Mudanças Climáticas
COP-30 na Amazônia está servindo a quem?
Por Mariana Castro
Da Página do MST
Amazônia, Amazônia e Amazônia. Na região, não se fala em outra coisa desde o início do ano de 2025, que marca a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), a ser realizada pela primeira vez no bioma brasileiro, em Belém do Pará.
A escolha do local, anunciada em dezembro de 2023, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado do governador do estado do Pará, Helder Barbalho, foi comemorada como uma chance de unir forças em defesa do meio ambiente e dos povos, frente à crise climática.
Será a COP da floresta, da natureza, a COP da nossa gente”, anunciou o chefe do executivo paraense.
Mas nem tudo são flores, especialmente no estado sede, onde há mais de 15 dias movimento indígena, quilombolas e professores ocupam a Secretaria de Educação do Estado (Seduc), em defesa da educação nas aldeias e no campo.
Os problemas vão desde um panorama macro, envolvendo toda a questão ambiental do país até o desmonte de políticas públicas para o meio ambiente no estado, alvo de intensas críticas e manifestações.
As cifras empenhadas, quando falamos apenas em obras na cidade de Belém para a realização da Conferência ainda são confusas, mas já ultrapassam os R$ 4 bilhões. Para além disso, cifras muito maiores estão em jogo, a partir de projetos a médio e longo prazo, que serão implantados na região.
Projetos para um “desenvolvimento sustentável”
Com a Amazônia em destaque, países potências mundiais negociam a implantação de projetos em comunidades ribeirinhas, terras indígenas, territórios quilombolas e camponeses, sob a tutela de defesa do meio ambiente e fortalecimento dos povos das florestas e das águas.
No entanto, pesquisadores, movimentos populares e sociedade civil organizada questionam a quem servem os mega projetos para um chamado “desenvolvimento sustentável”, em sua maioria desenvolvidos por empresas historicamente responsáveis por crimes ambientais, sem consulta prévia aos povos.
Esse foi um dos temas abordados durante a Reunião Nacional da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aconteceu de 20 a 24 de janeiro em Belém. O debate contou com a contribuição do secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini; da cientista política e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, Marcela Vecchione e o militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Charles Trocate.
O capitalismo, desde sempre, não está contra a natureza, ele se apropria da natureza, transformando e constituindo valor e mais valor sobre ela. Esse valor tem haver também com terra e trabalho”, explica a cientista política, Marcela Vecchione.
Um dos exemplos de mega projetos que já vem sendo denunciado desde a realização da COP29 é a Ferrogrão (EF-170), projeto de ferrovia promovido por empresas do agronegócio e apoiado pelo Governo Federal que prevê 933 quilômetros de trilhos conectando Sinop (MT) a Miritituba (PA).
“Com a implantação da Ferrogrão espera-se que somente o escoamento de grãos em Barcarena vá de cinco para 15 milhões de toneladas por ano, imagina quantos hectares de terra a serem impactos? Quantos crimes territoriais? Quanto de uso de água?”, pontua Vecchione.
Segundo estudos autônomos de impactos ambientais, a Ferrogrão afetará pelo menos seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e três povos isolados, por meio de um projeto que prevê concessão por 69 anos e investimentos (capex) de R$ 25,2 bilhões, sendo R$ 8,26 bilhões somente para sua implantação.
Uma das empresas que deve lucrar altas cifras com a implantação da ferrovia é a Vale, responsável pelo crime de Brumadinho (MG), considerado um dos maiores desastres ambientais do país, mas também uma das maiores financiadoras da COP30 e que detém espaços de discussão sobre preservação do meio ambiente e concessão de áreas de conservação no país.
“A Vale, que tem a maior mina de exploração mineral do mundo, também tem a concessão da maior floresta de conservação do país”, comenta ainda Vecchione, se referindo à A Floresta Nacional de Carajás (Flona).
Créditos de carbono
Entre as discussões, outro tema de destaque foram os créditos de carbono, considerados a pepita de ouro dos últimos anos, em razão da possibilidade de que países que poluem em grandes quantidades possam compensar essa poluição por meio da compra de créditos de carbono em outras regiões do globo, como o Brasil.
Nesse sentido, os territórios e povos das florestas e das águas estão a serviço de grandes empresas que poluem em todo o mundo e denúncias já apontam o aumento da grilagem de terras, violência no campo e trabalho escravo.
Será que o lugar dos povos da Amazônia nesse processo é ser fornecedor de serviço? Seus modos de vida serão reduzidos a serviço?”, questiona Vecchione.
Um caso emblemático que pode estar relacionado aos impactos da implantação de créditos de carbono está em Mato Grosso, que em dezembro de 2024 criou um comitê para regulamentar o registro e a validação de créditos de carbono e, logo depois, em 2025, aprovou leis ambientais contrárias à legislação a fim de reclassificar seu bioma Amazônico em Cerrado.
A medida ameaça 5,5 mil hectares de floresta, uma vez que o Código Florestal Brasileiro determina a preservação de 80% de áreas da Amazônia, mas no Cerrado essa obrigatoriedade cai para 35%.
Hoje se você chegar no Mato Grosso, assim como em outras regiões do bioma, nosso povo não se vê mais enquanto Amazônia e há um projeto político sobre isso para apropriação da natureza e acúmulo de capital”, denuncia Valdeir Souza, da direção nacional do MST.
Sobre a denúncia, Vecchione reforça que, no Brasil, “temos cerca de 36 milhões de hectares de terras em disputa e as leis estaduais estão aplicando dispositivos para pagamento de serviço ambiental e compensação de crédito de carbono, onde também entram empresas. Por isso temos que pensar não em mudar o clima, mas em mudar o sistema”.
COP30, Cúpula dos Povos e Amazônia em jogo
Frente à realização da Conferência do Clima, também se constrói a Cúpula dos Povos, iniciativa autônoma que acumula saberes e reivindicações de cerca de 400 organizações nacionais e internacionais, em defesa do protagonismo da sociedade civil organizada e de propostas populares para o enfrentamento da crise climática.
O MST compõe o conjunto de organizações e está inserido em diversas frentes de trabalho, que já atuam há mais de um ano, no sentido de apontar denúncias, mas também propor caminhos e soluções com base na sabedoria acumulada pelos povos que historicamente defendem os territórios e o meio ambiente.
“Devemos denunciar as falsas soluções permanentemente, mas também trazer as soluções construídas historicamente pelos povos do mundo, por isso a busca da autonomia do camponês também vai ser parte do debate das mudanças climáticas”, explica Pablo Neri, que compõe a coordenação nacional do MST e o Grupo de Trabalho de mobilização rumo à Cúpula dos Povos.
“Quem deve falar sobre agravamento e solução da emergência climática é quem sofre com ela (…) por isso a agricultura familiar tem uma série de soluções a oferecer, precisamos saber onde e como elas podem ser implementadas”, explica Astrini aos cerca de 400 coordenadores nacionais do MST presentes.
Márcio Astrini, do Observatório do Clima, também integra os grupos de trabalho da Cúpula dos Povos e por meio da organização, acompanha as Conferências do Clima ao longo dos anos.
*Editado por Solange Engelmann