Cimi obtém status consultivo na ONU
Por Cimi/MS
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) obteve status consultivo especial no Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organizações das Nações Unidas (ONU). A entidade foi informada da decisão nesta semana. Após dois anos de análise de documentos e relatórios realizado pelo Comitê de ONGs, o ECOSOC aprovou a concessão. Ao conceder o status, o organismo internacional reconhece a competência especializada e a experiência prática da entidade na temática indígena, permitindo que ela contribua nos trabalhos das Nações Unidas.
Ao ser considerada uma entidade consultiva e de competências técnicas, o Cimi poderá ser requerido pelo Conselho da ONU, suas comissões ou por um de seus Estado membros que buscam informações especializadas ou pareceres sobre assuntos e situações relacionadas aos povos indígenas no Brasil.
Para o presidente da entidade, Dom Roque Paloschi, a concessão “reconhece e qualifica nossa atuação e incidência internacional em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas. Trata-se de uma arena estratégica para denúncias e para uma construção coletiva do conhecimento e dos interesses das comunidades indígenas de todo o Mundo, com capacidade efetiva de influenciar ações e os acordos no campo dos direitos sociais e econômicos”.
Organizações não-governamentais têm trabalhado com as Nações Unidas desde sua criação, em 1945. Atualmente, cerca de 4 mil organizações possuem status consultivo no órgão internacional. Com a entrada do Cimi, apenas 22 organizações brasileiras possuem status consultivo especial.
O ECOSOC é o maior conselho da ONU, com 54 Estados membros. Coordena as atividades nas áreas econômicas e sociais das agências especializadas das Nações Unidas – entre elas, OIT, FAO, UNESCO e OMS -, além de comissões técnicas e regionais. Como principal fórum de deliberação sobre questões econômicas e sociais, o ECOSOC elabora recomendações práticas sobre essas questões dirigidas aos 193 Estados membros e à ONU.
O Cimi agora poderá participar formalmente das agendas do Conselho, bem como apresentar declarações por escrito ou orais relativas a questão indígena junto a seus órgãos subsidiários – entre eles, as comissões sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal, de Desenvolvimento Sustentável, de Desenvolvimento Social, bem como contribuir para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). No ano passado, a CEPAL produziu um estudo sobre a situação dos povos indígenas na América Latina, aprofundando os avanços na última década e desafios pendentes para a garantia de seus direitos (leia aqui), bem como denunciou o que chamou de “invisibilidade” estatística (leia aqui) dos povos indígenas, que dificultam a construção de políticas públicas eficazes e pautadas pela direito de consulta, livre, prévia e informada.
Dom Roque defende que os mecanismos e sistemas multilaterais de proteção e garantia de direitos são uma ferramenta importante para as populações originárias no Brasil. “Para o governo e seu projeto desenvolvimentista, os povos indígenas se mostram como entraves. E assim o são, porque eles não podem aceitar um desenvolvimento que extermine suas vidas, explore seus territórios, acabe com seus modos e costumes, num genocídio que precisa ser qualificado perante as leis internacionais das quais o Brasil é signatário”, explica. “Não nos omitiremos em denunciar a incapacidade do Estado brasileiro em cumprir suas próprias leis, sua conivência com setores do agronegócio que assassinam e promovem o deslocamento forçado de populações indígenas através de milícias armadas e crimes atrozes”.
Conselho de Direitos Humanos
O status consultivo permitirá ao Cimi credenciar-se como observador nas sessões do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), podendo apresentar moções por escrito e intervenções orais. Principal órgão intergovernamental responsável por promover o respeito universal e a proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, o Conselho é composto por 47 Estados membros.
O Conselho de Direitos Humanos articula-se com os diversos mecanismos e mandatos de direitos humanos constituídos por tratados internacionais. Analisa violações flagrantes e sistemáticas, bem como promove as Revisões Periódicas Universais (UPR), quando um Estado membro é submetido a uma avaliação geral acerca do cumprimento e defesa dos Direitos Humanos. Em 2017 será inaugurado o 3º ciclo das UPR e o Brasil será um dos países examinados.
Ano passado, durante a abertura da 30ª sessão do Conselho, o Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos e supervisor do UNHRC, Zeid ibn Ra&”39;ad denunciou o assassinato do indígena Guarani Kaiowá Simeão Vilharva: “Antigas disputas pela terra indígena continuam a causar sofrimento e perda de vidas no Brasil. (…) exorto as autoridades, não só para investigar esta morte, mas também a tomar medidas de longo alcance para travar novos despejos e demarcar corretamente toda a terra”.
Entre mecanismos e mandatos estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos, dois se destacam por serem específicos sobre povos indígenas: o mecanismo de peritos e a relatoria especial. O Mecanismo de Peritos é formado por 5 peritos e seu objetivo é fornecer recomendações sobre direitos dos povos indígenas ao UNHRC, sob a forma de estudos e pesquisas. Recentemente, a brasileira Erika Yamada, foi nomeada perita para o mandato de 3 anos (2016-2019).
Já a Relatoria especial sobre direitos dos povos indígenas da ONU, tem por objetivo monitorar situações de violação e cumprimento de direitos humanos dos povos indígenas no mundo, reportando recomendações aos Estados membros e a todo sistema ONU, em especial ao UNHRC.
Em março passado, Victoria Tauli-Corpuz, atual relatora especial, realizou visita oficial ao Brasil. Mais recentemente, condenou o assassinato do indígena Guarani Kaiowá Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, na ação paramilitar contra civis organizada por fazendeiros em Mato Grosso do Sul, conhecida Massacre de Caarapó, onde ao menos outros dez indígenas foram baleados.
Fórum Permanente sobre Questões Indígenas
O Fórum Permanente sobre Questões Indígenas (UNPFII) reúne indígenas de todo o planeta e por isso, é o maior espaço de protagonismo dos povos indígenas dentro do Sistema ONU. Em sua última edição, mais de mil indígenas discutiram questões de interesse das populações originárias relacionadas ao desenvolvimento econômico, social, cultural, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos. Com o tema “Povos Indígenas: Conflitos, Paz e Resolução”, o UNPFII coletou em 2016 situações de conflitos envolvendo povos indígenas e seu informe pode ser acessado aqui, inclusive as recomendações ao Brasil.
Nos últimos anos, lideranças do movimento indígena brasileiro têm se apropriado do Fórum, consolidado alianças com povos de outros países e denunciado as situações de violência no Brasil, como na última edição em que Elizeu Lopes, Guarani Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, denunciou o Genocídio no Estado. Na ocasião, também o Cimi pode apresentar dados nacionais sobre as violências praticadas contra os povos indígenas.
Participação dos povos indígenas na ONU.
Em meados da década de 70, o Cimi apoiou, em todo o país, as Grandes Assembleias indígenas, tendo por princípio que “a causa indígena inspira um método que implique no protagonismo dos povos indígenas, na sua emergência política e histórica como sujeitos de seus atos, como donos de seu destino”, conforme afirma o Plano Pastoral da entidade. Portanto, cedo o Cimi entende seu papel político em promover o protagonismo dos povos indígenas e a coalizão entre eles, frente a luta por seus direitos fundamentais de sobrevivência, como a Terra, Formação, Movimento Indígena, Alianças, Políticas Públicas e Auto-sustenção.
Para o Presidente do Cimi, o objetivo da entidade em buscar o status consultivo se insere nesta perspectiva, de apoiar fundamentalmente a autodeterminação dos povos indígenas em lugares estratégicos de seus interesses. Esta é uma perspectiva sine qua non da incidência internacional da entidade. “Precisamos oportunizar que os povos indígenas brasileiros se apropriem cada vez mais e conduzam processos reivindicatórios em instâncias multilaterais. Queremos apoiá-los de maneira qualificada na superação dos desafios que dificultam a participação do movimento indígena, hora pela burocracia do sistema, hora pelo simples desconhecimento de ferramentas importantes”, afirma.
Durante o último Fórum Permanente, Estados membros, organizações indígenas e indigenistas refletiram sobre as dificuldades de participação dos povos indígenas no Sistema das Nações Unidas. E defenderam uma mudança, pois “atualmente ainda persiste, tanto no sistema ONU, quando no sistema OEA, uma burocracia excludente, que exige critérios de “elegibilidade” não-indígena, de organizações indígenas, cujo formato organizativo e mecanismos deliberativos são diversos. Diferentes dispositivos internacionais reconhecem as formas organizativas indígenas como autenticas e legais por si só, resultado de suas particularidades e em respeito à sua autodeterminação”, explica o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.
No último dia 22 de julho, representantes do Fórum Permanente entregaram o Projeto Final sobre a participação dos Povos indígenas na ONU. Trata-se do resultado de consultas e pareceres técnicos coordenados pelo Fórum e que deve servir de base para o documento final a ser aprovado pela Assembleia Geral da ONU.
O texto propõe a criação de um novo organismo pela ONU, que reconheça e credencie através de critérios de elegibilidade específicos, as representações e instituições indígenas. Propõe ainda, que seja criado uma nova categoria de participação no Sistema, diferenciada daquelas reservadas às Organizações, através de status consultivos.
*Editado por Rafael Soriano