Despejo Zero
No Brasil, 1,3 milhão de pessoas estão sob risco iminente de despejo
Por Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato
No Brasil existem atualmente 1.335.052 pessoas ameaçadas de ser removidas à força de suas casas. O levantamento feito pela Campanha Despejo Zero, que reúne 175 entidades e movimentos populares, entre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), foi divulgado nesta quarta-feira (14).
O estado de São Paulo é, disparado, o que mais puxa este índice para cima. São 360.504 pessoas ameaçadas de despejo, que representam 27% de toda a população que vive nesta situação no país. Em seguida vem Pernambuco, com 173.644 pessoas sob a iminência da remoção.
Desde que foi criada – em março de 2020 – até o momento, a Campanha contabiliza que 1.564.556 pessoas foram ou estão afetadas por despejos. Este número reúne as que já sofreram reintegração de posse e aquelas que vivem sob este risco. Deste montante, 66% são negras, 60% são mulheres, 17,1% crianças e 16,8% idosas.
A luta por moradia com o fim da ADPF que proibiu despejos
Em outubro de 2022 terminou a vigência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por pressão dos movimentos, suspendeu as remoções forçadas no Brasil durante a pandemia de covid-19.
De lá para cá, 27.252 pessoas foram despejadas de suas casas e outras 598.388 entraram na contagem daquelas que sofrem esse risco. No total, são 625.640 pessoas que, no período de um ano e 10 meses, se somaram à parcela da população que é afetada pela falta de acesso à moradia digna no país.
Para Raquel Ludermir, da Campanha Despejo Zero, este “aumento expressivo em muito pouco tempo” é o que mais chama a atenção neste novo levantamento. Ela alerta que o índice é subnotificado: não leva em conta, por exemplo, a população em situação de rua. “Estamos falando, portanto, de um problema alarmante de primeira grandeza”, constata.
Quando a proibição dos despejos acabou, o ministro Luís Roberto Barroso determinou, com respaldo da Corte, que tribunais de justiça nos estados criassem Comissões de Conflitos Fundiários.
O STF estabeleceu, ainda, que o poder público tem a obrigação de ouvir representantes das comunidades afetadas; avisá-las com antecedência da situação; dar um “prazo razoável” para a desocupação e encaminhar quem precise para “abrigos” ou adotar “outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia”.
Passados quase dois anos da determinação destas medidas, Ludermir ressalta que a simples existência de espaços de mediação de conflitos fundiários nas instâncias estaduais do Judiciário é “uma vitória”. Há, no entanto, uma série de ressalvas sobre o seu funcionamento.
“Em alguns casos estes espaços têm funcionado bem, como no Paraná. Há alguns exemplos também em São Paulo”, elenca Raquel Ludermir, que também é arquiteta, urbanista e integra a Habitat para a Humanidade, uma organização da sociedade civil (OSC).
“Mas o que não tem funcionado é que muitas vezes estes espaços estão servindo para validar e organizar o despejo, ao invés de pensar em alternativas a ele”, expõe Ludermir. “Também identificamos que comissões de mediação têm feito visitas nos territórios sem a devida notificação e informação prévia para as pessoas ameaçadas”, acrescenta.
Criminalização da luta por moradia
O cenário da questão habitacional no Brasil, além do crescimento das famílias afetadas por despejos, é de aumento de Projetos de Lei (PLs) que buscam criminalizar quem faz luta pelo acesso à moradia. O caso mais emblemático é o PL 709/23, que prevê a punição de quem faz ocupações em áreas urbanas e rurais, e está para ser votado no Senado.
Já aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto é de autoria do deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), envolvido no acampamento de fazendeiros que vem promovendo ataques às retomadas do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O texto prevê que pessoas em ocupações sejam proibidas de receber auxílios sociais como Bolsa Família e de assumir cargos ou funções públicas.
Além desta iniciativa, há ao menos outros 25 PLs similares tramitando ou já aprovados em Brasília e nas Assembleias Legislativas de 12 estados. São eles: São Paulo, Espírito Santo, Maranhão, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Mato Grosso, Tocantins, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Pará.
“Estas propostas legislativas fazem parte de um movimento orquestrado do grupo Invasão Zero”, afirma Ludermir. “Geralmente elas têm uma data de submissão bem parecida. E falam das mesmas especificações, como a perda do acesso a programas sociais”, descreve.
“Precisamos partir para o enfrentamento e fazer com que mais e mais pessoas entendam o quanto estamos diante de um absurdo. As pessoas estão sendo duplamente punidas: além de não ter seu direito à moradia garantido, ainda terão que correr o risco de perder o seu direito à Bolsa Família, ao BPC [Benefício de Prestação Continuada]”, argumenta a integrante da Campanha Despejo Zero.
Movimentos cobram instância no governo federal
Além desta pauta, os movimentos populares cobram que o governo federal crie a Comissão Nacional de Mediação de Conflitos Fundiários, promessa de campanha e do governo de transição do presidente Lula (PT).
Passado um ano e oito meses de gestão, o desentendimento sobre a pasta competente pela Comissão – entre a Secretaria Nacional das Periferias (SNP) do Ministério das Cidades e a Secretaria de Acesso à Justiça (Saju) do Ministério da Justiça – fez com que até hoje ela não tenha se estruturado.
“No âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário, já foi criada a Ouvidoria Agrária. No Ministério dos Povos Indígenas, tem também a instância de mediação de conflitos. Mas para a questão urbana, até agora não conseguimos resolver isso junto ao governo federal”, cobra Benedito Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e também membro da Campanha.
“É um gargalo fundamental”, resume Dito Barbosa, como é conhecido. Das comunidades despejadas ou ameaçadas de remoção mapeadas pela Campanha Despejo Zero, 80% estão nas cidades.
“A gente tem um compromisso do governo federal de que a Comissão Nacional de Mediação de Conflitos Fundiários vai se concretizar, mas até o momento não tem elementos concretos para entender quando vai se dar. Também temos inúmeras dúvidas em relação a como isso vai se operar”, destaca Ludermir.
Edição: Thalita Pires