Expansão do Agro
Quase 90% do desmatamento no Brasil em 2023 ocorreu em menos de 1% das propriedades rurais
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Por Cristiane Sampaio
De Brasil de Fato | Brasília (DF)
Uma fatia de 0,96% das propriedades rurais do Brasil respondeu sozinha por quase 90% de todos os eventos de desmatamento ocorridos no país em 2023, quando foi registrada uma devastação total de 1.829.597 hectares no território nacional. Apesar de indicarem uma queda de 11,6% no desmatamento em relação ao ano anterior, os números evocam de forma subjacente a preocupação de especialistas com o avanço da expansão agropecuária. Sozinha, a atividade respondeu por 97% de toda a perda de vegetação no Brasil não só no ano passado, mas também ao longo dos últimos cinco anos. As estatísticas foram divulgadas nesta terça-feira (28) pelo MapBiomas, projeto que reúne uma série de organizações, empresas de tecnologia e outros atores que monitoram periodicamente a cobertura vegetativa do país.
“A agropecuária é predatória dependendo do modelo no qual se baseia, da forma como ela é implantada. O que acontece é que a fonte do desmatamento acaba sendo mais a expansão agropecuária em si. Você tem vários modelos no país, como a expansão direta para plantio de soja, para algum outro cultivo ou pastagem. No cerrado, tem-se um modelo normalmente da produção de commodities, como a da soja, que hoje é o maior vetor, mas na caatinga a gente tem, por exemplo, expansão da produção de energia eólica, de painéis solares. Então, estão desmatando também para colocar painéis solares, quando a gente já tem 50% da caatinga antropizados [marcados pela intervenção humana]”, menciona o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa.
“Consenso possível”
Em um recorte no nível local, o MapBiomas identificou que, ano passado, 3.511 dos municípios brasileiros registraram pelo menos um evento de desmatamento. O número representa 63% das cidades brasileiras. Ao aliar tais números às estatísticas que indicam a participação expressiva de menos de 1% dos imóveis rurais no quadro total do desmatamento, Marcos Rosa diz acreditar na produção de um consenso possível voltado para a conciliação de interesses em prol do meio ambiente.
“Esse 1% é de 70 mil propriedades que ainda estão desmatando, sem contar se o desmate é legal ou ilegal. É qualquer tipo de desmatamento. Então, estamos falando de 99% que não desmatam mais. A gente tem mais de 2 mil municípios onde não teve mais desmatamento [em 2023]. É possível, então, se chegar num consenso. A gente precisa contar com a participação do setor do agro, que ainda tem alguns representantes muito atrasados que acham que meio ambiente e desenvolvimento são coisas antagônicas. A gente precisa trazer à tona os representantes mais modernos, que já entenderam que essas coisas são complementares.”
“Digo isso porque a gente já tem um setor do agro que está mais avançado, que já percebeu que preservar o meio ambiente é necessário inclusive para se aumentar a produtividade. Você pode ter ganho na produção com [uso de] tecnologia, por exemplo, e não só com expansão de área. O problema é que a decisão de desmatar ou não ainda é muito individual. Então, é preciso se dialogar com o setor agropecuário, discutir e planejar [o uso das áreas] porque é o setor mais afetado pelas mudanças climáticas, como mudança no ritmo das chuvas, secas e chuvas extremas, etc. É um setor que precisa entender que eles também precisam de um meio ambiente equilibrado”, emenda o geógrafo.
Cerrado
O especialista aponta que há uma preocupação especial com o cerrado, bioma onde houve aumento exponencial de 67% no desmatamento em 2023, ao mesmo tempo em que a atividade sofreu uma redução drástica de cerca de 60% na Amazônia e na Mata Atlântica. Rosa argumenta que o espaço vive um cenário mais “complexo” naquilo que se refere à preservação ambiental. O MapBiomas defende que seja feito um investimento no processo de conscientização de proprietários rurais por meio de uma política que garanta vantagens ao segmento em troca do controle da devastação.
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“A lei que o protege o cerrado, o Código Florestal, protege 20% da área nativa em cada propriedade, então, ainda há muito espaço para o desmatamento legal. No cerrado, não é só uma questão de se discutir comando e controle [da situação]. Tem toda uma conversa agora que precisa ser feita para articular e definir que proprietários que tenham autorização legal praa desmatar tenham algum ganho para proteger suas áreas, bem como é preciso definir áreas de zoneamento econômico e ecológico, áreas para proteção e áreas para expansão da pecuária. O cerrado é muito mais complexo e depende agora de um diálogo muito maior para reduzir esse desmatamento.”
Para a organização, a experiência adquirida no âmbito da Amazônia pode auxiliar o Estado e outros atores no que se refere ao controle do desmate no cerrado. Ele menciona a expertise conquistada a partir das frentes de atuação adotadas no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. “Os dois últimos eixos, que são de ordenamento territorial, valorização das comunidades e floresta em pé, são de mais longo prazo e podem trazer muita experiência para dentro do cerrado. Temos que ter esse ordenamento territorial, discutir e fazer o zoneamento econômico e ecológico do cerrado, discutir com o setor fundiário áreas pra preservar, áreas pra expansão do setor. É necessária, então, no caso do cerrado, essa articulação para construir uma solução colaborativa, juntando setores financeiro, privado, produtivo e o do meio ambiente, encontrando alguma solução nesse processo”, propõe.
Governo
Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho disse nesta terça, após a publicação dos dados, que as estatísticas “ajudam [o governo] a dar um passo adiante nas políticas públicas voltadas ao tema”. “Com os dados de desmatamento, a gente consegue direcionar as equipes de fiscalização para as áreas mais sensíveis, priorizar os esforços de embargos das áreas desmatadas justamente nos municípios prioritários. A gente percebe que ano passado, quando embargamos quase 700 mil hectares de áreas desmatadas ilegalmente, o desmatamento mudou de umas regiões pra outras. A gente tem que acompanhar os dados para, obviamente, ser mais assertivo.”
Assim como os especialistas do MapBiomas, o presidente fez coro por uma adesão dos proprietários rurais à perspectiva que concilia desenvolvimento e sustentabilidade. “Não tem mais espaço para quem faz coisas ilegais. Eu fiscalizo desmatamento utilizando imagens de satélite, por exemplo. Não é preciso nem ter fiscal em campo. Então, as pessoas que desmatarem ilegalmente serão pegas, terão [sua ação] embargada, perderão o direito a crédito, receberão multas e poderão ser responsabilidades inclusive criminalmente. A gente precisa deixar muito claro pra sociedade que é possível produzir sem continuar destruindo o meio ambiente.”
*Editado por Nicolau Soares