Mulheres Sem Terra
Mulheres Sem Terra marcam presença na Marcha das Mulheres Negras 2025
Vindas de diferentes estados do Brasil, as mulheres Sem Terra marcaram presença no momento histórico na luta por reparação e bem viver

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Brasília amanheceu diferente no último 25 de novembro. Dez anos após a primeira marcha que reuniu 100 mil mulheres negras de todo o país, a capital federal voltou a ser o coração da luta antirracista na América Latina. A segunda Marcha das Mulheres Negras reuniu cerca de 300 mil de pessoas sob o lema “Reparação e Bem Viver”, uma resposta a um cenário onde a violência e a desigualdade ainda têm cor e gênero definidos.
Neste mar de vozes que exigem justiça, o Movimento Sem Terra (MST) se fez presente com mais de 100 mulheres de diferentes estados do Brasil, reafirmando que não há reparação histórica possível sem a democratização da terra. A luta pela terra, pela soberania alimentar e pelo direito de produzir alimentos saudáveis é indissociável do combate ao racismo e ao patriarcado.

A mobilização de 2025 não é apenas um ato simbólico, mas uma necessidade de sobrevivência. Dados recentes do Atlas da Violência 2025, divulgado pelo Ipea, revelam que enquanto a taxa geral de homicídios oscila, a violência letal contra mulheres negras continua em patamares alarmantes: elas representam 68,2% das mulheres assassinadas no Brasil.
Além da violência física, a violência econômica também é um dos males que atingem os lares brasileiros. Segundo o Censo 2022 do IBGE, cujos recortes de gênero e raça foram detalhados recentemente, as mulheres já chefiam quase metade dos lares do país (49,1%). No entanto, a vulnerabilidade é marcante: 70% dos domicílios chefiados por mulheres negras enfrentam algum nível de insegurança alimentar, contra 43,8% dos lares liderados por mulheres brancas.

Para o Setor de Gênero e o Coletivo Étnico-Racial, do MST, esses dados mostram com clareza que a pobreza e a fome no Brasil têm o rosto da mulher negra, muitas vezes moradora da periferia ou camponesa sem acesso à terra.
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A frase conhecida da ativista Angela Davis é cantoria na boca das militantes Sem Terra, que levaram à Brasília a realidade dos acampamentos. Hoje, mais de 100 mil famílias seguem acampadas no Brasil à espera da Reforma Agrária Popular, sendo uma parcela significativa dessas famílias chefiada por mulheres negras que veem na terra a única saída para romper o ciclo de violência doméstica e patrimonial.
A partir do Coletivo Étnico-Racial e do Setor de Gênero do Movimento, a pauta da Reforma Agrária foi apresentada na Marcha como a construção de um projeto de “Bem Viver”. Este conceito, que dialoga com a ancestralidade e a preservação da natureza, propõe uma vida com dignidade, direitos garantidos e livre de todas as formas de opressão.

“Para o Movimento Sem Terra, estar em Brasília neste 25 de novembro é um método político de reorganização das bases. A Marcha das Mulheres Negras é muito mais que um evento: ela é a pedagogia da luta”, afirmou uma das coordenadoras. As mulheres Sem Terra denunciam que o agronegócio não produz apenas commodities, mas também reproduz a lógica colonial de exploração dos corpos negros e da natureza. A conquista do Bem Viver, portanto, passa obrigatoriamente pela derrota desse modelo e pela construção de um Projeto Popular para o Brasil, onde o acesso à terra e a produção de alimentos livres de veneno sejam direitos de todas, e não privilégios de poucos.
Seminário Internacional “Por um feminismo Afro-latino-americano”

A Marcha de Mulheres Negras 2025 também consolida a identidade da “amefricanidade”, conceito de Lélia Gonzalez que une as experiências de resistência nas Américas. Aproveitando a presença de representantes de delegações diversos países, a Alba Movimentos realizou no dia seguinte à Marcha o Seminário Internacional “Por um feminismo Afro-Latino-Americano”, um espaço de articulação das lutas populares do continente.
O evento, que também prepara para um encontro em Cuba para 2026, teve o pensamento de Lélia Gonzalez o fio condutor central dos debates. O objetivo foi discutir como o racismo, o patriarcado e o capitalismo se sustentam mutuamente, fortalecendo alternativas revolucionárias a partir da realidade do povo.
Rosa Negra, do Coletivo do Étnico-Racial do MST, trouxe em sua fala a experiência a relação da Reforma Agrária Popular com o bem-viver, analisando também o impacto do avanço da extrema-direita. Rosa alertou para os perigos de fenômenos digitais como os movimentos “incel” e “redpill“, que compõem a ofensiva conservadora global. Ela apontou que parte da responsabilidade por esse avanço recai sobre uma parcela da dita “esquerda progressista” que tratou o combate ao racismo e ao patriarcado como pautas meramente identitárias, e não como questões indissociáveis da luta de classes.

A crítica não é direcionada apenas para fora, mas também para dentro do campo popular. Rosa defendeu a necessidade de uma autocrítica, afirmando que o racismo e o patriarcado atravessam a todos sob o sistema capitalista. Ignorar essas dimensões de poder, segundo ela, enfraquece a capacidade de resposta e a unidade dos movimentos sociais frente ao inimigo comum.
Como saída estratégica, o MST defende um retorno vigoroso ao trabalho de base. A solução apontada por passa por ir para além das instituições e dos debates puramente teóricos, reconectando as lideranças com o chão concreto da vida das trabalhadoras. “É nas comunidades e nos territórios que se constrói a força real para enfrentar as opressões e o capital”, afirmou Simone Magalhães, do Setor Internacionalista do Movimento.


A participação do MST no seminário, ao lado de movimentos como o MNU, Marcha Mundial das Mulheres, Alba e a Marcha das Mulheres Negras, é um demonstrativo do amadurecimento na condução das lutas. A integração reforça que a construção de um feminismo antirracista e popular como estratégia imprescindível para a emancipação de toda a classe trabalhadora, com os olhos voltados para a construção de um novo projeto de sociedade.



