A Independência do Brasil revisitada

Em comemoração ao 2 de Julho, celebra-se a verdadeira independência, quando grupos populares resistiram em nome do país
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“O Primeiro Passo para a Independência da Bahia”.
Quadro: Antônio Parreiras

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

 

A história do Brasil é repleta de páginas em branco, narrativas não contadas e histórias que grande parte da nação conhece pouco. E a independência do reino de Portugal não é diferente. Ao contrário do que muitos acreditam, a Independência do Brasil não ficou estabelecida com o discurso de D. Pedro I em Sete de Setembro de 1822, mas sim com a luta popular na Bahia. 
 

Desde 1831, o 2 de Julho é comemorado com festividade. A data era parte do calendário na “Província da Bahia”, e hoje rememoramos as lutas e resistência de quase duzentos anos de história. 

A resistência armada e os conflitos diretos fizeram parte da história da independência do Brasil, principalmente no Nordeste do país, onde Portugal estava mais presente e era, na época, uma das maiores potências mundiais. 
 

“Os exércitos portugueses estavam estabelecidos na região Nordeste e a Bahia acabou sendo o local aonde aconteceram os embates mais duros. Essas tensões eclodiram na luta pela independência, porque uma parte dos portugueses que estavam na Bahia e que dominavam o comércio local queriam voltar a ter poder, enquanto a outra parte das elites já nacionais queriam se estabelecer neste poder”, afirma Marcos Rezende, do Coletivo de Entidades Negras (CEN) na Bahia.
 

Em 1798 alguns dos ideais da Revolução Francesa já rondavam o estado pela Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates. Com grande participação popular, a revolta trazia como bandeira a luta por uma república independente e a libertação dos homens e mulheres que foram escravizados e, embora demorasse quase um século para que estas demandas fossem alcançadas, o processo de independência começava com aquelas manifestações.
 

Com a chegada do Brigadeiro Madeira de Mello para o comando das Armas na Bahia, em fevereiro de 1822 os soldados lusos tomam Salvador e intensificam a guerrilha urbana, conta Marcos Rezende. “Como alguns rebeldes e grupos de luta não conseguiam mais ficar na capital, os portugueses começam a conquistar mais espaços pela Bahia e aqueles revolucionários e tropas fogem para o Recôncavo Baiano, aonde a resistência encontra fôlego.”

Mulheres da Independência

 

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Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica.
Arte: Reprodução

Neste contexto surgem nomes como Maria Felipa, Joana Angélica, Maria Quitéria, além de outras mulheres desconhecidas e anônimas, que hoje são símbolos de resistência e luta de um povo que buscava a liberdade. Maria Quitéria, como a primeira mulher a entrar nas forças armadas brasileiras; Maria Felipa, da Ilha de Itaparica, como liderança de um grupo de mulheres negras que queimou embarcações portuguesas; e a freira Joana Angélica, do Convento da Lapa, que resistiu e se lançou na frente da tropa portuguesa, tentando impedi-los de entrar no Convento em busca de combatentes.

Fabya Reis, secretária de Promoção da Igualdade Racial na Bahia, defende que este espírito de luta permanece até hoje. “Neste momento em que celebramos 196 anos de independência da Bahia exaltamos este movimento de homens e mulheres que lutaram pelo direito de sua liberdade e pela soberania nacional”, lembra Reis. 

As batalhas do Recôncavo baiano com os brasileiros foi reconquistando gradativamente o controle das cidades do Recôncavo. A batalha decisiva foi a de Pirajá, no subúrbio de Salvador e o 2 de julho de 1823, quando brasileiros entram em Salvador e expulsam as tropas portuguesas. 

Para Marcos Rezende, os meses entre 1822 e 1823 foram marcados de luta e resistência popular. “Ao mesmo tempo em que se combatia a elite portuguesa e a força estrangeira no país, o povo se afirmava perante as elites locais que queriam que a maioria tivesse um papel pequeno ou que lutasse sem colocar suas bandeiras na pauta, como o racismo, a luta do campo e da cidade e as estruturas coloniais”. Segundo ele, é esta força que faz do 2 de Julho uma data tão importante.

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Festa da Independência da Bahia, 2011.
Foto: Creative Commons

“Há também nestas narrativas a construção da figura do caboclo como a síntese da mistura brasileira. Embora esta figura seja pensada a partir do conceito teórico de Gilberto Freire do ‘brasileiro cordial’, a narrativa do caboclo acaba criando uma credibilidade, porque vem com características negras e indígenas, ressaltando a lança e a luta pela terra daqueles nativos simples que lutaram contra o branco português”, completa Marcos Rezende.

Nesse sentido, Fábia Reis também ressalta a importância da luta popular dentro da independência. “Este episódio recupera a participação de marisqueiras, pescadores, recém-libertos da escravização, tendo esse apelo popular”, defende.

Ela compara com a atual conjuntura, ao afirmar que “a luta por liberdade, igualdade e por direitos, neste momento histórico, em que vemos sobretudo a nossa soberania sendo ameaçada e questionada pelo imperialismo, nos anima. Essa celebração com o povo baiano nas ruas, dando esse grito mais uma vez recuperando as suas memórias de resistência, é muito forte”, pontua a secretária.

A expectativa, segundo os entrevistados, é que estas memórias possam fazer ressurgir o espírito de resistência. “O que sofremos hoje é muito parecido com aquele momento, porque novamente estamos sendo submetidos aos ataques estrangeiros. Assim como eles, damos um basta à essa situação. Esse é o nosso espaço de luta, de disputa por narrativas e de desejos em ter um Brasil independente em que caibam todos”, conclui Marcos Rezende.

 

*Editado por Wesley Lima