10 anos do assassinato: Elton Brum, presente! Agora e sempre!

Sem razão ou motivo justificável, um tiro a queima roupa tirou a vida de Elton Brum

 

Por Emiliano Maldonado*
Da Página do MST

 

Sem Terra Elton Brum da Silva.jpg

“Yo pregunto a los presentes
Si no se han puesto a pensar
Que la tierra es de nosotros
Y no del que tiene más.
Yo pregunto si en la tierra
Nunca habría pensado usted
Que si las manos son nuestras
Es nuestro lo que nos den.
A desalambrar a desalambrar
Que la tierra es mía tuya y de aquel
De Pedro maria de Juan y José […]”
(
Daniel Viglietti – A Desalambrar!)

Há exatos dez anos, no amanhecer do dia 21 de agosto de 2009, o trabalhador rural Elton Brum da Silva era assassinado pelas costas. Sem razão ou motivo justificável, um tiro a queima roupa de uma espingarda calibre doze, proferido pelo policial militar Alexandre Curto dos Santos, ceifou a vida de um camponês que sonhava ter um pedaço de terra para plantar e poder criar a sua família com dignidade. Esse homicídio qualificado, cometido durante uma desastrosa e ilegal ação de despejo forçado na Fazenda Southall, latifúndio de milhares de hectares em São Gabriel, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, deixou filha, esposa e um pai já idoso desamparados.
 

Naquele fatídico dia, além de Elton, dezenas de campesinos sentiram a violência do aparato policial militar, que perpetrou agressões, danos e torturas, inclusive contra idosos, mulheres, jovens e crianças, violências documentadas e comprovadas pelos relatórios do Comitê Estadual Contra a Tortura. Em verdade, o único crime das famílias Sem Terra era o de exigir o cumprimento da função social da propriedade e a realização da política de Reforma Agrária prevista na Constituição Federal de 1988. Seus companheiros de acampamento recordam que Elton estava desarmado, não apresentava resistência, apenas buscava um local para se proteger de tamanhas violências.
 

Foto - Letícia Stasiak _ Arquivo MST-RS.jpg

Desde aquele período os movimentos sociais sofriam com a violência e criminalização. Inúmeros casos similares atestavam que se espraiava e normalizava um regime de exceção neoliberal contra as organizações populares, algo que tem se agravado a cada dia em nosso Brasil.
 

Contudo, mesmo com as dificuldades e perdas, temos certeza que aquela luta era justa, pois o latifúndio de mais de 7 mil hectares, palco do assassinato, foi considerado improdutivo pelo estado brasileiro e teve parte das suas terras destinadas à Reforma Agrária. A ação abrigou cerca de 225 famílias no assentamento Conquista de Caiboaté, que  hoje se dedicam à agricultura familiar na região e produzem alimentos saudáveis.
 

No entanto, no “aniversário” da morte do companheiro Elton, é importante mencionar que durante esses dez anos inúmeros artifícios burocráticos e procrastinatórios têm dificultado a responsabilização civil do estado e a responsabilização penal do autor material do assassinato.

No âmbito civil, mesmo já tendo transitado em julgado o processo que responsabilizou o Estado do Rio Grande do Sul pelos atos cometidos pelo agente policial, resta um longo trajeto até o efetivo pagamento da indenização à família da vítima, a qual aguarda nas infindáveis listas de precatórios devidos pelo ente estatal às vítimas da sua irresponsabilidade.
 

Policial militar Alexandre Curto dos Santos em julgamento, em 2017. Foto Catiana de Medeiros.jpg
Policial militar Alexandre Curto dos Santos em 
julgamento, em 2017. Foto: Catiana de Medeiros

No âmbito criminal, após a confirmação da sentença proferida pelo tribunal do júri, que o condenou a 12 anos de reclusão, na apelação e nos demais recursos apresentados perante o Tribunal de Justiça e Superior Tribunal de Justiça, até o presente momento não há notícias do paradeiro do assassino, que continua foragido. O mandado de prisão foi expedido há cerca de um ano, mas até o momento não se tem notícia de nenhuma operação policial que buscasse dar efetividade ao comando judicial, algo bem diverso do que costumeiramente tem se repetido nos despejos truculentos e ilegais realizados por todo Brasil, sob a chancela daqueles que supostamente juraram defender a justiça.

São tempos difíceis! Como diz a música de Bethânia: “A voz da minha gente se levantou. E a minha voz junto com a dela. Tenho certeza que os donos da terra. Ficariam mais contentes se não ouvissem minha voz. Minha voz não pode muito. Mas gritar eu bem gritei! É um tempo de guerra. É um tempo sem sol. É um tempo de guerra.  É um tempo sem sol...”

E é exatamente por isso que nós, militantes dos direitos humanos e da advocacia popular, seguiremos firmes em busca de justiça. Se há dez anos perdemos um valoroso companheiro, hoje reafirmamos nosso compromisso com sua memória e com a defesa dos que ousam lutar por pão, terra e liberdade!
 

Basta de impunidade nos conflitos no campo e de violência policial!
 

Por nossos mortos nem um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!
 

Elton Brum Vive!
 

Somos todos Sem-Terra!

 

*Emiliano Maldonado é advogado e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e do Instituto de Pesquisa em Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).
 

**Editado por Fernanda Alcântara