Memória

Viva os 40 anos do MST!

Em artigo, militantes históricos do MST relembram o Iº Encontro Nacional, em 1984 e reafirmam a necessidade em cultivar a memória das lutas históricas do Movimento
Ato Político celebra os 40 anos MST. Foto: Priscila Ramos

Por Edgar Jorge Kolling e Roseli Salete Caldart
Da Página do MST

A organização é a chave que permite agarrar as iniciativas do povo e de seus líderes e transformá-las em ação!”, Che Guevara.

Era o ano de 1984, dia 22 de janeiro. Com o grito de ordem, terra para quem nela trabalha e vive! foi anunciada a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)! 

Esse anúncio foi a decisão coletiva firmada no que consideramos hoje o Iº Encontro Nacional do MST, realizado 40 anos atrás, de 20 a 22 de janeiro de 1984, no Seminário Diocesano de Cascavel, no Paraná. Participaram em torno de 100 pessoas de 12 estados, representando diferentes lutas pela terra locais, sindicatos de trabalhadores rurais combativos em articulações promovidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também participaram representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e assessores.

O Encontro decidiu o nome, os objetivos, os princípios organizativos e as linhas gerais de atuação do MST, e marcou nosso primeiro Congresso para o ano seguinte. Entre os objetivos gerais, uma espécie de ideário de tempo longo:

  • Lutar pela Terra.
  • Lutar pela Reforma Agrária.
  • Lutar por uma sociedade sem exploradores e explorados.

Na época da criação do MST o Brasil vivenciava os últimos suspiros da ditadura civil-militar, iniciada em 1964 e encerrada em 1985. Muitas foram as lutas contra a ditadura. Manifestações de ruas, greves, atos pela anistia, ocupações de terra. É nesse contexto de ascenso das lutas de massa, iniciado na segunda metade da década de 1970, que a classe trabalhadora brasileira, da cidade e do campo, forjou a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) (10/02/1980), da CUT (28/08/1983) e do MST. Três instrumentos que ao longo desses 40 anos tiveram um papel relevante na luta de classes no Brasil.

Iº Encontro Nacional do MST, Cascavel (PR), janeiro de 1984. Foto: Arquivo MST

Estudiosos da questão agrária e lideranças de lutas camponesas, com as quais as nossas primeiras lideranças dialogaram durante o processo de gestação do MST nos disseram com firmeza: se o MST quer ter vida longa precisa aprender duas grandes lições das lutas pela terra, que já se fizeram no Brasil:

(1ª) É preciso construir um Movimento Nacional. Todas as lutas pela terra que ficaram restritas a um local ou região, mais cedo ou mais tarde foram massacradas e suas organizações destruídas.

(2ª) É necessário fincar raízes na região nordeste do país, onde se concentra quase 50% das famílias sem-terra.

No caminho outros aprendizados foram sendo incorporados ao o que fazer do MST. Os princípios organizativos e o método de direção; a prática dos valores humanistas e socialistas; o internacionalismo; os métodos de formação e a importância do estudo:

Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário!”, nos ensinou Lenin.

A consciência de que somos herdeiros das lutas que nos antecederam e temos muito a aprender do seu legado é uma marca de nascença do MST. Somos herdeiros das lutas históricas dos povos indígenas e dos negros que criaram seus quilombos. Somos herdeiros de movimentos camponeses, especialmente dos que se tornaram verdadeiras epopeias como Canudos, Contestado, Caldeirão, Ligas Camponesas. Somos fruto da partilha e teorizações dessas e outras experiências de luta e aprendemos que a memória das lutas do povo é nossa raiz forte. Alimento que nos sustenta para caminhar mais firmes na história.

Passados 40 anos, o MST se orgulha de ter hasteado sua bandeira em latifúndios de 23 estados e do Distrito Federal. Já podemos aprender também com nossa própria história: Beber do próprio poço! Com as ocupações de terra, os acampamentos e as marchas; com nossos assentamentos, as práticas agroecológicas e a produção de alimentos saudáveis; com o legado de nossos mortos; com a prática concreta da solidariedade e a força da mística, que nos anima a continuar na luta pelos objetivos da nossa criação em 1984. 

Dom Pedro Casaldáliga em uma mensagem que gravou em agosto de 2020 nos relembrou da missão que nos cabe: “enquanto o ‘diabo’ estiver solto por aí… o MST deve continuar sendo a ‘cutucada’ para a mo-vi-men-ta-ção…”, afirmou o pároco.  

Em sua sabedoria, Dom Pedro entendeu sobre nós e nos ensina: a palavra movimento, que também está no nome de nosso projeto educativo (Pedagogia do Movimento), não se refere apenas a uma abreviação de MST. Ela destaca a força formativa de estar em movimento e de provocar o movimento, a ação pensada e organizada coletivamente. 

Os “diabos” continuam soltos e a perversidade e insanidade que nos rodeia exigem que a “cutucada” seja cada vez mais incisiva, e seja forte o bastante para mexer no sistema que cria os “diabos”. Tanto mais nessa fase histórica de decadência do modo de produção capitalista, com em seu motor econômico entrando em colapso. Estamos chegando ao limite do suportável, do ponto de vista social, ambiental, humano, e isso exige movimentação geral para reconstruir a vida social em outras bases.

Abrir um novo ciclo de ocupações e conquistas de terra é talvez a principal cutucada que precisamos dar para movimentação desse próximo período. Na feijoada do MST, feijão é terra, dizia Adão Pretto. Mas essa cutucada somente será garantida se trabalharmos para que muito mais gente compreenda que a função social da terra é produzir alimentos para todo povo e a construção da Reforma Agrária Popular é um desafio do conjunto da classe trabalhadora.

É tempo de aprender com nossos erros e acertos. Conquistas e derrotas. É tempo de cultivar a memória e educar as novas gerações nesse cultivo. Sem nunca esquecer que ninguém mais do que nós poderá salvar a nossa história, honrando o legado que construímos e do qual precisamos ser guardiões.

E que todos e todas nós, cada um desde o que faz ou pode passar a fazer, ajudemos o MST a seguir adiante. Como costuma nos dizer Aleida Guevara, “nenhum passo atrás; nem para tomar impulso!” Caminhemos sempre à frente, aprendendo sobre o que já fizemos e vivemos nesses 40 anos, firmando as finalidades sociais e de formação humana que justificam continuarmos existindo como organização ativa da classe trabalhadora e analisando a cada passo nossa atualidade, para caminhar mais seguros hacia adelante!

Lutar, construir Reforma Agrária Popular!

Vida longa ao MST!

*Editado por Solange Engelmann