Desigualdade social e exploração de recursos naturais estão diretamente associados, diz professor
Por Bruno Pavan
Do Brasil de Fato
Pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Tadzio Peters Coelho, lançou o livro Projeto Grande Carajás: 30 anos de desenvolvimento frustrado, nesta terça-feira (21), na Escola Nacional Florestan Fernandes, na cidade de Guararema, interior de São Paulo.
Na obra, o sociólogo debate o processo de mineração brasileiro e os impactos causados tanto no meio ambiente quanto na sociedade. Para Coelho, o discurso do progresso trazido pelas mineradoras muitas vezes prejudica o desenvolvimento local e faz com que a população aceite um processo que traz mais concentração de renda.
Leia a íntegra da entrevista abaixo:
Como o livro analisa o atual cenário da mineração?
É uma interpretação sociológica e econômica. As mineradoras conseguem fazer um discurso que passa pela geração de empregos em áreas distantes, aumentando assim a legitimação social, fazendo com que a população aceite a atividades delas. Acontece que quando a gente começa a estudar esses impactos, começa a entender que são ou muito limitados ou negativos.
Por exemplo: na questão da criação de empregos, a mineração é uma atividade intensiva em capital, mas não em trabalho. Então o mesmo dinheiro investido em uma outra atividade geraria muito mais empregos porque a automação, a mecanização, e a utilização de máquinas é gigantesca na mineração à céu aberto.
Avaliamos também no livro questões positivas e negativas desses impactos: foram 32 negativos e 6 positivos. Dividimos eles em econômicos, sócio-culturais e ambientais. Um impacto local interessante é o aumento da concentração de renda. Muitas vezes a mineração se instala em um determinado local que já tem algumas atividades econômicas e a mineração impacta nessas atividades. Com a poluição dos rios, por exemplo, você prejudica a produção de leite, de queijo, de cachaça no local. As mineradoras também acabam contratando pessoas das capitais para ganhar um salário maior.
Existe um interesse político gigantesco sobre a região de Carajás e com o boom de commodities que passamos, a exploração mineral aumentou e aumentaram também os impactados. Essa expansão da mineração encontra no caminho camponeses, pequenos agricultores, quilombolas, indígenas e ribeirinhos que são afetados não só pela mina em si, mas pela estrutura de transportes, ferrovias e portos.
Falando um pouco mais desses impactos, como podemos diminuí-los?
A gente não está dizendo que tem que acabar com a mineração, ela é uma das bases da sociedade moderna, mas a gente não pode ficar produzindo de qualquer forma, tem que ter um limite. A mineração tem impactos que podem ser evitados e diminuídos de alguma forma, e existem aqueles que são fixos e que não tem o que fazer.
Esse debate teria que ser feito pelo novo marco da mineração, da produção ter que respeitar a comunidade, e ter uma regulação maior. Isso não iria acabar com a concentração de renda porque isso é um limite imposto pelo próprio capital, mas é um caminho possível mesmo ainda mantendo muitos impactos
O Projeto Grande Carajás visava trazer progresso para o país e para a região. O que ele está deixando para os povos locais?
Existe uma correlação entre a desigualdade social e a centralização de renda as atividades intensivas na exploração de recursos naturais. Essas atividades são baseadas em grandes terras, elas criam pouquíssimos empregos, grupelhos de consumo e reforçam a lógica primário-exportadora do país, exportando produtos de baixo valor agregado e importando industrializados. Países intensivos na exploração de recursos naturais são muito desiguais: não só o Brasil, como também os países árabes, com o petróleo, e a África do Sul com minérios.
O que aconteceu nos últimos 20 anos na economia brasileira foi uma reprimarização, que focou ainda mais na exportação de comoddities. Seria interessante se a nossa cadeia produtiva fosse mais diversificada, com um leque mais amplo de produtos que exportamos. A dependência por esses recursos aumenta os impactos tanto na população quanto no meio ambiente e torna o país mais dependente do mercado internacional. Estamos fazendo o velho caminho colonial.
Apesar da baixa de preços do minério a Vale continua com bons lucros. O que explica isso?
Quando a gente começou a pesquisa do livro, no início de 2014, o preço do minério de ferro ainda estava entre US$ 70 e US$ 80 a tonelada métrica. Hoje está entre US$ 50 e US$ 60, mas ele já estava em queda porque bateu US$ 140 em 2012. Só que Carajás ainda permite que a Vale tenha uma operação bastante lucrativa porque o teor médio de pureza do minério da região é de 65%.
No momento que a gente fez a pesquisa ela estava ampliando o projeto da Serra sul e aumentando a produção apesar da queda do preço. O que parece ser contraditório se explica porque poucos fornecedores tem um minério com esse grau de pureza, e com isso a Vale se torna maior ainda apesar da crise no setor.