígenas. É o caso do território Apyterewa no Pará, a terra indígena mais desmatada durante o governo Bolsonaro. 

Segundo revelou a Repórter Brasil em 2020, grandes multinacionais da indústria da carne, como Marfrig, têm entre seus fornecedores diretos ou indiretos pecuaristas que criam gado ilegalmente nessa área protegida da Amazônia. A empresa respondeu que os critérios para compra de gado seriam atualizados a partir de julho daquele ano. 

Em outra investigação jornalística, o site O Joio e o Trigo descobriu que uma fazenda fornecedora da Marfrig produziu dentro de terra do povo Mỹky no norte de Mato Grosso. O frigorífico respondeu que considera terras indígenas apenas as já homologadas, o que contraria a definição de terra indígena presente na Constituição e adotada por órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Vale: não dá para esquecer Brumadinho e Mariana 

A Vale está por trás de duas das mais graves tragédias socioambientais, a de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, que mataram 270 pessoas e afetaram mais de 350 mil. 

O relatório de uma comissão independente de investigação contratada pela mineradora revelou que a Vale sabia, pelo menos desde 2003, de fragilidades na barragem que se rompeu em Brumadinho (MG) e, apesar de alertada, não retirou as instalações administrativas da área de risco, expondo seus funcionários a uma avalanche de rejeitos. 

Já em Mariana (MG), a lama tóxica da barragem de Fundão, causou uma crise humanitária. Cidades ao longo do Rio Doce sofreram escassez de água após suas fontes serem poluídas por lama tóxica. Todas as atividades econômicas ligadas ao rio, como a pesca, foram inviabilizadas. 

No caso de Brumadinho, a lama liberada pelo colapso da barragem afetou pessoas que perderam suas casas e tiveram que ser deslocadas como resultado da tragédia.

Cargill: soja e pecuária na Amazônia a qualquer custo 

A Cargill é a maior comerciante de grãos do mundo e a maior empresa privada dos Estados Unidos, com receita recorde no último ano fiscal de US$ 177 bilhões (R$ 860,41 bilhões na cotação atual).

No Brasil, a empresa constrói portos e ferrovias voltadas ao transporte de soja e outros grãos na região amazônica. Como consequência, aumenta a pressão sobre territórios indígenas e quilombolas. 

Segundo denúncias feitas a autoridades brasileiras e reveladas por investigações jornalísticas, sojeiros são atraídos pela infraestrutura da multinacional, contribuindo para a expansão da fronteira agrícola em áreas preservadas da amazônia e contribuindo para o aumento de casos de intoxicação por agrotóxicos. 

Em setembro deste ano, a Cargill foi condenada pela Justiça do Trabalho, em primeira instância, por práticas de trabalho escravo e infantil em plantações de cacau de seus fornecedores no Brasil. 

Além disso, a empresa trabalha pela construção da Ferrogrão, um projeto de ferrovia que visa conectar o estado de Mato Grosso ao Pará, no Brasil. O objetivo é transportar soja e milho do Mato Grosso e exportá-los para a China.

Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais destacou que a linha ferroviária da Ferrogrão cruzará vários territórios indígenas na Bacia do Rio Xingu, algo que poderia resultar na perda de mais de 230 mil hectares de floresta para o desmatamento em territórios indígenas no estado de Mato Grosso até 2035.

A construção da Ferrogrão incentivaria agricultores e pecuaristas localizados no estado do Mato Grosso a ampliarem a produção, aumentando a demanda por terras.

Norsk Hydro: denunciada por indígenas no Pará  

A Hydro é uma multinacional norueguesa que extrai bauxita na Amazônia. Nos últimos anos, a mineradora foi exposta como indutora de conflitos com as populações do Pará, onde fica a maior parte de suas operações. 

Na lista de passivos ambientais está o vazamento de rejeitos em nascentes por meio de um duto clandestino, descoberto na cidade de Barcarena, região metropolitana de Belém. 

Além disso, populações indígenas e quilombolas se dizem ameaçadas por funcionários da empresa. Em uma carta pública divulgada em outubro, moradores do Vale do Acará, no Pará, denunciaram a situação. 

“A Hydro vem repetindo sua metodologia neocolonial e violadora contra os povos do Vale do Acará. As comunidades não foram consultadas sobre a circulação constante e intrusiva dos funcionários da empresa, que passam em suas picapes em alta velocidade nas estradas de acesso às aldeias e quilombos, colocando em risco nossas famílias”, diz a carta.

*Colaborou Elitiel Guedes

Edição: Rebeca Cavalcante