Juventude e a luta pela Educação do Campo

Artigo ressalta importância da juventude na na conjuntura atual e sua relação com a educação do campo

Por Juliana Mello* 
Da Página do MST

 

As temáticas da juventude e da Educação do Campo precisam ser entendidas em meio às disputas por terra, ao modelo de produção e ao desenvolvimento para o campo. É na condição de luta que os camponeses e camponesas recriam suas histórias, propondo e construindo um projeto de formação humana e sociedade.

É nesse bojo que, na segunda metade da década de 1990, a Educação do Campo emerge como uma das principais ferramentas ideológicas em contraposição à perspectiva de campo como atraso e do sistema de produção capitalista como desenvolvimento e salvação. É uma concepção desenvolvida a partir das experiências dos movimentos sociais e povos da terra, das águas e das florestas, que consideram seu lugar como de vida, trabalho e cultura.

No processo de consolidação do agronegócio, a juventude camponesa se evidencia no cenário político como uma preocupação. Tal sistema aprofunda a exclusão social e promove a expulsão massiva dos jovens do campo. A politização deste fenômeno é essencial, tendo em vista que na literatura clássica é tratado como um simples desinteresse pelo campo e atração pela cidade. Sair do campo não é uma opção da juventude, mas é o resultado da negligência de direitos fundamentais, em especial acesso a terra, trabalho e renda, e educação.

Para nos reconhecermos em nossos territórios, aprendemos que é necessário enfrentar os problemas da realidade que condicionam nossas vidas. Assim, além da resistência, é na ousadia que está fundamentada nossa identidade de juventude camponesa. Apesar das marcas da desigualdade e do cotidiano repleto de contradições, viemos nos autoafirmando como sujeitos políticos na defesa de nosso interesses.

É nesse contexto que a luta pela Educação do Campo tornou-se bandeira central entre a juventude, para permanecer no campo com acesso à escolarização e com uma proposta de formação que corresponda aos nossos anseios. Forjamos nos últimos anos um alargamento do nosso ideário de educação junto a sociedade brasileira. O acesso da Educação Infantil até o Ensino Superior deixou de ser privilégio, e passou a ser interpretado como um direito conquistado pelos trabalhadores e trabalhadoras.

Nesse processo, a trajetória de lutas dos camponeses e camponesas que historicamente foram marginalizados fez da Educação do Campo a referência de um direito a ter direitos. Essa noção, mais do que nunca, está em conflito com o projeto ultraconservador neoliberal que vem sendo implantando no Brasil.

Não há nenhum apreço pela Educação do Campo e pelos direitos da juventude em um projeto de desenvolvimento de país que ameaça a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, que destrói a natureza, libera agrotóxicos e incita a violência como forma de resolução dos problemas sociais.

Um dos marcos importantes da Educação do Campo, que possibilitou a elevação do nível de escolaridade da juventude e possibilitou formar educadores que atuam em seus territórios e trabalham nas escolas em outra perspectiva, foi o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Foram realizados 320 cursos via em 40 instituições, e se formaram 165 mil educandos no ensino fundamental e médio e em cursos técnicos e de nível superior.

Esse programa, que apoia projetos de educação voltados para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária, é uma das políticas que está sob risco de ser extinta. Os ataques do atual governo à Educação do Campo iniciaram em sua campanha eleitoral, quando até em modalidade “à distância” Bolsonaro anunciou como alternativa para este ensino.

Atualmente suas ameaças contém um conteúdo ideológico de padronização cultural e criminalização dos sujeitos que lutam, bem como explicitam o risco dessas políticas serem interrompidas com os cortes de investimentos públicos. A educação é cada vez mais pressionada pelo capital para servir ao seu aspecto funcional de mercado. Isso fortalece a lógica neoliberal na formação da juventude, levando a desenfreada concorrência para disputar um lugar na sociedade em permanente competição.

Por outro lado, a educação sempre significou um espaço de disputa de hegemonia também da classe trabalhadora. Aqui, é necessário reconhecer que os acúmulos da Educação do Campo não são poucos, principalmente no que se refere a construção de uma proposta emancipadora. Temos um legado que nos projeta a ser resistência nessa árdua conjuntura.

A defesa da educação pública de qualidade e da Educação do Campo nos colocará diante de um longo período de batalhas. A juventude não deve naturalizar os retrocessos, mais do que nunca, precisa conspirar, reposicionar seu papel como estudante, nas escolas e nas mobilizações. Nosso desafio é defender nossos direitos e nos forjar nesse tempo que exige luta, sobretudo nos processos que nos unificam junto a juventude brasileira.

 

*Juliana Mello integra o Coletivo de Juventude do MST no estado Paraná​
**Editado por Fernanda Alcântara