Movimentos do campo e cidade repudiam a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF
Por Lizely Borges
Da Página do MST
Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, deve ser empossado no próximo dia 22 de março. De acordo com regimento da Corte, a posse deve ocorrer após 30 dias da publicação da nomeação no Diário Oficial da União (DOU). Em edição extra do dia 22 de fevereiro, mesma data da aprovação da indicação do ministro pelo Senado, Moraes foi oficialmente nomeado por Michel Temer para assumir a vaga de Teori Zavascki, morto em janeiro em um acidente aéreo no litoral do Rio de Janeiro.
Antes da aprovação pela plenário do Senado, a indicação de Alexandre para o Supremo foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da mesma casa legislativa, no dia 21 de fevereiro. Tanto na comissão, composta por 27 senadores, quanto na votação em plenário, o nome de Alexandre para o cargo não encontrou resistências e foi aprovado com folga. Na CCJ foram 19 votos favoráveis contra 7 contrários à indicação. Já entre o conjunto dos senadores, 55 deles votaram a favor e 13 contra. Nesta última deliberação, 13 senadores não se manifestaram. Para aprovação pela casa, era necessário maioria simples dos 81 senadores.
Para os movimentos populares, bem como para a oposição ao governo, a controversa indicação de Alexandre por Temer, seu amigo pessoal, e aprovação pelo legislativo e judiciário evidenciam o alinhamento entre os poderes na tentativa de blindar os partidos e os parlamentares governistas em investigações. “A nomeação de Alexandre é a prova de que o governo e a maioria do parlamento estão de costas para a população. Os campos institucionais estão viciados, eles construíram um grau de hegemonia completa”, aponta o membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos.
Só o presidente Temer foi citado 43 vezes na delação do Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht. Sua base de apoio também está sob investigação na Operação Lava-Jato: o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, foi mencionado 43 vezes nas delações. Já o ministro-chefe da Secretária-Geral da Presidência, Moreira Franco, 34 vezes.
“É um absurdo que o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) mantenha sob sigilo o relato da Polícia Federal que denuncia o repasse de R$ 4 milhões de empresa investigada pela operação Acrônimo a Alexandre”, denuncia o coordenador nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), Denildo Rodrigues de Moraes. Sem acesso aos documentos da investigação, os senadores que sabatinaram Moraes não puderam se aprofundar nas denúncias que o envolvia.
Coordenada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, a Operação Acrônimo apreendeu documentos que apontam o repasse da quantia por uma das empresas investigadas, a JHSP Participações, ao escritório de advocacia de Alexandre. Em setembro de 2016, o ministro Luiz Fux decidiu pelo arquivamento do processo. A decisão não envolveu nenhum outro magistrado e não realizou consulta à Promotoria, processos habituais nestas ocorrências.
Em sabatina no Senado, Alexandre defendeu-se das acusações de recebimento de dinheiro e alegou que não há indícios ilegais nas transações comerciais.
Denúncias
Além da acusação de recebimento de recursos ilícitos, Alexandre de Moraes acumula outras denúncias. O ex-ministro foi acusado de haver acessado informações privilegiadas da Operação Lava-Jato. Em setembro do ano passado, já ministro, Moraes adiantou ilegalmente uma nova operação. Em dezembro, a Comissão de Ética da Presidência (CEP) arquivou o processo contra ele.
Recaem sobre ele também a acusação de plágio acadêmico do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente. Em denúncia divulgada na Folha de São Paulo, foi revelada a cópia integral de trechos da obra do espanhol no livro “Direitos Humanos Fundamentais”, publicado em 1997 por Moraes.
O ex-ministro da Justiça também é acusado de ter representado, pelo seu escritório, em mais de uma centena de ações, uma cooperativa de transportes investigada por ligações com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), durante o período que esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. A postura repressora de sua gestão às manifestações populares também é destacada pelas organizações sociais.
“A nomeação para ministro do STF significa reforçar a tese do encarceramento em massa de pessoas, aumentar o número de pessoas em presídios e inviabilizar qualquer recuperação do ser humano. O Alexandre tem origem no Ministério Público, e por sua natureza, é uma instituição de perseguição, de encarceramento, de colocar na cadeia a qualquer custo. É um risco enorme apara a cidadania. Já está provado que encarcerar não resolve. A nomeação é um grande erro, para a República, para a cidade e para todos os cidadãos no Brasil”, comenta o advogado do MST, Ney Strozake.
Reputação ilibada e notável saber
De acordo com o artigo 101 da Constituição Federal, os ministros do STF devem apresentar “notável saber jurídico e reputação ilibada”. Na avaliação dos movimentos populares e organizações de direitos humanos, o conjunto de denúncia que recaem sobre Alexandre e a sua proximidade com Temer, e com membros do chamado grupo majoritário do Congresso Nacional, tornam o nome do ex-ministro da Justiça inábil para o cargo. A Constituição também determina que os ministros não podem ser vinculados a nenhum partido político. Moraes desfilou-se do PSDB pouco antes de ser submetido à sabatina.
“Alexandre é acusado de plágio, abusa de prerrogativas exigidas para o cargo, apresenta conflito de interesses, entre outras denúncias. A qualquer pessoa, estas denúncias causariam constrangimento, no mínimo. Como possui apoio da maioria do legislativo e do executivo, estas denúncias são só esculhambação”, aponta Boulos. Confrontado na sabatina, Alexandre afirmou que atuará “com imparcialidade, coragem, dedicação, sincero amor à causa pública”, além de reafirmar sua “independência” e negar todas as acusações.
Manifestações contrárias
Desde a indicação de Alexandre de Morais pelo presidente Michel Temer, no início de fevereiro, organizações e movimentos populares se manifestaram contrários ao nome apresentado. Na véspera da sabatina no Senado, foram realizadas manifestações em São Paulo e no Rio de Janeiro. O Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mais antiga agremiação estudantil do país, entregou à CCJ no dia 20 de fevereiro um documento de repúdio à nomeação de Alexandre ao STF. No ato, o abaixo-assinado continha a assinatura de 270 mil pessoas. Até o fechamento desta matéria, a plataforma online de coleta somava cerca de 323 mil assinaturas.
A reprovação ao nome de Alexandre para o cargo de ministro do STF também movimentou o parlamento. Logo após o anúncio da indicação, deputados do PT e do PSOL ingressaram com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR). O documento destaca os interesses de Temer na nomeação. “O país testemunha, estupefato, a execução de um ato pelo qual o Presidente da República deliberadamente indica alguém para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, não com finalidade de aprimorar o corpo técnico daquela Corte, mas tão somente de colocar um homem de sua absoluta confiança, membro de seu governo e filiado a partido político componente da coalizão que forma sua base de apoio”, destaca a representação.
Novo Ministro da Justiça
Para substituir Moraes no Ministério da Justiça e Cidadania, Temer indicou o deputado federal Osmar Serralio (PMDB-PR). Coordenador jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Serraglio foi relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere para do Executivo para Legislativo a responsabilidade pelas demarcações de terras indígenas.
“A pauta indígena, dos quilombolas e a da Reforma Agrária para os trabalhadores rurais sofre mais um duro golpe com a indicação de Serraglio para o Ministério da Justiça. Somado à nomeação de Alexandre de Moraes no STF, teremos um cenário de intensificação da criminalização dos movimentos populares pela ação institucional do Estado brasileiro”, denuncia o membro da Coordenação Nacional do MST, Alexandre Conceição.
Populações indígenas e organizações em defesa dos povos das florestas apontam que a PEC garante as condições de exploração dos territórios pelo agronegócio e constitui uma grave ameaça aos povos indígenas. A matéria está pronta para ser votada pelo plenário da Câmara de Deputados.
*Editado por Leonardo Fernandes