JURAs 2024

“JURAs viabilizam conhecimento científico, diálogo e construção pela Reforma Agrária”

No marco das comemoração de 40 anos do MST, confira entrevistas sobre a importância da 11ª Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular (JURA)
Ornamentação no coreto da praça da Feira Saberes e Sabores da Terra durante JURA UFMT, em 2022, no Mato Grosso. Foto: Bruna Obadowski

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

No ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completa os 40 anos, as JURAs (Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular) ganham contornos especiais na luta por uma educação mais democrática e da defesa da Reforma Agrária. Ao longo destes 11 anos, as JURAs se constituíram como espaço de união, resistência e de contribuição à batalha das ideias e, este ano, entre os meses de março a junho traz novamente um espaço de diálogo e aprendizado sobre temas relacionados à Reforma Agrária, à agroecologia e à educação no campo.

A Jornada acontece a partir da articulação entre MST e instituições de Ensino Superior; Grupos, Núcleos e Laboratórios de Estudo e Pesquisa; Programas de Pós-Graduação; Coletivos de Trabalho; Estudantes, Movimentos e Organizações Populares do Campo e da Cidade. Durante as JURAs, são realizadas diversas atividades como seminários, oficinas, debates, feiras e plantios. Essas ações visam não apenas disseminar conhecimento, mas também promover a educação, e este ano conta com cerca de 50 instituições de ensino, centenas de professores universitários e milhares de alunos das cinco regiões do país.

As JURAs também são um importante momento para relembrar a Jornada do mês de abril, em memória ao massacre de Eldorado dos Carajás, trazendo a partir desta reflexão debates em torno da desigualdade social. Se estendendo para além do mês de abril, cada Instituição de Ensino Superior que participa da Jornada organiza, a partir de sua agenda, um conjunto de atividades com a participação da comunidade acadêmica, a sociedade do entorno e convidados para discussões e debates sobre a luta pela democratização da terra.

A participação em qualquer uma das JURAs é normalmente aberta a todos que se interessam pela temática da Reforma Agrária e desejam contribuir para a construção de uma sociedade a partir da articulação e fortalecimento das lutas sociais voltadas a esse debate no Brasil.

Confira abaixo entrevista com Valter Leite, do Setor de Educação do MST, e Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo, professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), do Departamento de Educação.

As Jornadas Universitárias pela Reforma Agrária (JURAs) acontecem há mais de dez anos em diferentes universidades e, este ano, o MST está fazendo 40 anos. Em qual contexto a luta pela Reforma Agrária do MST se inserem nas JURAs?

Valter Leite, do Coletivo Nacional de Educação do MST. Foto: Arquivo MST

Valter: A JURA, desde sua primeira edição em 2014, está inserida numa série de ações nacionais desenvolvidos por dezenas de universidades brasileiras, se constituindo como um fecundo espaço acadêmico-científico comprometido com as lutas dos diversos Movimentos Sociais Populares do Campo pela Reforma Agrária Popular como forma de democratização da estrutura agrária, social, econômica, política e educacional brasileira.

Nestes dez anos de realização das JURAs, o ambiente de articulação e relações entre as Instituições de Ensino Superior e organizações do campo e da cidade, tem possibilitado um maior engajamento entre a comunidade acadêmica e a luta pela Reforma Agrária por meio dos trabalhos de extensão, pesquisa e ensino no âmbito da questão agrária, tendo por centralidade às vozes dos sujeitos do campo, das águas e das florestas.

E neste sentido, qual contexto as JURAs se tornam importantes para a lógica acadêmica?

Nalva: Então, as JURAs surgem a partir de professores ligados ao movimento, à luta pela Reforma Agrária e pela democratização da propriedade da terra no contexto da universidade brasileira, para que o debate sobre a questão da terra, do território, as lutas e os enfrentamentos históricos sejam tema de discussão na universidade. Pois nos últimos anos esse debate tinha desaparecido dos círculos acadêmicos. Outros temas haviam tomado seu lugar nos debates acadêmicos, fazendo com que a questão da terra, do território e da luta pela democracia e sua democratização fossem esquecidos.

Professora Maria Nalva de Araújo Bogo (à esquerda). Foto: reprodução website Riqueza Nossa

Qual é a importância disso para o debate acadêmico? Primeiro, essa temática atravessa a sociedade brasileira e a maioria dos problemas que enfrentamos, o que torna essa questão relevante para quem frequenta ou frequentou a universidade e também atua ou atuará na sociedade brasileira. O debate sobre a concentração da terra no Brasil ou sua democratização é um debate que precisa envolver toda a sociedade brasileira, inclusive a universidade, a academia, que não pode se omitir nesse contexto, certo? Todas as áreas do conhecimento precisam debater a dimensão da propriedade da terra no Brasil, não apenas as ciências sociais. As universidades públicas, que são mantidas com dinheiro do povo, precisam se envolver nas grandes problemáticas brasileiras e, consequentemente, um desses grandes problemas, considerado estrutural na sociedade, deve ser objeto de debate, discussão e posição fundada na formação do povo brasileiro, aquele que passa pela universidade.

Qual o papel das JURAs na construção da resistência ao agronegócio, em especial para o Movimento? E quais desafios ainda são encontrados pelas Universidades para o debate da Reforma Agrária?

Valter: As JURAs têm sido um ambiente rico de estudo, debate e denúncia da violência exercida pelo agro-mínero-negócio e de massificar o entendimento das consequências, no campo e na cidade, do fato de o Brasil nunca ter feito sua Reforma Agrária. Assim como, fundamentalmente, soma-se ao anúncio e a necessidade da Reforma Agrária Popular como forma de superar o problema da fome, da saúde e da alimentação em tempos de crises generalizadas.

As JURAs se tornaram um importante espaço político-acadêmico de fortalecimento da luta dos diferentes sujeitos coletivos que vivem cotidianamente as contradições e consequências do avanço e desenvolvimento do capital no campo, sejam estes: quilombolas, indígenas, camponeses, Sem Terra, pescadores/caiçaras, comunidades ribeirinhas, entre tantas outras que representam essa diversidade de identidades dos povos do campo, das águas e das florestas.

Roda de conversa na JURA, realizada na Universidade de Campinas (UNICAMP). Foto: Divulgação JURA Unicamp

Entre os objetivos das JURAs estão o estudo e a problematização sobre a estrutura agrária, socioeconômica, política e educacional brasileira. As JURAs se colocam como uma ação pedagógica e de resistência ativa na universidade para que as Instituições de Ensino Superior fortaleçam seu caráter público, democrático, plural, participativa e comprometida com a ciência. Se coloca como espaço-tempo de promoção de estudos e ações que propiciam ampliar a análise da questão agrária e compreender os males do agronegócio e da concentração de terras no Brasil, e sua vinculação direta com a crescente fome no Brasil, assim como as desigualdades sociais, raciais e de gênero. Assim como, fortalece a organização social e a própria construção de lutas em defesa dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo e da cidade, junto aos movimentos sociais populares como sujeitos coletivos que produzem conhecimentos a partir da luta pela democratização da terra, cultura, comunicação e educação.

Nalva: As JURAs têm constituído, nesses últimos dez anos, um espaço de discussão sobre a propriedade da terra, o modelo de desenvolvimento e a resistência a esse modelo hegemônico e suas práticas predatórias. O papel das JURAs tem sido não apenas de denunciar e mostrar como essas práticas são nocivas ao desenvolvimento das comunidades e da sociedade brasileira, mas também proporcionar nas universidades um espaço de construção de alternativas. Um desses espaços é a Feira de Agroecologia, criada em várias universidades a partir das JURAs, onde os pequenos agricultores mostram seus produtos e promovem debates sobre a produção agroecológica, livre de venenos, nos assentamentos, comunidades rurais, quilombolas e indígenas. As JURAs têm sido um espaço de debate, denúncia, esclarecimento, estudo, pesquisa e construção de resistência, através de feiras, cursos e outras iniciativas, onde os estudantes têm cobrado e participado ativamente na busca por alternativas.

Abertura das JURAs 2023, na UnB. Foto: Marla Galdino

Como as JURAs estão sendo pensadas na perspectiva dos 40 anos do Movimento?

Valter: O propósito é que no ano de celebração dos 40 anos do MST, as JURAs possam se dedicar a memória e a trajetória de sua luta por terra, Reforma Agrária e mudanças na estrutura social brasileira. Reafirmando a Reforma Agrária como condição necessária para o enfrentamento as desigualdades que afligem o país, portanto, a melhor forma das JURAs celebrarem dos 40 anos do MST é propiciando um amplo processo de apropriação do conhecimento científico, de diálogo e de construção de ações conjuntas em prol de um projeto popular para o país, em que a soberania alimentar e a produção de alimentos saudáveis são bases para o combate à fome; que a agroecologia e o plantio de árvores também são formas de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas e que é necessário seguirmos mobilizando a luta por transformações estruturais na sociedade.

participação das crianças Sem Terra encerra VI JURA
Participação das crianças Sem Terra encerra VI JURA no Ceará, em 2019. Foto: Acervo do MST

Observando de maneira mais geral, como as JURAs estão inseridas hoje na perspectiva do ensino e importância de temas como Reforma Agrária e Agroecologia?

Nalva: A universidade se organiza em torno do ensino, da extensão e da pesquisa, um tripé que perpassa a construção universitária. Os camponeses têm uma palavra de ordem interessante: “se o campo não planta, a cidade não janta”. Isso nos lembra que para alimentar a cidade, é preciso produzir alimentos, o que requer território e a democratização da propriedade da terra, além de garantir uma alimentação saudável, livre de venenos.

As JURAs têm contribuído para que essa perspectiva seja conteúdo do ensino, atravessando os componentes curriculares de diversos cursos, como saúde, ciências biológicas, educação física e formação de professores. Elas têm sido importantes também em projetos de extensão e pesquisa, cumprindo um papel fundamental na formação de professores e profissionais da saúde, entre outros. É essencial que mais colegas, professores e professoras se engajem, tanto nas universidades quanto nas ruas, envolvendo também os egressos, para criar um pensamento e uma reflexão sobre a importância da Reforma Agrária e dos alimentos saudáveis e agroecológicos em nossa sociedade.

*Editado por Solange Engelmann