Feira Cícero Guedes
Durante Feira do MST, neto de Eunice Paiva recebe homenagem em nome da ativista por luta contra a ditadura
Iniciativa da vereadora Maíra do MST, a Medalha Pedro Ernesto foi entregue na 16ª Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes, no Rio de Janeiro

Por Jéssica Lima
Da Página do MST
Fotos: Jeff Augusto e Helton Nunez
Na última terça-feira (09), véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, Eunice Paiva recebeu uma homenagem póstuma durante a 16ª Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Largo da Carioca, Centro do Rio de Janeiro. A Medalha Pedro Ernesto, maior honraria do legislativo carioca, foi entregue a Chico Rubens Paiva na solenidade “Defender a Memória é Alimentar a Utopia”.
Chico é neto de Eunice e do ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi preso, torturado e assassinado pela ditadura civil-militar em 1971. Antes da entrega da honraria foi exibido um vídeo contando como a brutalidade e a violência do regime atravessaram a trajetória de Eunice e toda sua família.
Emocionado, o neto do casal disse que a homenagem carrega um forte simbolismo. “Ter mulheres eleitas democraticamente fazendo essa homenagem em praça pública mostra a evolução que a gente teve nas últimas décadas. A prisão e o assassinato do meu avô e outros companheiros não se deram no vácuo e sim pelo o que eles defendiam. Meu avô defendia a Reforma Agrária Popular e as reformas de base e, por isso, ele foi morto. As lutas de Eunice e Rubens são as mesmas do MST, do movimento negro, da juventude, e quanto mais a gente se une, mais a gente se fortalece. Enquanto for necessário, vocês podem contar com nossa família. Enquanto for necessário, nós estaremos aqui”, declarou Chico Rubens Paiva, fazendo referência ao filme “Ainda Estou Aqui” que contou a história de sua família e venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional de 2025.

A homenagem é uma iniciativa da vereadora Maíra do MST e ocorre no contexto da aprovação da Lei nº 9.192, que cria o Programa Memória, Verdade e Justiça Carioca no município do Rio. A partir de agora, o Poder Executivo terá de identificar publicamente os locais onde houve repressão política, sequestros, torturas, desaparecimentos forçados, assassinatos e ocultação de cadáveres durante a ditadura. A lei foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes neste 8 de dezembro, dia anterior à homenagem.
Segundo a vereadora Maíra do MST, autora da lei, resgatar a memória e mantê-la viva no imaginário popular é uma das formas de lutar para que atrocidades como a ditadura nunca mais se repitam.
“Quero expressar a felicidade imensa do nosso mandato de fazer essa homenagem justamente durante a realização da 16ª Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes porque isso significa conectar os fios que o capitalismo tenta desconectar, que é a luta pela terra e por memória, verdade e justiça. A luta por democracia não é algo do passado, é uma batalha que a gente trava no presente para honrar aqueles que tombaram e também criticar a manutenção da Polícia Militar, que continua torturando e matando as pessoas nas favelas e periferias”, afirmou Maíra.

Ainda de acordo com a parlamentar, a entrega da Medalha Pedro Ernesto a Eunice Paiva é uma demonstração política da juventude, que mantém acesa a chama da luta pelos direitos humanos, sempre atrelada às lutas por memória e por Reforma Agrária Popular. “Nós temos uma posição ideológica firme em defesa dos direitos humanos e da memória e enquanto estivermos aqui não vamos permitir que os algozes da ditadura sigam permeando a política e a sociedade brasileira. Aos nossos mortos, nenhum minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta”, concluiu a vereadora, emocionada, puxando um coro que fez ecoar o grito pela Feira.
A deputada Marina do MST falou sobre a relação entre o trabalho desenvolvido dentro do parlamento e as lutas das ruas. “Quero destacar a importância de levar pra dentro da institucionalidade as lutas sociais e históricas que se conectam com as lutas da sociedade brasileira e fluminense. Esse ato feito no meio da praça é tão importante quanto fazer dentro do Palácio Pedro Ernesto. O plenário da Câmara Municipal do Rio está acontecendo aqui no meio do povo e esse é o melhor reconhecimento que a Eunice poderia ter”, enfatizou. Marina encerrou seu discurso citando uma famosa frase de Pedro Casaldáliga. “Malditas sejam todas as cercas que impedem o homem de viver e amar livremente”. Aqui é um território livre de cercas, livre da exploração capitalista e livre para todas as pessoas se amarem”, concluiu a deputada.
Quem também participou da cerimônia foi a dirigente nacional do MST, Eró Silva, que lembrou dos pontos em comum entre as lutas travadas no Brasil. “O debate da Reforma Agrária agrária Popular também é um debate sobre reparação histórica e todos os dias a gente tem que lembrar disso para não repetir os mesmos erros do passado”, afirmou.

Já Felipe Lott, integrante dos coletivos RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação e Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, destacou o protagonismo dos camponeses e dos indígenas na luta contra a repressão política. “A gente faz questão de lembrar os 1.200 camponeses mortos e mais de 8 mil indígenas assassinados na ditadura porque muitas vezes eles sofrem um processo de apagamento na história”, enfatizou Lott.
Quem foi Eunice Paiva
Eunice Paiva é uma das principais ativistas de direitos humanos e da luta contra a ditadura civil-militar no Brasil. A partir do desaparecimento do marido, Eunice teve papel central na busca por informações sobre o paradeiro dele e passou décadas persistindo na luta por memória, verdade, justiça e reparação histórica. Ao tornar-se advogada, consolidou-se como uma das pioneiras e poucas especialistas em direito indígena do país, colaborando com o capítulo que trata dos direitos territoriais na Constituição de 1988.
O nome de Eunice Paiva ganhou notoriedade após o lançamento do filme “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles, no qual foi interpretada pela atriz Fernanda Torres.
Em janeiro deste ano, a certidão de óbito de Rubens Paiva, finalmente, foi corrigida. No documento, o Estado brasileiro informa que a morte do ex-deputado federal foi “violenta” e reconhece sua responsabilidade no crime. Na versão anterior da certidão, entregue à viúva em 1996, a vítima era considerada apenas como desaparecida, sem qualquer menção à repressão política. A mudança atende a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 13 de dezembro de 2024, que determina que as certidões de óbito de 202 mortos durante a ditadura têm que ser corrigidas pelo Estado brasileiro.
*Editado por Gustavo Marinho



