PT critica atuação do governo federal na Reforma Agrária

Durante o III Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) realizado entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro, o partido aprovou, por unanimidade, uma resolução na qual critica duramente as ações do governo federal em relação ao projeto de desenvolvimento agrário. De acordo com a resolução “a reforma agrária ainda não foi reconhecida pelo governo como política pública central para o desenvolvimento do país e da democratização da sociedade”.

Entre os pontos presentes na resolução está a crítica ao modelo do agronegócio – baseado em grandes extensões de terra e no capital financeiro internacional – que atualmente tem sido beneficiário de grandes volumes de crédito agrícola e principal alvo de investimentos no setor por parte do governo federal. “O modelo do agronegócio continua hegemônico, tendo sido beneficiado por crescentes volumes de crédito e seguidas renegociação de dívidas”, diz o texto.

Apesar de apontar alguns avanços decorrentes da gestão do governo do PT, a resolução deixa claro que tais avanços “são insuficientes para alterar a estrutura fundiária concentradora e injusta e impulsionar um novo modelo de desenvolvimento rural”. De acordo com o texto, “para modificar a matriz econômica, social e política brasileira a reforma agrária precisa ser massiva e ampla e democratizar a estrutura fundiária em todas as regiões do país”.

A resolução também aponta retrocessos no âmbito da questão agrária brasileira, como, por exemplo, a liberação comercial dos transgênicos e o estimulo às transnacionais papeleiras, que espalham o “deserto verde”. Confira abaixo o texto completo.

III CONGRESSO DO PT
RESOLUÇÃO SOBRE REFORMA AGRÁRIA

1. O PT reafirma a centralidade da reforma agrária no projeto de desenvolvimento do Brasil, como condição fundamental para a geração de trabalho, distribuição de renda, democratização da sociedade, promoção da justiça no campo, ocupação equilibrada do território e para o uso sustentável dos recursos naturais.

2. O PT propõe a todas as forças democráticas e populares a construção de uma ampla transformação no mundo rural, como parte constitutiva de um novo modelo de desenvolvimento nacional com justiça social e soberania. Esse caminho passa pela democratização do acesso e da posse da terra, pela afirmação do princípio da função social da propriedade, o fortalecimento da agricultura familiar, dos assentados da reforma agrária e das comunidades rurais tradicionais, a soberania territorial, a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade ambiental, a promoção da igualdade de gênero, raça e etnia.

3. O modelo agrário historicamente implantado no Brasil baseia-se na grande propriedade monocultora, que degrada os recursos naturais e submete a força de trabalho à condições desumanas, degradantes e ao trabalho escravo. Esta estrutura fundiária, marcadamente latifundiária, é geradora de relações sociais, econômicas e políticas injustas, desiguais e autoritárias. A modernização conservadora do campo promovida pelo regime militar, por meio de fartos subsídios públicos para estimular a mecanização e o uso de intensivo agroquímicos e outras tecnologias, gerou o aumento da concentração fundiária e da pobreza no campo e forçou o êxodo rural, que acabou por alimentar um processo de urbanização caótico. Na fase atual, em que o velho latifúndio se apresenta como “agronegócio”, o modelo agrícola é fortemente influenciado pelas grandes empresas transnacionais da agricultura, que controlam a cadeia produtiva, desde as sementes – muitas delas transgênicas – até a industrialização e a distribuição.

4. Esse quadro pode se agravar com a ampliação desregulada da produção de etanol. No padrão atual, essa produção é realizada em grandes propriedades monocultoras de cana-de-açucar, sendo que a maior parte delas oferece condições de trabalho desumanas e degradantes e causam imenso prejuízo à biodiversidade. A expansão pode resultar no aumento da compra de indústrias e de terras por empresas estrangeiras (desnacionalizando ainda mais o pais), aumentar a concentração fundiária, desestruturar regiões de concentração da agricultura familiar, impactar a produção de alimentos e pressionar a expansão da fronteira com graves conseqüências ambientais. Não podemos repetir erros do passado. A produção de etanol deve ser objeto de regulação pelo Estado, com a restrição de áreas de plantio, implementação de efetivo zoneamento climático-sócio-ambiental, exigência do cumprimento da função social da propriedade, estabelecimento de condicionantes para acessar financiamento público.

5. A concentração da propriedade da terra sustenta-se, também, nas situações de ilegalidade e instabilidade jurídica que permitiram que milhões de hectares de terras públicas e devolutas fossem griladas e banhadas com o sangue dos que ali habitavam. Estima-se que milhares de pessoas trabalham em regime de escravidão em nosso país, parte desses trabalhadores encontram-se em carvoarias ilegais localizadas na região amazônica. Outro dado alarmante da barbárie capitalista rural pode ser verificado no número de assassinatos, tentativas de assassinatos, feridos e prisões no campo.

6. A resistência camponesa, negra, indígena e popular tem marcado a história nacional. Os trabalhadores e trabalhadoras sempre lutaram para mudar a estrutura latifundiária. Eles reivindicam a democratização do acesso e da posse da terra e a extensão da cidadania à população do campo. Por essa razão, as organizações e movimentos sociais no campo foram e seguem sendo importantes agentes da construção da democracia brasileira. Suas lutas são legítimas e necessárias. As ocupações de terras improdutivas ou griladas representam o principal método de luta das organizações camponesas no Brasil e na América Latina. Essas ocupações têm seu fundamento no direito à vida, à alimentação, à moradia e, sobretudo, na função social da propriedade, nos termos previstos pela Constituição Federal. A maciça maioria dos assentamentos rurais atualmente existentes foi conquistada por meio das lutas camponesas, em especial, por meio das ocupações.

7. O Poder Judiciário tem representado um importante obstáculo à reforma agrária. Setores predominantes desse Poder tratam com pesos diferentes as ações judiciais envolvendo a luta pela terra: impunidade frente a violência, agilidade para julgar ações penais contra as lideranças dos movimentos sociais e lentidão para apreciar as ações de desapropriação e de retomada de terras que estão nas mãos de grileiros.

8. O problema agrário brasileiro foi agravado durante a era FHC. O projeto neoliberal significou o sucateamento do INCRA, o desmonte do sistema nacional de assistência técnica e a criminalizaçao dos movimentos sociais, cuja principal expressão foi a edição da “MP das Invasões”. O “Novo Mundo Rural” que o governo FHC projetava para o pais estava na contramão das aspirações populares, até porque mantinha inalterada a estrutura latifundiária.

9. A eleição de Lula representou uma inflexão no tratamento dado à questão agrária pelo governo brasileiro. O II Plano Nacional de Reforma Agrária buscou expressar uma abordagem contemporânea, em que mudança da estrutura fundiária com a conquista do direito à terra associa-se à segurança e soberania alimentar, à promoção da igualdade de gênero, à conservação da biodiversidade, como elementos constitutivos de um novo padrão de desenvolvimento. Além disso, os recursos destinados à aquisição de terras foram ampliados significativamente, os valores direcionados ao financiamento da agricultura familiar saltaram de R$ 2,3 bilhões, em 2002, para R$ 12 bilhões, em 2007, iniciou-se um processo de recuperação do INCRA, avançaram as ações de reforma agrária na Amazônia e os programas de educação do campo, foram criadas políticas públicas voltadas ao aumento da qualidade dos assentamentos de reforma agrária, à promoção da igualdade de gênero e reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas. Além disso, o governo interditou o processo de criminalizaçao provido por FHC e manteve um permanente e solidário diálogo com os movimentos sociais no campo, inclusive na elaboração e implementação das políticas públicas. Essas e outras ações tornam a reforma agrária do governo Lula muito superior a dos demais governos.

10. No entanto, esses avanços são insuficientes para alterar a estrutura fundiária concentradora e injusta e impulsionar um novo modelo de desenvolvimento rural. A reforma agrária ainda não foi reconhecida pelo governo como política pública central para o desenvolvimento do país e da democratização da sociedade. O modelo do agronegócio continua hegemônico, tendo sido beneficiado por crescentes volumes de crédito e seguidas renegociação de dívidas. Verifica-se ainda alguns retrocessos, como a liberação comercial dos transgênicos e o estimulo às transnacionais papeleiras, que espalham o “deserto verde”.

12. Para modificar a matriz econômica, social e política brasileira a reforma agrária precisa ser massiva e ampla e democratizar a estrutura fundiária em todas as regiões do país. Temos que superar a hegemonia do agronegócio e constituir um novo modelo de desenvolvimento, calcado na democratização da terra, na soberania alimentar, na sustentabilidade ambiental, na promoção da igualdade de gênero, raça e etnia, na produção para o mercado interno e no fortalecimento da agricultura familiar.

13. Reforma agrária pressupõe desconcentrar a propriedade da terra, alterando a estrutura fundiária que atualmente mantém 46,8% da área registrada nas mãos de 1,6% dos proprietários e tornar produtivos os 133 milhões de hectares de terras improdutivas. Pressupõe também garantir o cumprimento da função social da propriedade e limitar o tamanho máximo da propriedade, razão pela qual o PT apóia a campanha promovida pelo Fórum Nacional de Luta pela Reforma Agrária e Justiça no Campo pela limitação do tamanho da propriedade. Pressupõe ainda retomar amplas parcelas do território que atualmente se encontram nas mãos de grileiros e destiná-las ao assentamento de trabalhadores sem-terras, bem como reconhecer e titular as terras de povos indígenas e comunidades tradicionais.

14. Os imóveis rurais que não cumprem a função social precisam ser destinados à reforma agrária. A função social somente é atendida quando a terra produz, utiliza racionalmente os recursos naturais, respeita a legislação que regula as relações de trabalho e assegura o bem-estar daqueles que nela trabalham. A propriedade que atenda aos índices de produtividade, mas que não respeite o meio ambiente e a legislação trabalhista, também deve ser destinada à reforma agrária. Urge ainda atualizar os índices de produtividade, fixados com base em dados da década de 1970, para que se possa viabilizar o instrumento da desapropriação, priorizando, inclusive, as famílias acampadas. Os proprietários que praticam o trabalho escravo e degradante devem ser submetidos à legislação penal e impedidos de acessar recursos públicos, sendo que seus imóveis devem ser expropriados, sem indenização, e destinado aos assentamentos. Por esse motivo, o PT e o governo Lula devem trabalhar para que o Congresso Nacional aprove imediatamente a PEC que determina a expropriação da propriedade onde for constatado trabalho escravo.

15. O pais precisa redefinir o marco legal da reforma agrária para que ela possa ter a dimensão e magnitude necessária; criar novas linhas de crédito especial para os benefeciários da reforma agrária, inclusive, as comunidades tradicionais; aprofundar o fortalecimento institucional do INCRA; promover a desburocratização do processo administrativo e judicial da desapropriação; aumentar os recursos orçamentários para a reforma agrária; e implementar uma política que universalize a educação no campo. Além isso, precisamos ampliar a capacidade do Estado de regulação do desenvolvimento rural, em especial, a regulação da ocupação do território, das atividades agropecuárias e agroindustriais e de gestão dos recursos naturais.

16. O PT deve lutar para que o Congresso Nacional deixe de ser instrumentalizado pelos ruralistas para travar a Reforma Agrária e criminalizar os movimentos sociais do campo, lutando para aprovar a PEC que expropria propriedade onde for constatado trabalho escravo, para aprovar os projetos que impedem a concessão desordenada de liminares em ações possessórias e as proposições que agilizam os processos administrativos e judiciais de obtenção de terras.

17. Os delegados e delegadas do III Congresso do PT reafirmam que a reforma agrária representa uma das mais importantes bandeiras políticas do PT. Por essa razão, a militância do PT presente nas lutas sociais e na institucionalidade deve atuar na mais variadas frentes para construir um vigoroso movimento capaz de implementar uma ampla e massiva reforma agrária.