“Ações de Temer mostram total descompromisso com a reforma agrária no Brasil”, destaca Patrus

Ministro do Desenvolvimento Agrário na gestão de Dilma problematiza o desmonte arquitetado da política agrária e submissão aos interesses internacionais nas ações do governo Temer

 

Por Lizely Borges 
Da Página do MST 
 

Logo após a finalização do julgamento do processo de impeachment pelo Senado, na última quarta-feira (31), os movimentos camponeses demonstraram grande preocupação com o cenário que se avizinha com a ascenso golpista de Michel Temer (PMDB) à presidência da República. 

Durante o pouco mais de 100 dia de governo interino, o peemedebista adotou medidas que afetaram fortemente as realidades no campo. Sob argumento de enfrentamento do déficit econômico, extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a faixa 1 do Programa Minha Casa, Minha Vida, desfazendo o planejamento de 40 mil moradias previstas para o campo neste ano. 

O orçamento de 2016 de R$540 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi bloqueado após decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), a política de assistência técnica foi fragilizada com a paralização do Plano Safra 2016/2017 e a exoneração do presidente da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), Paulo Guilherme Cabral.

Patrus Ananias (PT) era o ministro do MDA até o afastamento temporário de Dilma Rousseff, em 11 de maio, após a abertura do processo de impedimento pelo Senado. No dia seguinte, o então interino emitiu a Medida provisória nº 726 que extingue o Ministério. Ao final de maio Temer transferiu para a Casa Civil a administração das cinco pastas ligadas à Reforma Agrária.

Em entrevista para a Página do MST, realizada nas dependências do Palácio Alvorada, em Brasília-DF, logo após a finalização do julgamento da presidenta, Patrus argumenta sobre as ações adotadas no período interino e afirma que elas sinalizam como o Temer tratará a reforma agrária e a produção de alimentos

Diante do cenário de redução do papel do Estado na efetivação de direitos básicos, o ministro deposto convoca as forças de esquerda a se unirem para o debate com a população. 

“Com o golpe confirmado, temos que nos mobilizar para preservar os nossos direitos e continuar a nossa luta pelas reformas fundamentais que o Brasil precisa – a reforma tributária, no sentido que os ricos paguem mais impostos, a reforma agrária, a urbana, na perspectiva de colocarmos em prática o princípio constitucional da função social da propriedade e das riquezas”, pontua.  

Que ações adotadas pelo governo de Michel Temer impactarão mais fortemente as realidades dos trabalhadores e trabalhadoras rurais?

Patrus Ananias: Vemos um processo de entrega do país, de total privatização. A PEC 241 [apresentada por Temer em maio deste ano, estabelece um novo regime fiscal para gastos com saúde e educação] que acompanho mais diretamente, chamo de PEC do desmonte do estado democrático de direitos. Ela afronta a Constituição, desmonta as políticas de inclusão e justiça social voltadas para os mais pobres, e desmonta o estado brasileiro num processo entreguista.

 
Com relação a reforma agrária e desenvolvimento da agricultura familiar, na perspectiva da agroecologia e cooperativismo, os sinais foram imediatos. O fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), logo após o primeiro passo do golpe. Tivemos ainda a retirada de recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – um programa que unifica todos os movimentos sociais ligados ao campo no Brasil. Enquanto garante um preço justo ao agricultor familiar ele atende às pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar. Tentaram acabar com a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), estamos na justiça tentando preservá-la, e retiraram todos os recursos de apoio ao cooperativismo – o que mostra um total descompromisso com o desenvolvimento da agricultura familiar e com a reforma agrária no Brasil.

 
Qual é o lugar que o governo de Michel Temer reserva para a classe trabalhadora urbana e camponesa, para a agroecologia e a agricultura familiar na produção, considerando que estes garantem o alimento consumido pela população brasileira?

A tentativa deles [de Temer e sua base de apoio] é implantar um modelo de total submissão aos interesses internacionais. A leitura que faço, e muita gente tem feito, é que este golpe é arquitetado pelos interesses econômicos internacionais e os históricos serviçais do Brasil. É para atender a demanda do agronegócio brasileiro no que ele tem de mais atrasado, da agricultura voltada para exportação e não para atendimento das necessidades do povo brasileiro. Nossa esperança é a de que, quando as políticas implementadas por eles começarem a apresentar os resultados perversos, certamente teremos mobilizações no campo e na cidade contra esse desmonte. 

Com o golpe confirmado, temos que nos mobilizar para preservar os nossos direitos e continuar a nossa luta pelas reformas fundamentais que o Brasil precisa – a reforma tributária, no sentido que os ricos paguem mais impostos, a reforma agrária, a urbana, na perspectiva de colocarmos em prática o princípio constitucional da função social da propriedade e das riquezas. É exatamente contra diretrizes mais avançadas na nossa Constituição que eles fizeram este golpe.

 
Como um cidadão que desconhece as realidades do campo e a adoção de medidas retrocessuais na política agrária por Michel Temer, além de ter ficado apartado do processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff, pode identificar em seu cotidiano a ingerência de um governo não legitimado nas urnas e não alinhado aos interesses populares?

Certamente os trabalhadores do campo e da cidade vão sentir as consequências quando as políticas antinacionais e antipopulares do governo ilegítimo e golpista começarem a apresentar os seus resultados. 

Para nós, os parlamentares, os partidos de esquerda, as Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, o desafio é unirmos as forças democrático-populares no Brasil, as forças de esquerda que querem soberania nacional, as reformas básicas que eu mencionei. 

É importante também que voltemos com o trabalho de base, a partir dos movimentos sociais a com as comunidades – o trabalho com as pessoas. Não na proposta de fazer a cabeça das pessoas, mas numa linha de levar informações. 

Nós temos uma mídia subordinada ao golpe, pelo menos a grande maioria, setores não só coniventes, mas também que apoiaram o golpe. Nós temos que fazer então o trabalho de debate público, e para isso temos que estar unidos – partidos de esquerda, movimentos sociais, universidades, igrejas – todos que querem um país justo, realizar um debate de uma forma respeitosa, dialogável, como dizia o saudoso professor Paulo Freire, sobre o que está acontecendo no país.

*Editado por Iris Pacheco