O Massacre de Carajás continua impune

Caras amigas e caros amigos do MST,

No início de 1996 centenas de famílias se acotovelavam em barracos improvisados ao longo da rodovia próxima às cidades de Curionópolis e Paraupebas, no oeste do Pará. Era o fim da linha da estrada da Vale do Rio Doce, que despejava milhares de camponeses pobres vindos de todo nordeste sonhando com a terra prometida. Uma terra fértil e abundante, ali diante de seus olhos. Mas cercada pelo latifúndio… Do outro lado da cerca, um latifúndio de 50 mil hectares.

Cansados de esperar, resolveram que parte deles, em torno de mil pessoas, sairíam caminhando em direção a Marabá. Seriam mais de 300 quilômetros de caminhada. E lá foram eles. Assustado com o volume de gente, de pobres, o governador Almir Gabriel prometeu que resolveria, que enviaria cestas básicas e alguns ônibus para transportá-los até Belém, distante mais de mil quilômetros dali, onde negociariam uma solução.

Os caminhantes estavam estacionados na chamada “curva do S”, próximo à cidade de Eldorado dos Carajás, quando, no dia 17 de abril de 1996, veio a “solução” do governo. Logo após o meio-dia chegaram alguns ônibus. Os caminhantes acharam que era o que iria transportá-los até Belém. Os ônibus, no entanto, estavam cheios de soldados da Policia Militar. Um batalhão veio de Paraupebas e não deixou que eles voltassem. Outro batalhão veio de Marabá, e os mil caminhantes ficaram cercados. De um dos lados os policiais ainda usaram um caminhão boiadeiro dos latifundiários locais para impedir que o povo “escapasse”.

Antes de sair de seus quartéis, os soldados tiveram o cuidado de retirar as tarjas da farda que identificam seus nomes. Os fuzis e metralhadoras retirados do depósito também não tiveram registro. Tampouco a munição. Passaram pelo Hospital de Marabá e pediram aos médicos que ficassem de plantão.

O resultado disso tudo vocês já conhecem pela televisão: um massacre. Os soldados atiravam como bestas-feras incontroláveis sobre a multidão de homens, mulheres, crianças. Pobres. Todos no fim da linha da esperança e da migração. Era “para dar uma lição a esses sem-terras vagabundos”, gritavam os comandantes alucinados.

Resultado recolhido ao cair da tarde: 19 mortos, centenas de feridos. Um despero completo. Fala-se em mais mortes, porque as caminhonetes da polícia saíam em disparada com as carrocerias carregadas de corpos. Como a região é de fronteira agrícola e de migrantes – sem família, sem documentos, muitos distantes de suas origens – , ninguém saberá jamais o número total de mortos.
A sociedade chorou. O governo se envergonhou. Criou então o Ministério do Desenvolvimento Agrário e desapropriou as três fazendas reivindicadas, hoje transformadas em assentamentos. Mas custaram muitas vidas.

E os responsáveis pela chacina? Bem, aí é outra história…

O processo judicial foi sendo montado de maneira tal a não identificar os atiradores. Os mandantes sim, se sabia o tempo todo. Os responsáveis também. Mas nenhum deles foi arrolado no processo. Apenas dois oficiais e 158 soldados foram acusados.

Depois de seis anos, em maio de 2002, veio o júri popular para julgar os soldados e oficiais. Todos os soldados foram inocentados (ninguém havia atirado, não havia provas materiais !). E o julgamento dos oficiais que comandaram a tropa no ato condenou-os a mais de 200 anos de prisão. Diante disso, houveram dois recursos: O Ministério Público e os advogados dos sem-terra recorreram para condenar tanto os comandantes quanto os soldados. E os advogados dos oficiais recorreram, para inocentá-los, porque alegavam que não haviam sido dado ordens para matar.

Conclusão: até hoje nenhum responsável, ninguém que participou do massacre de Carajás pagou uma hora sequer na cadeia. Porém, entre os sobreviventes sem-terra morreram mais dois, pelas sequelas das balas, e outros 65 ficaram inválidos para trabalhar na agricultura, aleijados.

Esses recursos finalmente vão a julgamento agora, no Tribunal de Justiça do Pará, não mais por juri popular, mas por alguns desembargadores togados. A data é 19 de novembro, sexta-feira.

Se você acha que o Brasil está cheio de impunidade, se você acha que a sociedade brasileira exige punição aos responsáveis por tão hediondo massacre, escreva para a Presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria Brabo de Souza:
rua Tomazia Perdigão, 310 cep 66015-260 Belem – Pará
correio eletrônico [email protected]

E diga a ela seu sentimento.

O povo e os sem terra só queremos justiça !

João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST e da Vía Campesina Brasil

Breves

Mobilizações pedem agilidade na Reforma Agrária

Esta semana foi marcada por uma série de mobilizações em seis estados brasileiros. Os Sem Terra criticam os rumos da política econômica e a morosidade do governo brasileiro em realizar a Reforma Agrária. A dois meses do final do ano, apenas 44% da meta de assentamentos estabelecida pelo Plano Nacional de Reforma Agrária foi cumprida.

Semana de Nacional de Cultura e Reforma Agrária termina ao som de frevo em Olinda (PE)

Entre os dias 03 e 07 de novembro, a Universidade Federal de Pernambuco esteve ocupada por mais de 2.000 trabalhadores rurais ligados do MST. A II Semana Nacional de Cultura e Reforma Agrária foi encerrada em Olinda, onde os camponeses subiram as ladeiras ao som de frevo. No evento, várias atividades, sempre com o foco na cultura popular: shows, feira de produtos e artesanatos dos assentamentos, além de painéis, oficinas e debates.

Festival Latino Americano de Música Camponesa

Entre os dia 17 e 21 de novembro, o MST, em parceria com o Governo do Estado do Paraná vai realizar o I° Festival Latino Americano de Música Camponesa, no Parque Nilton Freire Maia (antigo Parque Castelo Branco), e no auditório do Canal da Música, em Curitiba (PR). O objetivo do Festival é resgatar a cultura camponesa e latino americana.

Cartas

Estou encantada e esperançosa com o trabalho e luta do MST! Sou professora da rede pública municipal de Recife e me sinto solitária em meu trabalho de construir alunos cidadãos, pois os professores estão insensíveis à extrema importância desse trabalho nas escolas dos filhos de trabalhadores. De hoje em diante o MST, seus objetivos,seus princípios,lutas e conquistas serão tema de estudo mais aprofundado em minhas aulas. Marcia Maria Del Guerra.

Em nome do Povo Palestino agradecemos ao MST nossa participação no II Encontro Nacional da Cultura e da Reforma Agrária – realizado em Recife nos dia 3 a 7 de novembro de 2004. Aprendemos muito com a experiência e somos agradecidos pelo apoio e pela solidariedade a Causa Palestina, causa esta da humanidade. Comitê Palestina Pátria Livre.

Sou estudante de uma escola particular na zona sul do Rio de Janeiro. Há alguns dias atrás o meu professor de Geografia levou as turmas de 1 ano para um acampamento Sem Terra em Santa Cruz e pude aprender várias coisas sobre o movimento. Eu acredito que esse tipo de troca é muito importante para que todos possamos conhecer o movimento e para que este dê certo, promovendo a criação de uma sociedade mais igualitária onde todos tenham os mesmos direitos. Lina