Jornada de Lutas

Cozinhas Populares: solidariedade que alimenta corações e estômagos

Conheça o trabalho das cozinhas populares solidárias espalhadas pelo país e como elas se integram à Jornada de Solidariedade contra a Pobreza e a Fome deste ano
Coletivo Marmitas da Terra, do MST no Paraná. Foto: Wellington Lenon

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

No período de 25 de novembro a 25 de dezembro, com ênfase no próximo fim de semana (16 e 17 de dezembro), a Jornada de Solidariedade contra a Pobreza e a Fome mobiliza uma teia de organizações em uma missão única: levar ações concretas de auxílio às comunidades em situação de vulnerabilidade, abraçando todas as grandes regiões do país. Nesse contexto, as Cozinhas Solidárias se destacam como verdadeiros refúgios de solidariedade, promovendo a distribuição massiva de refeições.

A organização da Jornada é feita pelos Comitês Populares, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Partido dos Trabalhadores (PT), Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras por Direitos (MTD), Movimento Brasil Popular (MBP) e Levante Popular da Juventude.

As Cozinhas Solidárias são faróis de esperança, atendendo não apenas a necessidade básica de alimentação, mas também agindo como agentes de transformação social. E dentre essas iniciativas, encontramos a produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma força que vai desde a terra até a mesa.

“O MST faz parte de diversas redes de solidariedade e de cozinhas populares e solidárias nos estados. É um trabalho muito territorializado e cada estado tem um nome para suas redes de articulação local”, lembra Carla Bueno, do setor de Produção do MST.

Alimento Saudável e Reforma Agrária Popular

A jornada solidária começa nas terras férteis trabalhadas pelos Sem Terra, que dedicam a vida a cultivar alimentos de qualidade. Esses/as agricultores/as são os primeiros elos da corrente solidária, contribuindo com suas colheitas para alimentar comunidades inteiras. As sementes plantadas com cuidado e dedicação nas áreas da Reforma Agrária se transformam em alimentos saudáveis que, por sua vez, abastecem as Cozinhas Solidárias.

Bueno ressalta que, na maioria dos estados, existe a colaboração com o abastecimento de diversas cozinhas populares solidárias. “São produtos in natura, nosso arroz, feijão e, enfim, as coisas que a gente tem para oferecer. Em geral ocorrem parcerias para compra desses alimentos, e quando tem excedente produtivo no MST também acontecem as doações”.

Mutirão do Coletivo Marmitas da Terra, no Paraná. Foto: Davi Lazzarin

A experiência de organização do MST também colabora com as Cozinhas Solidárias, principalmente pela tradição Sem Terra de produção cooperada, o que acaba se colocando também como uma referência para aquelas trabalhadoras urbanas que estão em busca de um instrumento de trabalho seguro.

“Isso se dá no sentido de se capacitar e desenvolver processos formativos que não só produzam e reproduzam os alimentos, mas que também possam alcançar um maior nível de consciência política dentro desses territórios e possam se organizar coletivamente também para lutar pelos seus direitos”, ressalta Carla.

Além de serem centros de preparo de refeições, as Cozinhas Solidárias também se tornaram símbolos de solidariedade. O alimento produzido não é apenas uma fonte de nutrição: é uma manifestação do comprometimento dessas comunidades em construir um país mais justo e igualitário.

Entrega de marmitas no centro de Curitiba, durante campanha “Natal Sem Fome”, de 2021. Foto: Leonardo Henrique/MST no PR

Nas Cozinhas Solidárias, a visão de quem produz se entrelaça com a visão de quem recebe, formando uma comunidade unida pela luta contra a fome. “É um trabalho que, através da comida, o MST se comunica e se conecta de uma forma real, muito concreta, com os trabalhadores urbanos, em especial com as trabalhadoras das cozinhas, tanto quanto aquelas que manejam os alimentos quanto às cozinheiras. E quanto também com as pessoas que são atendidas, que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade, de insegurança alimentar, de fome.”

Comida de Verdade

O MST há muitos anos vem desenvolvendo a transição agroecológica da sua produção. Quando as famílias Sem Terra acessam a terra, em geral, este espaço está degradado. As ocupações ocorrem em áreas que já não estão mais produtivas, e então ocorre todo um processo de manejo desse solo. “Cada vez mais, o MST tem desenvolvido estratégias para que esse manejo do solo possa corresponder aos ensinamentos também que tivemos com a Ana Maria Primavesi, de que solo vivo, planta sadia, é ser humano sadio”, lembra Bueno.

Carla Bueno (à direita), em visita à Cozinha Escola Para Brilhar Ilda Martins. Foto: Comunicação MST

Segundo Bueno, os ensinamentos de Primavesi foram sendo sistematizados e elaborados pelo Movimento, no entendimento de que é necessário recompor a vida do solo e, com isso, recompor a biodiversidade. Quando esse alimento é produzido de forma agroecológica, e ao chegar até as Cozinhas Solidárias, o MST traz discussões como o uso do agrotóxico, as dificuldades e desafios envolvidos desta produção.

Ao ocupar a terra, o MST promove a produção de alimentos de maneiras diversas, incluindo o desenvolvimento de agroflorestas e a complexificação do sistema com árvores e animais. Propomos reintegração da vida no campo, com um conjunto de espécie. E essas iniciativas estão alinhadas com a reforma agrária popular e as Cozinhas Solidárias, indicando um caminho para enfrentar a fome e avançar na luta por outros direitos”

— Carla Bueno

Solidariedade para além do Natal

Cozinha Solidária do MST em Encantado entregou quase 38 mil marmitas aos atingidos pelas enchentes no Vale do Taquari. Foto: Victor Frainer

Ao entrar em uma Cozinha Solidária, em qualquer data do ano, é possível sentir a energia transformadora de cada voluntário, cada panela no fogo e cada prato servido. Estes locais se tornaram verdadeiras escolas de solidariedade, onde a empatia e o comprometimento são os principais ingredientes, conectando pessoas de diferentes origens em um propósito comum: combater a fome e promover a dignidade.

Entretanto, não há como negar que, nesta época do ano, o sentimento de solidariedade da sociedade fica mais forte. “O Natal, por ser a data de celebração do sagrado, talvez tenha também um espaço para se colocar o alimento. Fazer da mesa farta uma mesa para todos. Nos colocamos também como mais um sujeito nessa cadeia produtiva do alimento, promovendo a ideia para quem pode fazer escolhas por alimentos saudáveis e, quem não pode fazer escolhas, enfim, que possa se alimentar nessa data”, conta Bueno.

Foto: Joka Madruga

Etapas da solidariedade

Para que a marmita chegue à mesa, são necessárias diversas ações de solidariedade. Ao longo do ano, os movimentos populares participam ativamente dessas iniciativas nos territórios, envolvendo-se em um trabalho amplamente territorializado. Em algumas situações, essa participação ocorre nas distribuições, na produção e na doação de alimentos, adaptando-se às diferentes realidades. E no final do ano, essa atuação não apenas contribui para dar significado à data do Natal, mas também confere um sentido mais humano a essa empreitada. A relação de alteridade, generosidade e solidariedade com o próximo é fundamental, pois ninguém vive isoladamente.

“Imbuídos desse sentimento, o MST segue em busca de construir uma sociedade melhor para todos. Mesmo após um ano de governo do presidente Lula, a fome persiste no país, apesar de alguns avanços nas políticas públicas. “Diante desse cenário, são necessárias mais ações de solidariedade, justificando a Jornada em andamento. Através dessas lutas, o MST e a classe trabalhadora buscam garantir direitos, como acesso à alimentação saudável, por trabalho, terra e pão. E o Natal se torna uma oportunidade para tentar reverter a situação degradante em que muitos se encontram”, pontua Bueno.

Há diversas maneiras de contribuir para essa Jornada Solidária. Além da participação ativa nas atividades programadas, é possível apoiar financeiramente para fortalecer as Cozinhas Solidárias e garantir a continuidade dessa corrente de solidariedade. Doar recursos, tempo ou até mesmo compartilhar a mensagem são gestos que alimentam não apenas o corpo, mas também a alma de uma nação que busca construir um futuro mais justo.

Preparação de mil refeições durante Ceia Solidária em Maceió (AL), distribuídas pelo MST na campanha “Natal Sem Fome” de 2021. Foto: Gustavo Marinho

Há eventos de solidariedade acontecendo pelo Brasil. Cada estado tem um calendário, mas é possível colaborar nos mutirões de preparação de alimentos e/ou fazer doações. Se a pessoa é dona de algum comércio, varejo ou pequena produção e quiser doar, é sempre possível. É a partir dessas redes que a doação se transforma no fazimento, na preparação dos alimentos”.

— Carla Bueno

Assim, a Jornada de Solidariedade contra a Pobreza e a Fome traz a mensagem de Feliz Natal com a mesa feliz! com a comida de verdade, com a comida saudável, com agroecologia, com respeito ao campo e dignidade para a agricultura familiar. Em um país em que a desigualdade social e a fome ainda são desafios persistentes, as Cozinhas Solidárias e a Jornada de Solidariedade contra a Pobreza e a Fome representam uma esperança concreta.

Essas ações nos lembram que a empatia, a cooperação e a compaixão são ingredientes essenciais para uma sociedade que queremos. Essa jornada é um chamado para todos nós, uma oportunidade de unir forças e transformar a solidariedade em ação, de uma cozinha para o coração do Brasil.

“Desenvolver estas ações de solidariedade é fazer parte de uma grande rede de combate à fome, é emanar energias para que em 2024 avancemos efetivamente na erradicação da fome. Quem sabe no final de 2024 podemos fazer uma nova jornada, mas para celebrar e alcançar maior acesso aos alimentos. Podemos mudar esse quadro no próximo ano”, finaliza Bueno.

*Editado por Solange Engelmann