Reforma Agrária Popular
Eleições municipais: MST busca fortalecer representação e debater políticas públicas
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
As eleições municipais deste ano se apresentam como uma pauta importante para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que em 2024 quer garantir representação política para suas lutas. Atualmente, o Movimento está presente em mais de 1.200 municípios e já está em campanha voltada para a Reforma Agrária Popular e a promoção de políticas públicas, que atendam às necessidades da população do campo e da cidade.
Em entrevista para a página do MST, João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento, destaca a importância de discutir temas como um Brasil sem fome, plantio de árvores e lutas populares. “Nesta eleição, o MST está levando o debate sobre alimentos saudáveis, em especial para a merenda escolar, como uma das pautas fundamentais para o nosso território”, afirma. Além disso, a organização propõe plantar mais de 100 milhões de árvores no Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimento Saudável“, visando a recuperação ambiental e a promoção de práticas sustentáveis.
A participação do MST nas eleições municipais também busca fortalecer a representação dos trabalhadores/as rurais nas câmaras municipais. “Estamos convencidos de que é necessário ter uma direção política organizada, com força nos assentamentos, e representantes que cuidem e nos representem nesses espaços de poder”, ressalta Rodrigues. A presença de candidatos do MST é vista como uma forma de garantir que as demandas das comunidades rurais sejam consideradas nas políticas públicas.
Confira a entrevista:
Qual é a importância das eleições municipais para o MST neste ano?
O MST sempre participou das eleições municipais. É da prática do Movimento, como organização de base, temos muitas áreas conquistadas em todo o Brasil e nos envolvemos nas eleições. Para vocês terem uma ideia, o MST está presente em mais de 1.200 municípios. Esta eleição tem um componente muito diferente: nós estamos ocupando espaço em uma disputa acirrada contra as ideias conservadoras, fascistas, e há um lastro de destruição que o golpe deixou nos municípios e nos estados, em nível nacional. Diante disso, o Movimento tirou como definição política que é muito importante fazer uma grande campanha que possa disputar as ideias da sociedade, especialmente em relação à pauta da Reforma Agrária.
Nestas eleições, o MST está levando o debate sobre alimentos saudáveis, em especial para a merenda escolar, como uma das pautas importantíssimas para o nosso território. Também estamos abordando o plantio de árvores como uma política pública, para que as prefeituras e as câmaras municipais possam aprovar e garantir que todos os assentamentos e áreas sejam reflorestados em todo o país. A nossa meta, como MST, é plantar mais de 100 milhões de árvores, e isso deve ser feito pelos municípios e pelas prefeituras.
E queremos levar um projeto de desenvolvimento de agroindústria, com um conjunto de políticas públicas, que melhorem as condições de vida de quem está no campo e na cidade. Por isso, é muito importante que o militante do MST, acampado ou assentado, que vai disputar essas eleições municipais, leve, além do debate partidário, o debate das organizações de esquerda, e que possa discutir com toda a sociedade os temas relevantes que acumulam força tanto no campo quanto na cidade.
O MST está convicto de que ter companheiros — mulheres, homens, juventude e população do campo — presentes na Câmara Municipal vai politizar e fortalecer esse espaço de poder. Acima de tudo, isso garantirá que os assentamentos tenham uma representação que de fato reflita a nossa base, que é o militante do Movimento“
— João Paulo Rodrigues
Gostaria que você explicasse mais como e de que forma as eleições municipais impactam diretamente as famílias assentadas e acampadas nos territórios do MST e de Reforma Agrária Popular pelo país?
No decorrer do tempo, os nossos assentados percebem que tem um conjunto de políticas que, para a melhoria dos assentamentos, tem que passar pela prefeitura. Um exemplo é a política de educação que, nos anos iniciais, fica a cargo da prefeitura. Se não tiver um bom debate com o prefeito, o secretário de educação e um representantes do MST para fazer este contraponto, o campo sempre fica em segundo plano nas políticas públicas, e a principal política se transforma em um ônibus ou uma van para levar nossos jovens e crianças para a cidade. Um vereador, um prefeito ou um vice-prefeito podem nos ajudar a garantir que tenhamos de fato qualidade na política de educação do campo.
Na saúde, todo o sistema do SUS [Sistema Único de Saúde] é municipalizado. Embora os recursos venham do governo federal, a execução dessa política é responsabilidade das prefeituras. Temos enfrentado muitas dificuldades em determinados estados e com prefeitos que não têm uma política de atendimento adequada para o nosso povo. Por isso, ter um representante na prefeitura ou na Câmara Municipal vai nos ajudar a fazer esse embate e melhorar a qualidade do sistema de saúde, e ao mesmo tempo, garantir também uma participação democrática nas decisões sobre o que é melhor para a saúde.
Por fim, há um conjunto de outras políticas, como o tema das estradas, da melhoria do saneamento, à coleta de resíduos e a outras áreas que precisam ser aprimoradas, como esporte e cultura. Esses temas envolvem a Prefeitura Municipal, e estamos convencidos que precisa ter uma direção política organizada, com força nos assentamentos, e representantes que cuidem e nos representem nesses espaços de poder.
Estamos certos de que nesta eleição teremos uma representação bonita de homens e mulheres Sem Terra, seja na Câmara Municipal, como vice-prefeito, prefeito ou, posteriormente, convidados para serem secretários de Educação, Cultura, Saúde ou Agricultura“
— João Paulo Rodrigues
Dentro deste projeto político que o MST está propondo, não só para as candidaturas de Sem Terras, mas também para os aliados, está o combate à fome. Como a Reforma Agrária e o combate à fome avançam a partir destas alianças?
A riqueza do Movimento de candidaturas do MST não se limitam apenas a acampados, mas inclui aliados e companheiros que sempre estiveram conosco nas cidades, associações, cooperativas, universidades, no movimento estudantil e nas igrejas, e que buscam o apoio do MST, sejam os votos da nossa base, ou mesmo o apoio de pessoas que vivem na cidade e gostam do MST. Temos candidaturas em todas as capitais, com companheiros e jovens combatentes que estão na luta, e o conteúdo não muda muito.
Nas capitais, estamos priorizando a agenda ambiental com a produção de alimentos. Vou dar um exemplo aqui em São Paulo, a maior cidade dentro do bioma da Mata Atlântica. Aqui, nós temos centenas de rios e uma biodiversidade que foi destruída, mas que poderia, no futuro, ser considerada uma cidade “agroecológica” se pudermos, pelo menos, plantar e recuperar as nascentes com plantio de árvores. Temos pelo menos dois rios enormes, como o Rio Tietê, que enfrenta um grave problema de água e, um militante do MST, alguém que tem o apoio do MST em São Paulo, precisa defender essa agenda ambiental.
Queremos também discutir um projeto de produção de hortas urbanas. Temos condições de fornecer sementes, assistência técnica e construir uma agenda de consumo. As hortas seriam fantásticas, especialmente nas escolas, para a produção de alimentos. E queremos que a cidade de São Paulo compre alimentos produzidos no campo para a merenda escolar. Em algumas oportunidades, entregamos mais de 80% do arroz consumido na merenda escolar, que depende do município.
Os nossos candidatos devem garantir que cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza e outras tenham, entre nossos aliados, a representação dos temas que discutimos em nível nacional. É muito importante que tenhamos candidatos comprometidos com a democracia e que se posicionem contra o fascismo, que defendam a pauta das minorias, dos direitos das mulheres e da juventude, e que representem um conjunto de movimentos populares que estão na disputa e que precisam de uma representação democrática, popular e de origem do movimento negro, das organizações de mulheres, dos coletivos LGBTQIA+ e dos indígenas quilombolas.
Essa diversidade é o que o movimento popular trará para esta campanha e que o Movimento vai participar. Eu sempre brinco que, embora não tenhamos tantos votos, temos muita vontade de contribuir com esse viés institucional para acumular força. Não apenas como MST, mas como esquerda, como organização que luta há mais de 40 anos para construir um Brasil justo, soberano e com igualdade política e econômica para todos do nosso povo.
Sobre uma projeção pro futuro, qual o projeto político a longo prazo do MST depois destes 40 anos?
Essa é uma pergunta muito difícil, que nós inclusive vamos discutir no Congresso Nacional do MST, que deve acontecer o ano que vem, que é preparar os próximos anos do Movimento. Acredito que o MST deve caminhar por três grandes trilhas nessa próxima temporada. A primeira é a luta pela terra, ela é central na nossa disputa política. Uma luta que inicia 300, 400 anos atrás no Brasil, na disputa ora com os colonizadores, ora com toda a população que foi escravizada no Brasil, com migrantes pobres que vieram de outros continentes, de outros países e que nunca foi resolvido, o tema da luta pela terra, da Reforma Agrária. Ao contrário, sempre houve criminalização e enfrentamento com quem desejou fazer a Reforma Agrária no Brasil.
Para vocês terem uma ideia, nós temos mais de 100 milhões de hectares de terra para ser disputada. O agro produz 60 milhões, nós estamos produzindo em mais de 30 milhões com toda a agricultura familiar. Essa fronteira agrícola vai ser disputada, por um projeto soberano de produção de alimento com preservação ambiental, ou [se vai] para projeto de destruição que o agro tem demonstrado, a exemplo das queimadas que tivemos agora recentemente. Por isso, o principal eixo do MST é assentar imediatamente todas as famílias acampadas, que são mais de 60 mil, e acho que vai chegar até o início do ano que vem a 100 mil famílias, mas nós queremos lutar por todas as terras improdutivas que estão no Brasil para melhorar as condições de vida do povo.
E como o MST planeja avançar na luta pela Reforma Agrária?
A resposta está no segundo eixo, que é a nossa agenda do desenvolvimento. Nós queremos um assentamento que seja um bom lugar de se viver, mas um assentamento que tenha condições de vida melhores do que as pessoas que vivem em outros cantos do Brasil. Então, essa agenda do desenvolvimento passa por agroindústrias, por um conjunto de políticas de melhoria da renda e do salário, por uma política voltada para a juventude e para as mulheres, quem toca no dia a dia as nossas áreas de assentamento, com a política de educação do campo, cultura para o campo, enfim, uma agenda de desenvolvimento humano, mais do que uma agenda somente de desenvolvimento econômico.
Eu sempre brinco que o produtivismo se vê nas áreas desertas do agro. No MST se vê a diversidade. E essa política de desenvolvimento é central para produzir comida de qualidade para o povo brasileiro. Então, essa é a segunda trilha que nós estamos chamando de trilha de transição agroecológica, e que queremos apresentar tanto aos vários governos estaduais quanto ao governo federal, como temos feito com o presidente Lula e com os demais ministros, e queremos que ela seja apoiada pela sociedade brasileira. Por isso, é muito importante que as universidades, centros de pesquisa e assim por diante defendam uma nova política de agricultura para o campo, que estamos chamando de agroecologia.
E, por último, dos eixos, essa disputa da institucionalidade. O MST, a cada dia que passa, vai ocupar mais espaços no Estado brasileiro, porque somos cidadãos, temos uma base, título de eleitor, carteira de trabalho e nota do produtor/a, e queremos ocupar esse espaço. Isso significa ter professores concursados nas escolas do campo, são médicos do MST integrados ao sistema do SUS, são as nossas professoras e educadoras, que são centenas em todo o país, e nossos advogados estão cada vez mais se misturando com a sociedade, com formação, capacitação e disputa política, e obviamente, nas eleições para vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores e, claro, em nível nacional, nas representações no governo federal.
A institucionalidade para o Movimento Sem Terra não é a centralidade política, nossa centralidade fazer a Reforma Agrária Popular, mas para que isso avance, precisamos ter representação em todos os lugares do Estado brasileiro, como já estamos fazendo, por exemplo, a partir das igrejas evangélicas dentro dos assentamentos, que fazem parte da organização de base, ajudando e contribuindo para que a Reforma Agrária possa avançar.
O projeto do MST é um projeto de emancipação da classe trabalhadora, que defende a luta pela terra, a reforma agrária e um Brasil soberano.“
— João Paulo Rodrigues
O próximo período nos permite avançar, e é muito importante que todos que nos acompanham, tanto a militância de base do MST quanto aqueles nas instâncias de direção, compreendam este momento eleitoral como mais um passo importante na luta política, no trabalho de base e na organização da esquerda como um todo. Precisamos dar um salto de qualidade e nos preparar, porque acredito que 2025 será um ano de muita luta e resistência, afinal é um ano que não teremos Copa do Mundo, Olimpíadas ou eleições, mas teremos que defender o projeto democrático brasileiro. Vamos em frente para que possamos ter uma eleição vitoriosa, politizada mas, acima de tudo, caminhar em defesa de uma Reforma Agrária Popular.
*Editado por Solange Engelmann