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O audiovisual no MST, a formação das imagens dos seus 40 anos

Foto: Reprodução MST

Por Cadu Souza, Luara Dal Chiavon e Maria Silva
Da Página do MST

Qual é lugar do cinema, do audiovisual, da imagem em movimento dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST? Nas últimas décadas, essa linguagem vem sendo apropriada pelos movimentos sociais do campo, o acesso aos meios de produção audiovisual decorrente do avanço da tecnologia somada às conquistas dos movimentos na área da comunicação e cultura permitiram essa aproximação do fazer audiovisual, gerando uma memória audiovisual da luta pela terra no Brasil, a partir de uma organização popular.

Audiovisual e a luta pela terra

O audiovisual tem se inserido como ferramenta fundamental na disputa da hegemonia e no fortalecimento de padrões hegemônicos de representação da realidade, a imagem sempre teve relação central com o poder, bell hooks reforça que “da escravidão em diante, os supremacistas brancos reconheceram que controlar as imagens é central para a manutenção de qualquer sistema de dominação racial”, de classe e gênero.

Foto: Reprodução MST

No decorrer da história movimentos populares se apropriaram dos equipamentos, da técnica, da linguagem audiovisual, do cinema e passaram a produzir sua própria narrativa, contando sua história e construindo sua própria estética: a condição material possibilita criar a situação de reinventar a linguagem.

A luta dos movimentos camponeses se dá na formação e conscientização dos sujeitos voltados para a construção de formas a se manter e viver no campo, gente organizada, que se utiliza de todas as ferramentas possíveis, incluindo o audiovisual, que com sua capacidade de informar, formar, criar memória, organizar, expor formas de viver e produzir no campo, possibilita, além da denúncia com som e imagem, contrapor o modelo exploratório de desenvolvimento no campo, o agronegócio.

A linguagem audiovisual esteve presente em boa parte dos 40 anos do Movimento, servindo de material de comunicação, formação e memória. As primeiras produções de cinema que retratam o MST foram realizadas por cineastas parceiros do Movimento e, de certa forma, engajados nas lutas populares, como Tetê Moraes, Berenice Mendes, Aline Sasahara, Maisa Mendonça, Silvio Tendler, Beto Novaes, entre outras/os.

Foto: Reprodução MST

Dezesseis anos depois de sua fundação, no marco do IV Congresso Nacional, em 2000, embora a comunicação já estivesse presente no todo do Movimento desde sua gênese, nasce o Setor de Comunicação do MST. A partir daí se amplia e se estrutura, buscando a inserção em todas as instâncias organizativas do Movimento, desde os Núcleos de Base, como as famílias se organizam nos acampamentos e assentamentos, até a Direção Nacional. É também no IV Congresso que temos o primeiro registro em vídeo de uma atividade desse porte, feito a partir de uma formação de cineastas parceiras com militantes do Movimento.

Esse processo de construção conjunta entre a organização e cineastas parceiras foi muito importante, pois alí, estava o germe da apropriação audiovisual pela organização. No Congresso seguinte, em 2007, em consequência das formações e discussões ao longo dos anos anteriores de apropriação da ferramenta, surge a primeira Brigada de Audiovisual do MST (que chamamos de Brigada de Audiovisual da Via Campesina, já que, além dos militantes do MST, dois outros movimentos compunham a Brigada, o MAB e a CPT).

Foto: Wellington Lenon

A comunicação, como toda prática política do MST, é composta através de um viés pedagógico e massivo, ainda que seja necessário especializar militantes para diversas tarefas, há o entendimento de que todo Sem Terra é, ou deve ser, um comunicador popular. Alguns cursos formais e não formais específicos foram criados para a formação de comunicadores populares dentro do Movimento, mas também compreendia-se que o todo da organização precisava se apropriar do debate da comunicação. Assim, inúmeros cursos de formação política nas mais diversas áreas, que não versavam exatamente sobre o tema, foi incluindo gradualmente em suas ementas a comunicação, tanto o debate de seu papel, como espaços práticos dentro dos cursos.

Em 2014, no bojo de seu 6° Congresso, surge então a Brigada de Audiovisual Eduardo Coutinho, que dá continuidade ao trabalho feito anteriormente e que se consolida a partir do Setor de Comunicação do movimento. Seguindo os princípios da organização e o papel do audiovisual pra organização que está muito além de mero registro, assim como diz o lema síntese do Setor de Comunicação: informar, formar e organizar.

Foto: Wellington Lenon

Nesse processo, o audiovisual também aparecia como ferramenta pedagógica nos mais diversos cursos e atividades. Praticamente toda a militância do Movimento desde os anos 1990 assistiu e/ou debateu em algum espaço, o filme Cabra Marcado para Morrer (COUTINHO, 1984). Aos poucos, com sua própria produção, o MST passou a debater seus próprios filmes.

Podemos observar que as vivências dos militantes a partir de oficinas audiovisuais nos assentamentos, acampamentos e escolas do Movimento, se constitui como elemento formativo, construindo uma cultura audiovisual, onde por exemplo, nos anos 2000 o MST executou o projeto Cinema na Terra, de debates a partir dos filmes nos cursos e formações, e hoje, toda semana vídeos do próprio Movimento são distribuídos para a base, principalmente através do WhatsApp, constituindo assim uma ampla prática pedagógica do audiovisual.

Através de intencionalidade política, teoria e prática são construídas cotidianamente nas mais diversas instâncias do Movimento, não só a partir do Setor como também dos muitos cursos de agroecologia, saúde, questão agrária, cultura, etc, possuírem em sua ementa espaços de estudo da comunicação. Assim, a formação se dá também por essa vivência e pela prática cotidiana de recepção e produção de conteúdos nos mais diversos formatos.

Não há transformação sem construção e cuidado com a memória. É ela também responsável por construir uma tradição e através delas vemos vivos os princípios da organização.

Assim, a estética do movimento é construída a partir dos princípios do MST: popular, de base, massivo, assim como também é construída sua comunicação. Portanto, o todo da organização acaba construindo o audiovisual, que é mais uma das formas de representação do movimento, com objetivo de documentar e comunicar.

Foto: Wellington Lenon

Lembrando Ailton Krenak, na abertura do Festival de Cinema de Ouro Preto, em 2020, dizendo que “para o Brasil se tornar uma grande nação é necessário a democratização da terra e das telas”, segue o desafio de continuar organizando em cada região, estado, acampamento e assentamento, brigadas de audiovisual, para que possamos apresentar as nossas próprias narrativas na luta pela democratização da terra, das telas e de todos os latifúndios. E isso passa necessariamente pela construção de uma linguagem que todos e todas as trabalhadoras, de modo geral, possam acessar, entender, se identificar, como uma linguagem da própria classe trabalhadora.