Ministro Geddel tenta deslegitimar jejum de Dom Cappio

Em artigo publicado hoje, dia 10, no jornal Folha de S. Paulo, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, que na semana passada já havia se posicionado contra a greve de fome de Dom Luiz Cappio, classifica como “terrorismo simbólico” o ato do frei. Segundo Geddel, o ato de Cappio seria uma afronta à democracia.

No artigo o ministro Geddel pergunta “deve uma democracia se dobrar à certeza de um único indivíduo?”. O que Geddel não fala é que as idéias defendidas por Dom Cappio não são pertencentes apenas a ele, mas pertencem a um conjunto de populações ribeirinhas, comunidades indígenas e quilombolas e movimentos sociais, que através da luta, tentam desde 2005 barrar o projeto de transposição do São Francisco.

Leia abaixo o artigo:

O inimigo número 1 da democracia

Geddel Vieira Lima

É INEGÁVEL a força dos símbolos na sociedade moderna. Mas é inegável também que símbolos já foram usados incontáveis vezes ao longo da história como instrumentos para fraudar, enganar, manipular, distorcer e fragilizar a democracia e as instituições.

Numa ofensiva simbólica, o bispo de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, iniciou uma nova greve de fome. Justifica esse gesto radical como resposta contra a transposição e a favor da revitalização do rio São Francisco. A esse respeito, levanto duas questões: deve uma democracia se dobrar à certeza de um único indivíduo, por mais impactante que seja o simbolismo a que ele pretenda se associar? A democracia avança ou se entorpece quando se submete ao regime dos ícones? Na forma, o gesto de Cappio tenta se aproximar da estética dos mártires.

O problema, no entanto, é de conteúdo. No correr dos séculos, a greve de fome foi um instrumento sagrado de luta contra iniqüidades brutais. Mas é um erro banalizar esse modo de enfrentamento para tentar impor uma vontade individual à decisão de um governo legitimamente constituído.

Atropelar os ritos, desprezar o diálogo e ignorar as instituições, numa democracia, é pecado capital. Que uma coisa fique bem clara: quem está fazendo seu protesto, atentando contra a própria vida, não é um bispo. Não é o pastor de um rebanho religioso. Não é um líder espiritual. Tanto não é que a atitude de Cappio foi publicamente condenada por dom Aldo Pagotto, bispo da Paraíba.

Sendo assim, Cappio toma emprestada a aura simbólica de sua condição religiosa para colocá-la a serviço de uma militância política baseada num fundamentalismo que só entende a rendição incondicional como resposta. Fundamentalismos -venham de onde vierem, praticados seja como for- são o inimigo público número 1 da democracia.

Fundamentalista é tudo o que não é a igreja, a santa igreja, a minha igreja como instituição. A tolerância e o perdão sempre foram pilares sagrados dessa fé, ao lado da devoção de seus sacerdotes à causa do homem e do bem. Quando se vê que até políticos veteranos, como o ex-governador de Sergipe João Alves Filho, já partiram em peregrinação para tirar vantagem da greve de Cappio, percebe-se nessa profanação que ele está sendo usado até mesmo para a tentativa de milagres políticos, por meio da ressurreição nas urnas. Cappio merecia apóstolos melhores.

Pessoalmente, não tenho nada contra Cappio. Defenderei sempre o direito de cidadãos como ele de manifestar suas posições. Tanto é assim que, tão logo assumi o Ministério da Integração Nacional, telefonei para ele e pedi para conversar. Ele respondeu que iria fazer “algumas consultas” e jamais retornou a ligação. Cappio enviou uma carta ao presidente da República dizendo que aceitava apenas a paralisação imediata das obras e o arquivamento definitivo do projeto.

Defender o democrático direito da divergência, como defendo, implica submeter-se ao pressuposto fundamental da democracia. E esse pressuposto está baseado num tripé: representatividade popular, legitimidade institucional e respeito às leis.

Defenderei sempre o direito de Cappio de se candidatar a um cargo eletivo com a bandeira de paralisar a transposição. Ele também terá em mim um aliado incondicional em sua prerrogativa de criar um partido político com essa plataforma. Estaremos inteiramente juntos na premissa de que ele pode entrar na Justiça para tentar embargar o projeto. Mas nossa afinidade termina quando o desapreço às instituições começa. O que não podemos aceitar é o terrorismo simbólico. O que não podemos permitir é que a chantagem substitua o diálogo e a democracia.

Todo governo tem que levar em conta o que pensa a sociedade. Mas todo debate, para ser produtivo, precisa chegar a um fim. Governos não são feitos para serem unânimes, em que pese o forte apoio que há ao presidente Lula e à transposição. Governos são feitos para serem legítimos.

Poderia aqui ter discorrido sobre os inúmeros benefícios e as inegáveis qualidades da transposição do São Francisco, especialmente no que diz respeito à redenção de uma das regiões mais carentes do Brasil. Seguramente, a transposição significará a emancipação dos grotões e o golpe de morte na indústria da seca.

Como cidadão, preferi colocar em perspectiva o gesto radical de dom Cappio e seu significado para a democracia. Como cristão, desejo que ele retome o equilíbrio e não desperdice sua vida de uma forma tão brutal. Que Deus o abençoe, o ilumine e o traga de volta à razão.
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Geddel Quadros Vieira Lima, 48, administrador de empresas, pecuarista e cacauicultor, é ministro da Integração Nacional e deputado federal pelo PMDB-BA (licenciado).