“Procuramos construir novas relações de gênero, em que todas e todos sejamos respeitosos um com o outro”, afirma dirigente
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
O sistema capitalista gera pobreza e atinge de forma mais violenta as mulheres. Atualmente, a violência praticada contra as mulheres tem crescido de forma assustadora no Brasil.
Vivemos hoje no País um verdadeiro estado de feminicídio, com o aumento de assassinato de mulheres, em nome da honra ou somente pelo fato de ser mulher. A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. E os casos de estupro cresceram 157% entre 2009 e 2012!
Para marcar o dia internacional de luta pelo fim da violência contra a mulher, o MST realiza uma Semana de debates sobre o tema no campo.
Segundo a coordenadora do setor de gênero do MST, Atiliana Bruneto, a partir de 2012, o setor iniciou um trabalho de debate e organização de grupos produtivos de mulheres, aliado as outras discussões sobre a questão da participação, violência, problema econômico e da inserção política da mulher na sociedade. Com o objetivo de conscientizar a mulher em relação ao seu processo de vivência, a necessidade de organização e luta por seus direitos.
Qual a proposta da Semana de debates do MST?
A ideia é que todos os acampamentos e assentamentos do MST estejam discutindo, debatendo e sensibilizando os trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra sobre a questão da violência contra as mulheres. Em muitos estados teremos assembleias. Onde não for possível fazer assembleias vamos de casa em casa, conversar com as companheiras para fazer essa sensibilização. Também vamos realizar atividades estaduais, com formação interna e externa, em que outros movimentos sociais estarão participando, no intuito de debater a questão da violência contra as mulheres com toda sociedade.
Por que interiorizar a discussão da violência contra as mulheres nesse momento?
Porque nesse período estamos percebendo um crescimento grande do conservadorismo e, nós mulheres, precisamos nos mobilizar e lutar contra isso, ir às ruas. Só vamos conseguir que as mulheres se mobilizem e vão às ruas, se entenderem o processo em que estão vivenciando hoje e ter consciência disso.
Qual o trabalho que o setor de gênero vem desenvolvendo com as mulheres nos acampamentos e assentamentos?
Durante todo o período de existência do MST, em 32 anos, consideramos fundamental a participação das mulheres em todos os espaços do movimento. Partindo daí, temos buscado condições de estudar, se informar, dar opiniões, para garantir a nossa participação efetiva. A partir de 2012, o setor de gênero iniciou a construção de grupos de mulheres produtivos. Pois, percebemos que as mulheres somente participam de algumas atividades, quando isso dá uma resposta pra família.
Juntamente com a organização desses grupos de produção trazemos os outros debates em relação a questão da mulher – a participação, violência, o problema econômico e a participação política -, viemos tentando trabalhar todo esse conjunto de problemáticas. Chegando agora num processo de acúmulo, em que precisamos interiorizar esse tema da violência contra a mulher no campo, a partir de um trabalho anterior que vem sendo realizado com as mulheres na base do MST.
Qual a situação da violência contra a mulher no campo. Tem aumentado?
Somente a partir de 2010 o governo designa um órgão público, a Secretaria Nacional de Políticas Públicas, para se preocupar com isso e debater a questão das mulheres do campo. Porém, ainda não temos dados, porque não existem estudos sistematizados em relação a violência contra as mulheres no campo. Quando acontece algum tipo de violência e as mulheres se deslocam até a cidade para fazer a denúncia ou procurar ajudar, aos agentes de saúde que atendem elas não se preocupam com esse foco, da localização.
Então, não há um registro nos dados, que aponte a localização da violência, se ela acontece na cidade ou no campo. Como percebemos isso? Na vivência, no dia a dia, das atividades, encontros, percebemos o crescimento em relação à demanda por esse tema. A articulação entre as mulheres dos movimentos que compõem a Via Campesina tem ajudado a pautar isso e na denúncia das condições de violência que as mulheres vivenciam no campo.
Quais os principais desafios do MST para enfrentar a questão da violência contra a mulher no campo e construir uma participação igualitária?
Primeiro passa pela nossa compreensão do conjunto sobre a vida das mulheres. Do processo histórico que as mulheres viveram e vivem hoje. O conjunto do MST tem esse desafio de garantir a sensibilização e estar sempre discutindo essa questão da violência contra as mulheres. Precisamos entender que essa também é uma violência do capital, que não acontece somente contra as mulheres e faz parte de um contexto social no qual a classe trabalhadora está inserida na sociedade hoje, mas que nós mulheres somos as mais oprimidas e prejudicadas.
Essa opressão sobre as mulheres tem aumentado com o avanço do conservadorismo. Hoje nós estamos lutando contra a PL 5069, que desampara a mulher que sofre um estupro, deixando à sem assistência da saúde pública. Se esse projeto for aprovado, para que a mulher tenha assistência à saúde pública terá que provar que foi estuprada, tendo que conviver com o homem que a violentou. No MST procuramos construir novas relações de gênero, para que todas e todos sejamos respeitosos um com o outro e nos respeitamos na amplitude do ser cidadão, do sujeito histórico, buscando construir uma sociedade de igualdade com todos, incluindo as diferenças de etnia, gênero, orientação sexual, entre outros.