Movimentos populares protocolam pedido de impeachment de Temer
Por Lizely Borges
Representantes de movimentos populares, organizações sociais e advogados de atuação em defesa da democracia protocolaram, ao final desta manhã (08), pedido de impeachment do presidente Michel Temer (PMDB). A peça tem como base a denúncia de cometimento de abuso de poder pelo presidente, servindo-se da sua autoridade de cargo, junto ao ex-ministro da Cultura (MinC), Guilherme Calero.
O ex-ministro Calero, em depoimento à Polícia Federal no dia 21 de novembro, afirma ter sido “enquadrado” pelo presidente para que encontrasse uma “saída” para a autorização da obra do condomínio La Vue, na capital baiana. A obra é de interesse do ex-Secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, proprietário de apartamento na região tombada de Salvador, e amigo de Temer. A liberação da obra foi reprovada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com argumento de que a negativa havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete posto que “o ministro Geddel encontrava-se bastante irritado”, Calero afirma que Temer pediu a ele que revertesse a decisão da instância vinculada ao MinC. A situação desencadeou nova crise do governo e resultou nos pedidos de demissão de Calero e Geddel.
Ação protocolada e tramitação
Apesar de ter audiência agendada para 11h30 com os proponentes do pedido de impeachment, para recebimento em mãos da peça jurídica, o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não compareceu à entrega, assim como nenhum outro membro da mesa diretora da Câmara. Após a espera de mais de uma hora os assinantes do pedido, acompanhados de deputados e senadores apoiadores da ação, entregaram a peça ao servidor e secretário-geral da Mesa, Wagner Padilha. De acordo com a assessoria de Maia, o parlamentar foi chamado às pressas por Temer e estava em reunião reservada com o presidente no Palácio do Planalto. A ausência de Maia, simbolizada pela cadeira vazia, foi entendida pelos movimentos como desrespeito à ação movida pela sociedade civil organizada.
“Demostramos o descontentamento com os deputados em não atender o pedido da sociedade civil e vir aqui”, diz o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas. “Essa cadeira vazia do presidente tem um significado. E cada um interprete como desejar. Lamentamos a ausência não só do presidente como de qualquer outro membro da Mesa Diretora da Câmara”, declarou a deputada e líder da Minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Com a peça protocolada, cabe ao presidente da Câmara admitir a sequência do processo. De tramitação similar ao processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, caso o pedido seja admitido por Maia, é constituída uma comissão especial para análise da denúncia. Com a aprovação da admissibilidade da denúncia por dois terços da Câmara, o processo segue para o Senado.
Com apoio de maioria do parlamento, as organizações e advogados reconhecem o difícil cenário para seguimento do pedido de impeachment pelas casas legislativas. No entanto, apontam que a diversidade dos assinantes da peça jurídica, bem como a pressão popular das ruas conferem peso política à iniciativa. “O prosseguimento do processo depende de uma decisão do presidente da câmara. Sabemos que ele é da base aliada do presidente, e conhecemos o contexto do parlamento que fez parte inclusive de um golpe de estado. Sem pressão popular, se não partir de um conjunto organizado da sociedade, é simples inviabilizar a tramitação do pedido”, reflete o advogado colaborador da formulação do pedido, Gabriel Sampaio.
Ação coletiva
Sustentado no Art.14 da Lei 1079/50 que garante a qualquer cidadão o direito de denunciar o presidente por crime de responsabilidade, a peça é assinada por quinze representantes de organizações de diferentes áreas de atuação e quatro advogados. De acordo com a secretária de mulheres da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Santa Alves, a construção unificada do documento revela o desgaste dos segmentes sociais com a retirada de direitos pelas medidas de Temer. “A união das forças dos movimentos sociais e juristas mostra a força e indignação não só de um setor, mas de vários, movimento de mulheres, negro, sindical”, diz.
A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, aponta a necessidade de resgatar a denúncia de crimes cometidos pelo presidente, acusação que perde gradualmente visibilidade na esfera pública em meio a novos fatos políticos. “Sendo a gente os mais afetados [pelas medidas do governo Temer] precisamos dar visibilidade, uma vez que a imprensa tradicional está escondendo essa denúncia. É claro que há um acordo político entre imprensa tradicional e este governo. Não temos mais o que esperar, a sociedade precisa se movimentar, então nos juntamos para dar visibilidade a esses crimes que não podem ser esquecidos”, aponta Sônia, em crítica à atuação dos veículos privados de comunicação.
“Não se trata de advogados a serviço de um partido, com pareceres pagos por este partido, de 45 mil. Trata-se aqui de moimentos sociais que se organizaram para apresentar este pedido”, destaca o professor de direito da Unb, Marcelo Neves, em referência ao pagamento aos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, responsáveis pela elaboração do pedido de impeachment de Dilma Rousseff e encomendado pelo PSDB.
Para o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Alexandre Conceição, o pedido de impeachment possui caráter político ao denunciar o projeto de retirada de direitos, projeto este empreendido por Temer e sua base aliada, bem como caráter jurídico, ao denunciar a violação de preceitos constitucionais pelo presidente. “Acompanhando toda a conjuntura econômica, observando o quanto tem sido prejudicial aos direitos sociais, implementando uma pauta que não foi eleita e observando as falcatruas do governo, elaboramos coletivamente o pedido de impeachment. Este pedido tem muito a ver com a luta do povo brasileiro porque são os movimentos populares que estão pedindo, com apoio de deputados e senadores”, diz.
Além dos representantes de organizações citados acima, o pedido é assinado Carina Vitral (UNE), Carolina Tokuyo (Fora do Eixo), Carolina Proner (jurista), Clayton (Mídia Ninja), Denildo (Comunidades Negras Rurais Quilombolas), Edson da Silva (Intersindical), Gabriel dos Santos (ANPG), Guilherme Boulos (MTST), Juvelino Strozacke (jurista), Leonardo Yarochevsk (jurista), Luana Pereira (Levante Popular), Lúcia Rincón (UBM), Raimundo Bonfim (CMP) e Wanderley (CONAM).
Crimes de responsabilidade
Calero relatou em depoimento à PF que realizou três conversas com Temer sobre a situação envolvendo Geddel. Nestas ocasiões relatou a pressão que vinha sofrendo por parte do ex-Secretário de Governo para intervir na liberação da obra.
Sustentado na Lei 1.079/1950 que trata de crimes de responsabilidade em atos do Presidente contrários aos preceitos constitucionais, o pedido de impeachment destaca a omissão de Temer diante da pressão sofrida por Calero. “O fato do Sr. Presidente da República tomar conhecimento de tais condutas e se envolver diretamente com a questão, sem tomar qualquer providência para que, no mínimo, o Sr. Geddel Vieira Lima se abstivesse das condutas violadoras das normas que protegem à Administração Pública das ações de agentes públicos em conflito com o interesse público, já configura a prática do crime de responsabilidade”, declara a peça jurídica.
O documento também destaca o fato de Temer servir-se do seu alto grau de comandante do Estado brasileiro para incidir em seus subordinados para conferir vantagem a alguém. “Não só não foi essa a providência do Sr. Presidente da República, Michel Temer, como acabou por chancelar o interesse privado do Ministro Geddel, como se assunto de interesse público ou, como nas palavras da nota, como que para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre ministros de Estado”, aponta a peça.
“É uma conduta que sem dúvida nenhuma preenche um tipo penal, a conduta do presidente ao acobertar uma alta autoridade do poder executivo que agiu confessadamente por interesses próprios, o ex- secretario Geddel, é censurável do ponto de vista da moralidade da administração pública e idoneidade do agente público, ainda mais sendo agente máximo”, denuncia a professora de direitos humanos e internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carol Proner.
Integrante de um coletivo de advogados pela democracia, Carol problematiza o discurso assumido pela base aliada do governo, e aceita pela sociedade, de que a destituição da ex-presidente tinha intenção de combate à práticas de corrupção e a sequência dos fatos denunciados. “ A opinião pública foi unânime em censurar a conduta do presidente imaginando o momento em que ele censuraria a conduta do ex-ministro Geddel. No entanto, não houve esta censura pelo presidente. Fere de morte a ideia de moralidade daqui para a frente. Como estamos num momento histórico que fatos são diuturnos, em que os fatos se sucedem numa velocidade muito grande, a impressão que dá que este fato fica para trás nos acontecimentos diários. Qual é efetivamente a mensagem que um presidente da república quer passar quando é cúmplice do cometimento de um crime de grave relevância para o poder público, censurado por toda a legislação e normativa das altas autoridades?”, questiona. “Não há nenhum argumento que possa evitar a responsabilização do máximo cargo da República”, conclui Carol.
Apoio de parlamentares
No dia 28 de novembro, os líderes da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), protocolaram uma representação contra Michel Temer na Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigação do caso. A sustentação da representação é o cometimento de crime de concussão (exigir vantagem indevida para si ou outro) e crime de advocacia administrativa (patrocinar interesse privado perante a administração pública). A deputada relata que foram feitos diversos requerimentos de investigação. De acordo com parlamentares do PT e PCdoB presentes no momento em que foi protocolado o pedido de impeachment, a ação dos movimentos fortalece a representação junto à PGR.
No mesmo dia (28) o PSOL protocolou pedido de impeachment de Temer, com base em sustentação semelhante à peça assinada pelos coletivos. De acordo com o advogado Gabriel, há possibilidade das peças se somaram no momento de apreciação pelos parlamentares.