Conferencistas entregam carta ao governador Requião

Os 500 participantes da 1ª Conferência Popular Nacional de Agroenergia, entregaram nesta quarta-feira, dia 31, a carta final do encontro ao governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB). A carta contém propostas em torno de um sistema energético sustentável, que contemple a pequena agricultura e acabe com o modelo do agronegócio, baseado no monocultivo de grandes extensões de terras.

No documento os trabalhadores e camponeses apontam 15 alternativas para construção de um modelo de agroenergia baseado na soberania alimentar e energética, que conserve os recursos naturais e promova um modo de produção sustentável, de alimentos e energia. “Rechaçamos e combatemos qualquer tipo de monocultura e propomos o limite do tamanho das propriedades rurais e o limite das áreas destinadas para produção de agroenergia em cada estabelecimento, município e região”, afirma carta.

A conferência foi organizada pela Via Campesina, movimentos sociais, entidades ambientais, sindicais e pastorais, e teve a participação de 16 países latino-americanos. Os debates foram realizados de 28 a 31 de outubro, no teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.

Requião afirmou que a carta é uma proposta da manutenção da esperança e constrói a perspectiva sólida e concreta de um mundo novo. “O mundo que conhecemos, nos padrões que nós vivemos, com a exploração do trabalho, a tentativa determinada e a constante da precarização das leis sociais, está oscilando e chegando ao fim. Nós devemos nos dedicar a reconstruir todo este processo, com inteligência, esperança, coragem e luta”, disse.

Ele também criticou a subordinação de empresas, como a Petrobrás às normas do mercado, das bolsas de valores, que se restringem às regras do lucro. “A Petrobrás se condiciona as regras do mercado e acaba sendo mais uma multinacional dentro e fora do Brasil”.

O coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, destacou que a produção do etanol não é o caminho para resolver questões como aquecimento global e poluição. A solução, segundo Stedile, é desenvolver uma política de autonomia energética, estimulando cada comunidade a ter sua micro-usina e desenvolver várias formas de energia vegetal, como óleo vegetal e álcool.

“Com isso, poderíamos ter usinas em formas de cooperativas, onde os trabalhadores de cada município produziriam sua própria energia. O resultado seria a criação da soberania energética”, disse. Segundo Stedile, o Brasil precisa criar empresas públicas, que estejam na mão da sociedade para a produção soberana de energia. “É fundamental o casamento entre as iniciativas das organizações de trabalhadores e políticas de Estado para desenvolver a produção de óleo vegetal e etanol, no controle do povo”, garante.

Segue a carta na íntegra:

POR UMA SOBERANIA ALIMENTAR E ENERGÉTICA

Posição das organizações, movimentos e pastorais sociais sobre a agroenergia no Brasil.
Não há dúvida de que o planeta Terra está gravemente enfermo devido à ação destruidora do Capital, responsável pelo aquecimento global e mudanças climáticas, além da privatização de todas as formas de vida. Estamos diante de uma encruzilhada: ou mudamos o paradigma de civilização atual ou a humanidade e a vida no planeta será destruída.

A nossa luta é por uma nova civilização que se baseie em uma relação de harmonia entre a humanidade e a natureza, na qual não prevaleça o consumismo e a lógica do lucro e do mercado, que devasta os recursos naturais, concentra riqueza e poder nas mãos de poucos e gera pobreza e desigualdade social. Lutamos por uma sociedade baseada na justiça social e ambiental, na igualdade, na solidariedade entre os povos, assentada em valores éticos coerentes com uma sociedade voltada a sustentabilidade de todas as formas de vida.

Diante disso nos posicionamos:

1. Defendemos que a terra, água, sol, ar, subsolo e a biodiversidade sejam conservados e utilizados de modo sustentável para prioritariamente produzir alimentos e proporcionar trabalho e qualidade de vida.

2. Afirmamos o direito da soberania popular sobre o seu território e seu destino. A soberania alimentar e energética é o direito do povo produzir e controlar os alimentos e a energia para atender suas necessidades.

3. A produção de energia não pode, de modo algum, substituir ou colocar em risco a produção de alimentos. A agroenergia só deverá ser produzida de forma diversificada e complementar à produção de alimentos.

4. A política de produção de agroenergia não pode ser determinada pela lógica do mercado. E pelos interesses de lucro das empresas petrolíferas, automobilísticas e do agronegócio.
5. Rechaçamos e combatemos qualquer tipo de monocultura e propomos o limite do tamanho das propriedades rurais e o limite das áreas destinadas para produção de agroenergia em cada estabelecimento, município e região.

6. Reafirmamos a necessidade de uma reforma agrária popular e de um processo de democratização de acesso á terra como via para garantir a soberania alimentar e a soberania energética. O atual modelo do agronegócio é um processo de continua concentração da propriedade da terra.

7. A soberania alimentar e energética é baseada na agroecologia e na economia local e regional. Combatemos o modelo insustentável e excludente do agronegócio, um dos principais causadores das mudanças climáticas devido a transformação do uso da terra, o desmatamento e a utilização massiva de agrotóxicos e transgênicos, além da mecanização e do transporte de mercadorias em escala planetária.

8. A agroenergia deve ser produzida para garantir a soberania energética do povo e não para ser exportada com o objetivo de abastecer os países ricos e gerar lucros para o agronegócio e as grandes empresas privadas e transnacionais.

9. Combatemos o controle do capital estrangeiro sobre a economia, a terra, os recursos naturais e as fontes de energia do Brasil.

10. Lutamos por um modelo energético sustentável e diversificado. A agroenergia é uma das alternativas ao lado de medidas de eficiência e outras fontes de energia renovável e sustentável.

11. Defendemos um modelo energético popular e descentralizado, que expresse as necessidades sociais e as características e potencialidades locais e regionais. Propomos a produção e gestão na forma de pequenas usinas cooperativadas, comunitárias ou familiares sob controle dos camponeses e trabalhadores.

12. Lutamos por um novo sistema de transporte que integre suas diferentes formas (fluvial, ferroviário, rodoviário) e privilegie o transporte público e coletivo de qualidade, em vez do modelo insustentável e irracional dependente de petróleo e que privilegia o transporte individual.

13. O atual modelo de produção de agrocombustíveis degradará os biomas brasileiros, principalmente a Amazônia e o Cerrado, pressionando a expansão das fronteiras agrícolas. Frente a isso, afirmamos a soberania de todos os povos e as comunidades tradicionais sobre o território. Basta de desmatamento em todos os ecossistemas brasileiros.

14. O papel dos camponeses e da agricultura familiar deve ser definido pela sua soberania e autonomia. Portanto, somos contra o sistema de integração que atrela os agricultores a empresas de agroenergia, que apenas explora sua mão de obra. Defendemos políticas públicas que garantam crédito, assistência técnica e condições para que os camponeses e agricultores produzam agroenergia em pequenas unidades de produção.

15. Exigimos ao Estado brasileiro estimular, normatizar e controlar uma política de soberania energética em nosso país. Para isso, são necessários instrumentos, políticas e instituições públicas com controle social que garantam o papel efetivo do Estado para gerir todo o processo de produção e comercialização de agroenergia no Brasil.

Assinamos a carta, nós, 500 participantes da Iª Conferencia Nacional Popular sobre Agroenergia, representando os movimentos que compõem a Via Campesina, ambientalistas, sindicalistas e pastorais.

Aderem a proposta:
Leonardo Boff – Teólogo
Roberto Requão – Governador do Paraná
Adriano Beyanon – Professor da Universidade Nacional de Brasília
Pastor Werner Fuchs

Primeira Conferencia Nacional Popular sobre Agroenergia.
Curitiba, Paraná, Brasil. 31 de outubro de 2007