Por uma Reforma Agrária genuína, integral e participativa
Caros amigos e amigas do MST,
Compartilhamos com você um texto nesta ocasião da II Conferência de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que será realizada de 7 a 10 de março de 2006. Porto Alegre será o local deste encontro, que pretende discutir, entre outros assuntos, que tipo de Reforma Agrária os países devem adotar. Para nós, a escolha do Rio Grande do Sul é simbólico para o modelo agrícola que está em curso atualmente: o estado teve um dos piores desempenhos no Brasil, com pouco mais de 200 famílias Sem Terra assentadas nos últimos quatro anos. Mais de 2.600 continuam acampadas à beira de latifúndios improdutivos. É o reflexo de uma política que prioriza o agronegócio, ao invés da agricultura familiar. A exportação, em detrimento da alimentação do povo brasileiro. É para garantir um futuro melhor que a Via Campesina Internacional e o MST estarão em Porto Alegre, discutindo e construindo alianças que possibilitem alterar a correlação de forças no campo.
POR UMA REFORMA AGRÁRIA GENUÍNA, INTEGRAL E PARTICIPATIVA
Por Fausto Tórrez, nicaraguense, membro da Via Campesina Internacional e dirigente da Campanha Global pela Reforma Agrária
As organizações da Via Campesina, movimento internacional de camponeses e camponesas, pequenos e médios produtores, mulheres rurais, indígenas, sem-terra, jovens rurais e trabalhadores agrícolas da Ásia, África, Europa e continente americano, consideram de muita importância a realização de Conferência de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, que será realizada de 7 a 10 de março, em Porto Alegre, Brasil.
Depois de duas décadas da última Conferência, em 1979, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, siglas em inglês), em coordenação com o governo do Brasil, propõem-se a impulsionar esta Conferência. Reconhecemos que se trata de uma das mais importantes tarefas que os governos, agências internacionais e o movimentos sociais devem promover para erradicar a fome e a pobreza.
1. QUE REFORMA AGRARIA EXIGIMOS?
Uma Reforma Agrária genuína e integral, que incorpore uma visão cósmica entre o espaço, o território, a água e a biodiversidade. Uma Reforma Agrária que comece por um amplo processo de distribuição da propriedade da terra. A posse e uso da terra devem estar subordinados ao princípio de que só têm direito à terra quem nela trabalha, depende dela e nela reside com sua família.
Uma Reforma Agrária que ajude à reintegrar os camponeses a sua terra e que regule a migração entre campo-cidade e outros países. A Reforma Agrária não é só partilha de terras. De sua aplicação implica o desenvolvimento humano, a geração de empregos, a produção camponesa de alimentos para abastecer o mercado local.
Defendemos o princípio da propriedade social da terra. Não pode haver especulação e deve-se impedir que as empresas capitalistas (industriais, comerciais, financeiras) se apoderem de grandes extensões de terra.
Toda Reforma Agrária genuína e integral se caracteriza por democratizar a estrutura agrária, o que pressupõe transformar as relações de poder econômico e político, causadores da reprodução da concentração agrária.
Esta Reforma Agrária, deve proibir a mercantilização do direito de produzir e de realizar um controle da produção que limite a produção especializada para a exportação e que garanta a soberania alimentaria de seus respectivos povos. Enquanto a política redistribua, antes de tudo, a desapropriação obrigatória de terras privadas que não cumprem sua função social. Redistribuir terra e poder, alterando as relações de força na sociedade em favor do campesinato e das coligações que a apóiam, nada tem que ver com as transações patrimoniais privadas financiadas pelo Estado.
Um processo que não exclui a pescadores, indígenas, camponeses sem-terra, pastores, pequenos e médios produtores, uma Reforma Agrária que garanta o acesso total sobre a terra e seus recursos. Uma Reforma Agrária que dê garantias legais aos camponeses (as) que recorreram à tomada de terras para sobreviver, uma reforma agrária que garanta a propriedade real sobre a terra e afaste o fantasma da contra reforma agrária.
2- POR QUE NOS OPOMOS À REFORMA AGRÁRIA QUE PROMOVE O BANCO MUNDIAL?
Consideramos inaceitável a ingerência que promove o Banco Mundial para exercer programas de política agrária em nossos países, cujas conseqüências são liberar os mercados agrários. É uma extensão dos planos de ajuste estrutural que tem a nossos países na extrema pobreza, aumentando a brecha entre pobres e ricos. Leva a mercantilização dos serviços básicos e da terra, a água e a biodiversidade, diminuindo o papel do Estado. Com isso, deixam o controle nas mãos da oligarquia financeira, promovendo paliativos focalizados de “alívio” da pobreza.
A visão de uma nova política de Reforma Agrária e desenvolvimento rural pró-pobre, que apareceu numa declaração antecipada da conferência mundial de Porto Alegre, parece-nos um conceito cheio de armadilhas, uma polissemia que seu propósito é disfarçar ante a sociedade a ingerência do Banco Mundial. Não podemos aceitar uma declaração mascarada, entre a ingerência e a aparente ingenuidade, de que se estamos falando de uma verdadeira Reforma Agrária.
É inaceitável que um organismo da qualidade da FAO e o governo do Brasil façam apologia do fracasso. Estudiosos do tema e a práxis refletem que as Reformas Agrárias de mercado, experimentada na África do Sul, Colômbia, Brasil e na Guatemala, ficaram muito abaixo das expectativas. Indicar que este modelo tem êxito é negar a Reforma Agrária.
Que esperamos desta Conferência Internacional sobre a Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (ICARRD)?
Que seja um espaço de interlocução entre os movimentos sociais, os governos e agências multilaterais para por em perspectiva o tema da Reforma Agrária em benefício dos atores principais: os camponeses (as), pescadores, indígenas, trabalhadores rurais, etc.
Que analise as causas que geram a pobreza no campo e a imperante necessidade de construir verdadeiros processos de Reforma Agrária, base fundamental sobre a que se constrói a Soberania Alimentar. Não devemos aceitar paliativos, porque seus propósitos são promover o alívio à pobreza, enquanto os governos executam as receitas das agências internacionais.
Se bem é certo aceitamos que há desequilíbrios nos processos de desenvolvimento e um aumento na fome e a pobreza rural, é também certo que o denominado desenvolvimento sustentável passa por desencadear processos de Reforma Agrária. Onde já estão em execução, é preciso lutar por mantê-los, e onde ainda estão em vigência, promovê-los sem submeter-se a condições mercantilistas.
Aceitamos o interesse por garantir a eqüidade de gênero no acesso, controle e manejo da terra, água e outros recursos naturais. Isto é crucial para a economia rural e o empoderamento da mulher, mas devemos começar por reconhecer nas legislações dos países signatários da FAO os mesmos direitos a homens e mulheres.
Esperamos postular uma Reforma Agrária que caminhe da mão dada com os Direitos Humanos, como elemento importante na luta pela terra. Sim, acreditamos no papel importante da justiça social, o Estado de Direito e dos marcos legais adequados para a Reforma Agrária e o desenvolvimento rural.
Cremos que tem muita importância a agricultura familiar, desde que esteja baseada na produção sustentável, com recursos locais e em harmonia com a cultura e as tradições locais. Nós produtores usamos a experiência acumulada e o conhecimento de nossos recursos locais, e obtemos ótima quantidade e a melhor qualidade dos alimentos com muito poucos insumos externos. Nossa produção é principalmente para consumo familiar e para a venda nos mercados locais.
3- PARA ONDE VAMOS DEPOIS DE PORTO ALEGRE?
Primeiro fortalecer nossa Campanha Global pela Reforma Agrária, como a principal iniciativa para apoiar e reforçar conjuntamente a luta por uma Reforma Agrária integral e genuína, pelo acesso à terra, como uma condição prévia para cumprir o direito a uma alimentação adequada dos camponeses sem terra.
Lutar para que nossa Campanha seja a maior rede do movimento social com o objetivo de converter a Reforma Agrária numa prioridade das agendas dos movimentos sociais, ONGS, agências governamentais e governos.
Depois de Porto Alegre deve ter um compromisso por respaldar as iniciativas e os movimentos nacionais que lutam pela Reforma Agrária, o direito ao mar, ao trabalho decente e a regularizar as formas pastoris de criação de gado menor. Lutar contra o avanço das cidades e mega projetos, como barragens, sobre terras agrícolas.
Garantir que se respeite o direito ancestral das terras dos povos indígenas, incluindo o subsolo e as selvas, promovendo a recuperação das terras que lhe foram arrebatados.
Denunciar os efeitos dos programas do Banco Mundial no campo, cuja estratégia é contrária aos interesses agricultores familiares, como por exemplo o crédito fundiário, banco de terras e cédula da terra
Estamos de acordo em acompanhar uma Plataforma de Ação do ICARRD desde que…
1- Se garanta o papel do Estado para desenvolver e implementar políticas e programas mais centrados na construção de uma real e genuína Reforma Agrária, conforme aos conceitos antes assinalados.
2- Se promova o apoio aos processos de Reforma Agrária através de colaborações nacionais, regionais e globais, e a solidariedade internacional, para prover assistência e assessoria técnicas, investimento promoção de intercâmbios e avaliação do impulso da Reforma Agrária e o desenvolvimento rural.
3- Se fortaleça o papel do Comitê Internacional de Planejamento de ONG/OSC para a Soberania Alimentaria (CIP) no seguimento dos acordos adotados nesta conferência.
4- Se condene e se faça justiça para quem criminaliza o pleno acesso à terra, a água, o território e a biodiversidade.
5- Uma plataforma para facilitar o processo da Reforma Agrária com os camponeses, que democratize a terra e melhore as condições de vida no campo, o mar e o território.
Forte abraço,
Secretaria Nacional do MST
Breves
Investidor estrangeiro não pagará imposto de renda sobre investimento em títulos da dívida interna
O governo isentou por medida provisória a cobrança de 15% de Imposto de Renda sobre o lucro a ser obtido por investidores estrangeiros em sua especulação com títulos da dívida interna, do governo federal. Especialistas estimam que os investidores estrangeiros devem aplicar ao redor de 5 bilhões de dólares por ano, mas em reais. Eles devem ter um lucro de 850 milhões de dólares em função da taxa de juros de 17% ao ano, a maior do mundo. Já os trabalhadores assalariados brasileiros continuarão a descontar em folha de pagamento taxas que variam de 8 a 15% de imposto de renda sobre o salário e de forma antecipada
Salário-mínimo
Uma pesquisa realizada pelo Dieese a pedido da CUT (Central Única dos Trabalhadores) revelou de que 78% de todos os trabalhadores brasileiros na indústria, fazem horas-extras para poder complementar seu salário minímo.
Crescimento do PIB de diversos países
Enquanto o governo federal faz propaganda de sua política econômica, os resultados do crescimento brasileiro em 2005 demonstram o contrário: a China 9,9% ao ano, a Argentina 9,1%, a Rússia 6,4% e os Estados Unidos 3,5. Já o Brasil cresceu apenas 2,3%, superando apenas o Haiti na América Latina.
Cartas
Sem dúvida, o MST é atualmente o Movimento mais organizado e bem articulado do Brasil. Suas implicações e seus envolvimentos perpassam por todas as discussões do campo e do urbano. É um movimento de pessoas simples, solidárias e inteligentes. Gilmara.
O que esse Movimento representa é o anseio de milhões de brasileiros que são muitas das vezes impedidos de lutar e de expressar sua indignação perante tantas injustiças em nosso país. Parabenizo a todos e todas e muita coragem no caminhar. Fredson Araujo.