Financiamento
Finapop: crédito popular como pilar da Reforma Agrária
Em apenas cinco anos, entidade já atendeu mais de 64 entidades

Por Roberta Quintino
Da Página do MST/Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária
Ter acesso à terra é o primeiro passo para garantir a produção de alimentos saudáveis no campo, mas sem financiamento, esse direito se torna insuficiente. Equipamentos, infraestrutura, insumos e outras necessidades produtivas exigem investimento e, sem crédito acessível, muitas famílias não conseguem tirar do papel o potencial da terra que conquistaram.
Nesse contexto, para debater o papel estratégico do crédito no fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica, foi realizado nesta sexta (10) o seminário “Financiamento com Propósito: A experiência do Finapop e o papel do crédito na produção de alimentos saudáveis”. O Finapop é uma iniciativa de investimento popular solidário que rompe com a lógica tradicional do sistema financeiro ao conectar investidores e cooperativas do campo em uma relação baseada na confiança, na sustentabilidade e na justiça social.
A economista Juliana Furno provocou o debate ao lembrar que a reforma agrária não se resume à distribuição de terra, mas depende de políticas estruturantes, como o crédito para a produção, a mecanização da agricultura familiar, a construção de agroindústrias e a transferência de tecnologia.
“Como vamos financiar um processo de transição agroecológica no Brasil se não houver recursos destinados para isso?”, questionou. “É preciso industrializar esse país em bases ecologicamente sustentáveis, e isso passa por repensar o sistema financeiro.”

Da direção nacional do MST, Débora Nunes, destacou que o debate sobre financiamento está no centro da construção de um novo projeto de sociedade. “Nós não temos dúvida do modelo de projeto que queremos para o Brasil, um projeto baseado na soberania alimentar, no cuidado com a natureza e na justiça social. Mas para isso precisamos de crédito, de ferramentas que nos ajudem a avançar”, defendeu.
Líder da Gestão de Recursos da Bemtevi Investimento Social, Juliana Braga, disse que “recursos disponíveis existem, o problema é o acesso”, afirmou. Segundo ela, a burocracia, a exigência de garantias, o desconhecimento das linhas de crédito e os altos custos dos empréstimos ainda são barreiras reais para a agricultura familiar.
Ela explicou que o saldo de empréstimos no sistema financeiro nacional é de R$ 6,5 trilhões, podendo chegar a R$ 11 trilhões considerando operações de crédito ampliadas. Braga ressaltou que, embora existam iniciativas como o Finapop, que atendem pequenos produtores com taxas mais justas, esses recursos ainda representam uma fatia muito pequena diante da necessidade do setor. “Estamos falando de milhares ou poucos milhões de reais. Mas a cadeia produtiva precisa de bilhões para se consolidar”.
Financiamento popular
Embora ainda seja necessário ampliar os recursos para expansão desse sistema de financiamento popular, o Finapop já é uma realidade desde 2020. Luis Costa, diretor executivo do Finapop, ressalta que a iniciativa popular “em apenas cinco anos já atendeu mais de 64 entidades, movimentando mais de 81 milhões de reais em financiamentos.
Segundo Costa, o diferencial da iniciativa está em sua conexão direta com as demandas reais dos territórios. “O crédito por si só não resolve o problema. Nossa atuação se diferencia por partir das demandas do território, desde o acesso à semente até o produto final chegar à mesa do consumidor”, afirma. Ele destaca ainda que o Finapop oferece acompanhamento durante todo o processo, fortalecendo a autonomia e a sustentabilidade das experiências apoiadas.
Assentada da reforma agrária e coordenadora da Cooperativa Central Concentra, em Minas Gerais, Paula Ribeiro compartilhou como o acesso ao crédito do Finapop transformou a realidade de sua cooperativa e impulsionou a produção de alimentos saudáveis.
“Nós acessamos o primeiro recurso do Finapop em 2020, no valor de R$50 mil. Esse financiamento foi decisivo para ampliar nossa atuação. Com ele, conseguimos desenvolver melhor nossa estrutura organizativa e fortalecer o nosso sistema cooperativista”, afirmou. Ela também explicou que a cooperativa central funciona como uma rede articulada de outras cooperativas locais, permitindo uma gestão coletiva mais eficiente e com foco na soberania alimentar.
Paula destacou ainda a dificuldade histórica que assentamentos e cooperativas enfrentam para acessar o crédito público. “Se a gente fica esperando o crédito chegar, não consegue organizar e desenvolver a produção. Para ela, o Finapop chega como uma alternativa real e concreta para isso.
O que é o Finapop?
O Finapop surgiu como resposta direta à exclusão histórica da agricultura familiar dos grandes circuitos de financiamento. Criado a partir de ideais comuns entre cooperativas da reforma agrária e pessoas interessadas em investir com propósito, o fundo se propõe a financiar iniciativas sustentáveis, promovendo impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente.
Na prática, o Finapop capta recursos de pessoas físicas e jurídicas que desejam apoiar projetos de agricultura familiar agroecológica e os direciona, por meio de projetos para cooperativas organizadas.
Ao contrário dos modelos tradicionais, o Finapop se contrapõe à lógica do capital especulativo, que busca lucro a qualquer custo, ou seja, representa um caminho alternativo ao capitalismo financeiro tradicional, priorizando o retorno social e ambiental, e não apenas o financeiro.
Outro aspecto relevante é que o Finapop permite a participação de qualquer pessoa como investidora popular, com contribuições a partir de 100 reais, fortalecendo a ideia de que o financiamento popular não é apenas uma alternativa ao sistema financeiro tradicional, mas uma ferramenta concreta de transformação social.
* Editado por Mariana Castro