A cultura popular e a construção de agroecologia no campo
Solange I. Engelmann*
Do Global Sustentável
Discutir sobre cultura é muito mais do que falar de arte. A arte é somente um dos aspectos da cultura, pois a cultura aborda o modo de vida e a organização da existência de um povo.A cultura também é política. Pois, somente é possível construirmos uma cultura dentro de um projeto político-ideológico de sociedade.
Diante disso, para os movimentos populares do campo no Brasil, a cultura popular representa uma forma de resistência, enfrentamento ao modelo hegemônico do capital e de luta continua em defesa de outro projeto cultural e político para o país.
Como aponta García-Canclini (1983)¹ , as culturas populares são o resultado da interação das relações sociais, que se desenvolvem a partir das condições materiais de vida dos sujeitos, no cotidiano e no trabalho material.
Nesse sentido, Juliana Bonassa, coordenadora do Coletivo Nacional de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ressalta que o fortalecimento da cultura depende da luta política e o seu enraizamento somente ocorre através de um trabalho de base com os camponeses no campo. “A cultura é a alma e a arma de todo o povo que luta. Não existe luta sem uma cultura política que busca a emancipação”² , explica Juliana.
Diante disso, o processo educacional e formativo é fundamental desde a infância, para a internalização de relações sociais mais igualitárias e democráticas. Combatendo todas formas de opressão e discriminação presentes na sociedade atualmente, como o machismo, racismo, a LGBT fobia, entre outros, repensando as relações entre os diversos sujeitos do campo e ressignificando a cultura popular.
Nesse contexto, os movimentos populares do campo brasileiro defendem a implantação de um outro modelo de agricultura e de vida na terra, baseado em práticas de cultivos e manejos agroecológicos, em equilíbrio com a natureza.
Guhur e Toná (2012)³ indicam que se encontra em debate uma visão mais ampliada de agroecologia, gestado pelas organizações populares, que a consideram como parte de suas estratégias de luta e resistência ao modelo do agronegócio e ao sistema capitalista, que explora os trabalhadores e destrói a natureza.
Na concepção de movimentos populares como a Via Campesina4 e o MST, “a agroecologia inclui: o cuidado e defesa da vida, produção de alimentos, consciência política e organizacional”, explicam Guhur e Toná (2012, p.64).
Desse modo, a massificação da agroecologia no campo brasileiro trata-se de um programa político e cultural, que propõe o estabelecimento de novas formas de vida e a ressignificação das práticas culturais, objetivando a construção de uma cultura popular com novas relações sociais entre os camponeses e a natureza.
Isso ocorre a partir do desenvolvimento de práticas de manejo que respeitam a biodiversidade, com o cultivo de policulturas, agroflorestas, que desenvolvem a diversidade de culturas, saberes, cores, sabores, etc. E criam relações mais equilibradas entre os camponeses, que produzem alimentos e os cidadãos, que consomem.
Para Silviane Guilherme, integrante do setor de cultura do MST no Paraná5 , isso gera uma nova dimensão simbólica e estética em relação à vivência nas comunidades rurais e explicita o antagonismo da agroecologia com o agronegócio e da cultura popular com a indústria cultural.
“A relação do agronegócio é o monocultivo, uma única cor, sem diversidade. Isso a gente tenta combater na agroecologia, com a multiplicidade dos cultivos, a diversidade de cores, outras relações, de quem está no dia a dia, trabalhando, fazendo arte. Isso se relaciona com a produção de alimentos, com a terra e cria novas relações, uma arte ou uma nova cultura”, destaca Silviane.
Portanto, a prática dos camponeses e camponesas concebe a gestão de uma nova cultura popular e política no campo brasileiro, mediante um outro jeito de produzir alimentos, baseado em uma matriz de produção agroecológica, mais consciente no respeito à natureza.
Bem como se promove o resgate de saberes tradicionais e populares e a geração de melhores condições de condições de vida aos sujeitos do campo, a partir dos processos de organização e luta política dos movimentos populares.
“AgroecologiaÉOCaminho para a mudança das relações sociais, construção de novas ações políticas e ressignificação da cultura popular!
1. GARCÍA-CANCLINI, Nestor. As Culturas Populares no Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
2. Com informações de Anderson Moreira (2018). “A cultura é a alma e a arma de todo o povo que luta”. Disponível em:
3. GUHUR, Dominique, M.P.; TONÁ, Nilciney. Agroecologia. In: ALENTEJANO, P.; CALDART, R. S.; FRIGOTTO, G.; PEREIRA, I. B. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio e Expressão Popular, 2012. p. 57-65.
4. Organização internacional de camponeses, pequenos e médios produtores, Sem Terra, indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas de todo o mundo. Criada em 1993 em Mons, na Bélgica, agrega 150 organizações locais e nacionais de 70 países, localizados em quatro continentes (África, Ásia, Europa e América). A principal bandeira é a defesa da agricultura sustentável, combate ao modelo do agronegócio e das multinacionais, justiça social e dignidade para os camponeses. Disponível em: < www.viacampesina.org>.
5. Entrevista realizada durante a 17ª Jornada de Agroecologia, de 06 a 09 de junho, em Curitiba-PR. Disponível em:
*Doutora em Comunicação e Informação, mestre em Ciência Sociais, jornalista e militante do MST.
*Editado por Rafael Soriano