Produção de alimentos
MST adota bioinsumos como estratégia para avançar na massificação da Agroecologia
A prática milenar dos bioinsumos é pensada pelo MST como pilar estratégico para a massificação da agroecologia, na recuperação do solo, democratização do conhecimento e produção saudável

Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Com a necessidade de avançar na transição agroecológica e massificar um modelo de agricultura ancorado em práticas e técnicas agroecológicas, em equilíbrio com a natureza e na preservação da vida de todos seres vivos, nos últimos cincos anos o Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra (MST) se aprofunda na apropriação e articulação entre saberes tradicionais e conhecimentos, milenares e novos e novas tecnologias para avançar no projeto de Reforma Agrária Popular em todo país.
Uma das principais práticas que o Movimento vem trabalhando, voltado à massificação de um modelo de agricultura baseado na agroecologia, concentra-se na consolidação de um conjunto de saberes, conhecimentos e experiências voltado à prática dos bioinsumos, nos assentamentos, acampamentos, territórios e comunidades da Reforma Agrária. Tratam-se de práticas tradicionais, que já vem sendo experimentadas milenarmente na agricultura familiar e camponesa, mas que, ao mesmo tempo, também não negam as novas tecnologias disponíveis nessa área.
“Nós consideramos os bioinsumos como uma prática milenar, tradicional da agricultura camponesa, que faz parte do conhecimento histórico da agricultura camponesa, mas também hoje com as novas tecnologias e de produtos biológicos, que contribui para o equilíbrio do sistema. Também é importante considerar conceitualmente, a relação dos bioinsumos com a nossa biodiversidade, o que temos de matéria prima, como por exemplo, a matéria orgânica”, enfatiza Andreia Matheus, Engenharia agrônoma, da coordenação do Coletivo Nacional de Bioinsumos e setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST.
O que são bioinsumos?
A prática dos bioinsumos é baseada em uma matriz biológica que leva em consideração a diversidade vegetal e animal na natureza, partindo da diversidade microbiana e também do solo, como organismos vivos. Os bioinsumos são o resultado da interação entre o conhecimento científico e os saberes populares camponeses, que expressam na prática a revalorização da biologia do solo e dos processos naturais que sustentam a fertilidade do agroecossistema, explica a engenheira agrônoma, do Coletivo Bioinsumos do MST e que integra a equipe técnica da Escola Egídio Brunetto, em Prado (BA), Iara Maria Lopes Rangel.
“Os bioinsumos se baseiam na compreensão de que a saúde das plantas depende da saúde do solo, e que esta, por sua vez, está ligada à diversidade e à vitalidade do microbioma — a imensa comunidade de microrganismos (bactérias, fungos, actinomicetos, algas e protozoários), que compõem a teia alimentar subterrânea”, aponta Iara.

A partir de uma visão técnica, os bioinsumos podem ser encontrados em diversos produtos e diferentes formas de atuação e aplicação no sistema produtivo da agricultura. A agrônoma explica que este podem atuar de diversas maneiras na melhoria do solo, no fortalecimento das plantas e redução de pragas, “como biofertilizantes e inoculantes microbianos; compostos e fermentados orgânicos, a exemplo do bokashi, que aumentam a matéria orgânica e a atividade enzimática do solo; biocaldas e bioextratos vegetais, que exercem funções de proteção fitossanitária natural, reduzindo a incidência de pragas e doenças sem o uso de agrotóxicos e microrganismos isolados, como Trichoderma, Bacillus, Azospirillum, Rhizobium e Pseudomonas, que atuam no controle biológico de patógenos, na fixação biológica de nitrogênio e na estimulação do crescimento vegetal.”
Aliada à estratégia dos bioinsumos, o MST também desenvolve o “Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, que desde 2020, intensifica o plantio de árvores, com a meta de plantar 100 milhões de árvores em dez anos, nos territórios da Reforma Agrária e na áreas urbanas. A intenção é fortalecer a produção de alimentos saudáveis e denunciar os impactos destrutivos do agronegócio ao meio ambiente.
O avanço no plantio de árvores, com 45 milhões de Árvores plantadas até o momento, aliado a produção de alimentos também tem se tornado um fator importante para fomentar sistemas alimentares biodiversos, que ao poucos estão diminuindo a dependência de insumos externos, “como previsto no processo de transição para um modelo de produção agroecológico, e de redefinição da paisagem, possibilitando a construção de territórios livres de agrotóxicos e autônomos, alinhando questões sociais, políticas, econômicas e ambientais”, ressalta Iara.
Diante disso, fica evidente que a maior potência em relação aos bioinsumos está na implantação de sistemas alimentares biodiversos, em consórcio com a recuperação ambiental.
“Ao incorporar a diversificação de culturas, incluindo espécies arbóreas e arbustivas, especialmente as nativas do bioma em questão, aos sistemas alimentares, essa biodiversidade de plantas acima do solo naturalmente estimulam e proporcionam uma ampla e diversificada teia alimentar, resultando em saúde integrada do ecossistema”, expõe a agrônoma Iara.
Pilar na massificação da Agroecologia

Nesse contexto, o MST, a partir do trabalho do setor de Produção, juntamente com as famílias camponesas, cooperativas e associações vêm incorporando a prática milenar camponesa dos bioinsumos, como um pilar estratégico para a massificação da agroecologia. Esse processo é articulado e aliado às novas tecnologias na agricultura familiar e camponesa, partindo da perspectiva da engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi, referência nas pesquisas sobre o manejo do solo de maneira ecológica, que compreende o solo como um organismo vivo, em que a fertilidade depende de uma atividade biológica equilibrada.
“A vida abundante e diversa do solo promove reações e interações contínuas entre o sistema solo–planta–ambiente, melhorando a saúde do solo como um todo e, consequentemente, das plantas, resultando em alimentos de alto valor biológico e vital, capazes de nutrir não apenas o corpo humano, mas também os ecossistemas que o sustentam”, destaca Iara.
Método “solo vivo”
A proposta do MST, fundamenta-se na integração da produção de alimentos e o uso dos bioinsumos ao método do “solo vivo”, idealizado por Ana Maria Primavesi, que vem orientando a prática agroecológica nas áreas de Reforma Agrária.
O método do “solo vivo” tem como princípio a recomposição de nutrientes, da vida e da qualidade do solo, valorizando os saberes tradicionais e populares e as novas tecnologias de base ecológica. E desenvolve-se, a partir disso, um processo contínuo de formação e prática, voltado ao reconhecimento dos conhecimentos populares e camponeses, a experimentação em unidades produtivas e à sistematização científica de todo esse processo.
“Na perspectiva do MST e do manejo ecológico do solo de Ana Primavesi, a produção e o uso de bioinsumos têm duas dimensões inseparáveis: 1) Técnica: voltada à regeneração da fertilidade e equilíbrio biológico dos solos degradados; 2) Política e pedagógica: na construção de autonomia camponesa, ao controle social da tecnologia e à formação de técnicos/as e camponeses/as multiplicadores desse conhecimento”, enfatiza Iara.



Na prática agroecológica do MST, o método do “solo vivo”, portanto, tem como base o debate político e técnico, em torno do projeto de Reforma Agrária Popular, que abarca o cuidar do solo, para a recriação da vida e a soberania nos territórios. Nesse processo, os bioinsumos se tornam aliados centrais à massificação da agroecologia, ao recuperar o solo e democratizar o conhecimento, garantindo uma produção saudável e enraizada nos princípios da biodiversidade.
Em relação ao método, Iara expõe que o “solo vivo” tem como foco a valorização da biologia do solo como motor da fertilidade natural e da saúde das plantas. “Uma das tecnologias do método do “solo vivo” utiliza uma forma de compostagem altamente controlada, com o monitoramento de temperatura, umidade e identificação dos tipos de vida presente no composto. Esses compostos orgânicos diversos apresentam uma relação carbono/nitrogênio (C/N), que favorece e estimula a multiplicação ampla e diversa da teia alimentar do solo de determinado território”, ensina.
Disputa de modelo
A prática dos bioinsumos também está inserida na disputa entre dois modelos de produção. Em um processo muito similar a outras técnicas, saberes e conhecimentos do sistema de produção agroecológico, essa prática vem sendo apropriado pelo modelo destruidor do agronegócio, como um ‘novo pacote tecnológico’. Na lógica do mercado, mais uma vez, o agronegócio procura substituir os insumos químicos por outros insumos tidos como “verdes”, mas que na prática, mantém a dependência em relação às empresas transnacionais e corporações de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.
“A apropriação dos bioinsumos pelas grandes corporações transnacionais, que são as mesmas corporações que venderam o pacote tecnológico da ‘Revolução Verde’ no Brasil, constrói uma apropriação de um conhecimento, uma prática tradicional e transforma essa prática, essa tecnologia numa nova mercadoria. Essas corporações transformam os bens comuns da natureza e as práticas tradicionais em mercadoria e visualizam somente o lucro”, denuncia Andreia Matheus.
A partir da massificação da agroecologia e adoção da prática dos bioinsumos, o MST busca romper com a lógica comercial e de financeirização da terra e do meio ambiente, pelo agronegócio. Atualmente o Brasil é conhecido como um dos países com o maior uso de agrotóxicos, de sementes transgênicas, além do avanço no desmatamento, o que vai na contramão do sistema de produção agroecológico. “Os bionsumos são importantes nesse contexto para termos uma alternativa concreta, baseada em práticas tradicionais da agricultura camponesa, para o rompimento da dependência tecnológica do pacote do “Revolução Verde”, que hoje é dominado pelas empresas transnacionais que vendem agrotóxicos, mas também vendem as sementes, os fertilizantes”, projeta Andreia.
Nesse cenário, as mesmas corporações transnacionais que vendem o pacote tecnológico da “Revolução Verde”, a exemplo da Syngenta, Cargill, ADM, Bunge, entre outras, que controlam o mercado global de grãos, sementes, fertilizantes e outros insumos, e dominam toda a cadeia produtiva da agricultura, desde o campo até a indústria. Porém, fica evidente que com o avanço dos bioinsumos na agroecologia, essas transnacionais buscam se apropriação dessa prática milenar, aliada às novas tecnologias, para criar novos processos de privatização dos bioinsumos, por meio do patenteamento de microrganismos e da transformação desses bens comuns em produtos de mercado.
Alternativa à dependência tecnológica
Essa nova tentativa de controle tecnológico e biológico pela transnacionais do agronegócio, reforça a dependência dos agricultores/as e camponeses/as e ameaça o caráter popular e autônomo da agroecologia. Diante disso, os/as trabalhadores/as do MST entendem que a produção de bioinsumos deve ser compreendida no âmbito da disputa entre dois modelos de agricultura: “o da agroecologia, orientado pela vida e a soberania dos povos, e o da lógica corporativa, centrada na mercantilização da natureza”, enfatiza Andreia.
Portanto, a partir da massificação da agroecologia, a coordenadora do Coletivo Nacional de Bioinsumos e setor de Produção do MST, aponta que o MST tem buscado potencializar o uso dos biosinsumos nos modelos de produção agroecológicos pelos camponeses/as Sem Terra criando alternativas para romper com a lógica de dependências às empresas transnacionais da agricultura e construir uma autonomia produtiva, a partir dos territórios de Reforma Agrária, em que os/as camponeses/as tenham condições de controlar as cadeias de produção voltadas à produção de alimentos saudáveis.
“Com os bioinsumos, então a gente quebra com essa dependência das grandes empresas que dominam o setor de insumos. E constrói a perspectiva de uma autonomia também territorial”, defende Andreia.
Além da ameaça na apropriação dos bioinsumos pelas corporações transnacionais e o agronegócio, os/as camponeses/as do MST também enfrentam desafios no acesso à insumos e tecnologias na área da agroecologia, infraestrutura, créditos para fomento, entre outros. Nesse sentido, mesmo com dificuldades, principalmente na construção de infraestrutura e adaptação das tecnologias aos biomas, em cada realidade local e regional, o Movimento investe na construção de unidades de produção de bioinsumos nos territórios da Reforma Agrária, focada em diferentes processos de produção e uso de tecnologias.
Entre as diversas experiências pelo país, destacam-se a Unidade Ana Maria Primavesi, no Rio Grande do Sul, referência na estrutura física e na concepção metodológica no uso do método do “solo vivo”. Outras experiências estão em funcionamento na Escola Nacional de Formação Agroecológica Egídio Brunetto, em Prado (BA), com foco em práticas formativas e tradicionais de produção e uso dos bioinsumos, articuladas à formação política e técnica, além de experiências no assentamento Contestado, no Paraná e em Itapeva (SP).
“Temos algumas experiências que estamos desenvolvendo nos estados e regiões: a experiência de unidade de produção de bioinsumos Ana Maria Primavera, no contexto do arroz agroecológico no Rio Grande do Sul. Para nós é um grande avanço e os impactos são visíveis e perceptíveis do ponto de vista da adoção e do uso dos bioinsumos nessa unidade, mas precisamos avançar, ter políticas públicas, condições de fomento para implementar essas unidades em maior quantidade, em escala, também nos territórios de Reforma Agrária”, conclui Andreia.
Nesse sentido, a experiência em construção no MST, em relação ao uso da prática milenar dos bioinsumos se torna estratégica para a consolidação da agroecologia nas áreas de Reforma Agrária e a ampliação na produção de alimentos saudáveis, ao promover avanços na soberania alimentar, a autonomia camponesa e a reconstrução da vida do solo.
*O texto faz parte de uma série de conteúdos sobre a massificação da agroecologia. No próximo texto vamos discutir a importância da unidade de produção de bioinsumos na Reforma Agrária e produção de alimentos. Fique ligado no site e nas redes sociais do MST.
**Editado por Erica Vanzin



