Cúpula dos Povos

Na Agrizone da COP 30, os protagonistas serão os culpados pela crise ambiental

Evento da Embrapa na Conferência do Clima terá patrocínio de gigantes como Bayer, Nestlé e Syngenta, acusadas de práticas que aprofundam os danos socioambientais

Foto: Gabriela Biló

Da Página do MST

Conforme se aproxima o início da COP 30, a Conferência das Nações Unidas para o Clima, que ocorrerá em Belém, entre os dias 10 a 21 de novembro, fica mais evidente aquilo que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e várias outras organizações, movimentos, coletivos e grupos já alertavam: o agronegócio se coloca como destaque na suposta busca por saídas para a crise ambiental. Isso, por si só, joga luz no fato de que a Conferência tende a converter-se em um grande balcão de negócios, no qual os ativos serão nossos territórios, comunidades e a natureza.

Segundo a própria Embrapa, a Agrizone é “é uma grande vitrine de tecnologias, ciência e cooperação internacional voltada à agricultura sustentável e ao combate à fome em um contexto de mudança do clima”. Contudo, na prática, o espaço servirá de palco para o agronegócio fazer negócios, promover sua imagem e ampliar seus lucros — à custa da destruição da natureza, da concentração de terras e da expulsão de comunidades camponesas e povos tradicionais. Sob o discurso de “sustentabilidade”, o que se verá é a velha lógica de exploração travestida de verde.

A começar por seus patrocinadores. É impensável um espaço que se pretenda combater a fome e a crise ambiental ter entre seus financiadores a Bayer, a Nestlé e a OCP. Estas são três empresas que atuam diretamente para o aprofundamento da crise ambiental. Em 2024, a Bayer teve que pagar mais de 2 bilhões de dólares em indenização a um homem nos EUA que, comprovadamente, contraiu câncer por conta de um de seus principais produtos: o agrotóxico Roundup. O produto, inclusive, não é mais comercializado naquele país, mas no Brasil circula livremente. Estima-se que a empresa enfrente 170 mil processos semelhantes.

Um dos painéis que a Nestlé comandará na Agrizone se chama “Remodelando a alimentação no Brasil”. Este é um título bastante sugestivo, visto que a empresa já está empenhada nesta “remodelagem” – às custas da saúde do povo brasileiro. Segundo os critérios da própria empresa, 54% das suas vendas são de produtos com índices de saudabilidade muito rebaixados. Neste contexto, já é comprovado que a empresa suíça adiciona mais açúcar em seus produtos destinados à África e América Latina.

Já a Office Chérifien des Phosphates (OCP) é uma estatal marroquina, focada na extração de fosfato, o qual é usado, principalmente, na produção de agrotóxicos. A empresa, que detém 70% das reservas globais de fósforo. No entanto, a maior parte da produção é proveniente da mina de Bou Craa, no Saara Ocidental, país que sofre uma ocupação colonial pelo reino marroquino. Ou seja, a OCP, literalmente, mantém sua produção às custas do saque e roubo dos minérios que pertencem à população do Saara.

Painéis da Agrizone serão dominados por gigantes que saqueiam a natureza

Os gigantes do agronegócio, da indústria de ultraprocessados e da mineração, além de patrocinarem a Agrizone, dominarão também os painéis de debate do espaço.

A Syngenta, junto ao banco Itaú, coordenarão o painel “Cooperação para o financiamento de longo prazo na restauração de áreas degradadas”. A pergunta a ser feita é se a transnacional tem disposição em restaurar áreas que ela mesma degrada? Afinal, a empresa é responsável por um quarto do mercado de profenofós, um inseticida usado, principalmente, nas lavouras de milho, soja, algodão e outros. Acontece que este agrotóxico “é extremamente prejudicial para os organismos aquáticos, aves e abelhas. É um neurotóxico poderoso (semelhante ao gás sarin) que pode afetar o desenvolvimento cerebral em humanos, especialmente em crianças”, disse Laurent Gaberell, chefe de agricultura e biodiversidade da ONG Public Eye, que publicou relatório sobre o tema. No Brasil, o maior mercado da Syngenta, “resíduos de profenofós são encontrados na água potável de milhões de pessoas”, aponta o relatório.

Vale lembrar também que a Syngenta foi a responsável pelo assassinato de Keno, militante do MST, em 2015, no Paraná. O assassinato ocorreu em um campo de experimentos ilegais de transgênicos da Syngenta, na cidade de Santa Tereza do Oeste, oeste do Paraná, no entorno do Parque Nacional do Iguaçu. A área estava ocupada por cerca de 150 integrantes da Via Campesina. Os militantes foram atacados a tiros por cerca de 40 agentes da NF Segurança, uma empresa privada contratada pela Syngenta. Além do assassinato de Keno, Isabel Nascimento também foi baleada e perdeu a visão do olho direito.

Além da Syngenta, a Natura também estará na Agrizone. A empresa de cosméticos comandará o painel “do carbono circular à cooperação sustentável”. A Natura já foi multada pelo Ibama, em 2010, por biopirataria. A multa, no valor de 21 milhões de reais, se deu “por acessos à biodiversidade supostamente irregulares”. Além disso, a empresa já foi alvo de denúncia em Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal, em 2023, por explorar comunidades tradicionais no Pará. De acordo com depoimento de lideranças indígenas à época, cooperativas ligadas à Natura pagavam três reais pela diária de trabalho na colheita de sementes de andiroba e copaíba, típicas da Amazônia. No entanto, as cooperativas vendiam o litro das sementes por mil reais e a empresa ampliava ainda mais esta margem de lucro.

A gigante dos ultraprocessados PepsiCo será a protagonista no painel “Cada gota conta: cultivando batatas em um clima em mudança”. Foram identificados em vários produtos da empresa, inclusive o salgadinho Doritos, resíduos do agrotóxico glifosato. Os danos prováveis à saúde podem começar em níveis muito baixos, de 0.1 partes de glifosato por bilhão (ppb). Mas nos produtos da empresa, foram encontrados índices entre 289,47 ppb e 1.125,3 ppb. Entre as consequências do glifosato no organismo, estão desordens gastrointestinais, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, depressão, autismo, infertilidade, câncer, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, intolerância ao glúten.

Agronegócio controla Agrizone

Apesar de a Agrizone ser, oficialmente, concebida pela Embrapa, o controle, de fato, do espaço está sob as mãos do agronegócio. Não à toa, agentes importantes do setor aqui no Brasil, como a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Amaggi estarão em evidência.

Não há como construir saídas concretas para a crise ambiental quando os principais causadores deste cenário estão sentados à mesa, coordenando a “sala de reuniões”. No Brasil, o agronegócio (e todo o complexo industrial em torno dele) são os principais causadores desta crise. Ele é responsável por 74% das emissões de gases de efeito estufa no país.

Todo o suposto discurso sustentável mantido por aquelas entidades e as empresas deste setor – que dominará os painéis da Agrizone servirão, na verdade, para duas funções. Primeiro, camuflar a real forma de atuação do agronegócio, que é baseada na apropriação e destruição dos bens comuns da natureza, além da exploração dos povos tradicionais. Segundo, para, frente à crise ambiental, que eles mesmos provocaram, implementar falsas soluções, baseadas na financeirização da natureza – como é o caso do mercado de carbono.

Por uma Embrapa a serviço do povo e não das empresas

A Embrapa é uma empresa pública estratégica para o país. Sofreu um profundo ataque durante a gestão Bolsonaro. No entanto, quem a defendeu não foi o agronegócio, que estava de mãos dadas com Bolsonaro, mas o povo brasileiro e seus servidores.

Por isso, é fundamental que esteja, efetivamente, voltada aos interesses do povo brasileiro e não sob o domínio de gigantes transnacionais ligadas ao agronegócio. Os desafios ligados à soberania alimentar e ao combate à crise ambiental não passarão por quem lucra com a fome, as doenças decorrentes dos ultraprocessados e dos agrotóxicos. Mas virão daqueles que estão há séculos resistindo ao avanço do capital e cultivando formas emancipadas de relação com a natureza.

*Editado por Fernanda Alcântara