Transnacionais retiram-se de fórum global sobre agricultura
Bridges Trade BioRes
Três multinacionais do ramo da biotecnologia desferiram um forte golpe contra um importante fórum internacional de agricultura ao formalmente retirarem-se da iniciativa multi-setorial. Monsanto, Syngenta e BASF decidiram não mais participar das discussões por considerarem que o relatório do grupo dedicava mais atenção aos riscos gerados por cultivos geneticamente modificados (GMs) do que aos benefícios trazidos por eles.
O Fórum Internacional de Avaliação da Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento (IAASTD, sigla em inglês) é uma iniciativa global que há 3 anos articula centenas de especialistas no tema. Seu objetivo é determinar como o conhecimento agrícola, a ciência e a tecnologia podem ser utilizados para reduzir a fome e a pobreza, melhorar as condições de vida no campo e promover o desenvolvimento sustentável no plano ambiental, social e econômico. O resultado esperado do projeto é a publicação de uma série de avaliações – globais e regionais – críticas e detalhadas sobre conhecimento e experiências agrícolas, tanto locais quanto institucionais. O projeto deve ser concluído até abril de 2008.
A voz da indústria não é alta o bastante?
As empresas afirmam ter desistido do projeto porque suas perspectivas sobre tecnologia GM não foram levadas em consideração no relatório do grupo. Elas também alegam que o documento deveria focar no potencial da biotecnologia de garantir o suprimento de gêneros alimentícios, seja por meio do aumento da produção como por meio da maior resistência das plantas a secas e temperaturas muito elevadas. De modo geral, a indústria acredita que a biotecnologia é essencial à redução da pobreza e da fome.
Nos últimos anos, Monsanto e Syngenta investiram significativamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de cultivos resistentes à seca. Para Sara Duncan, representante da Monsanto, a água é hoje um dos maiores fatores de limitação agrícola e, no futuro, esse quadro tende a ser agravado, uma vez que as mudanças climáticas devem trazer ainda mais secas. O milho é um dos principais beneficiários dos maciços investimentos em P&D, por uma série de razões: (i) ele é amplamente utilizado na produção de diversos alimentos industrializados; (ii) é essencial à ração animal; e (iii) apresenta uma crescente demanda em função da produção de etanol. Monsanto e Syngenta esperam introduzir as primeiras sementes de milho resistentes à seca no mercado até 2012.
O relatório inicial produzido pelo IAASTD não deu muita ênfase ao potencial da biotecnologia para a agricultura de países em desenvolvimento (PEDs), mas sim apresentou uma lista de possíveis riscos. O relatório afirma, por exemplo, que em PEDs, os direitos de propriedade intelectual aumentam os custos de cultivos GMs, o que restringe sua utilização por pequenos fazendeiros e pesquisadores, além de restringir práticas de cultivo locais necessárias a segurança alimentar e sustentabilidade econômica. O documento também afirma que uma demasiada ênfase na biotecnologia moderna pode alterar programas de educação e de treinamento e reduzir o número de profissionais em outras importantes ciências agrícolas. Finalmente, para que essa tecnologia alcance metas de sustentabilidade e objetivos de desenvolvimento, o relatório afirma que as lideranças políticas deveriam levar em consideração os impactos da biotecnologia para além da produtividade e das metas de produção, bem como tratar de problemas sociais de maior dimensão, como justiça social e infra-estrutura local.
Saída das multinacionais é vista com pesar
Diversos outros atores envolvidos no fórum agrícola lamentaram a saída das multinacionais do projeto.
Um editorial do jornal Nature salientou que – apesar de serem tendenciosas e demasiado cautelosas – as visões apresentadas no relatório preliminar sobre biotecnologia não representam as vozes de uma minoria marginal. O editorial também chamou atenção para o fato da biotecnologia não poder, por si só, reduzir a fome e a pobreza, consenso entre cientistas agrícolas e lideranças políticas.
Bob Watson, diretor do IAASTD, avaliou como lamentável a saída das três empresas antes que o grupo pudesse concluir o trabalho. Além de afirmar que havia espaço para discussão, caso as multinacionais provassem que o relatório era tendencioso, Watson declarou que a saída enfraquece o documento, que tinha por objetivo alcançar atores diversificados.
Jan van Aken, representante do Greenpeace International, membro do projeto, acredita que a avaliação feita no contexto do fórum vai além da análise de engenharia genética: seu objetivo é definir soluções para a agricultura global e para os pobres e famintos do mundo. Para Aken, a atitude das empresas foi vergonhosa, pois significou a supremacia dos interesses comerciais sobre os da ciência.
A CropLife International, organização que representa a indústria de biotecnologia, indicou que manterá em aberto a possibilidade de retomar a iniciativa desde que os demais membros estejam dispostos a serem mais imparciais. Observadores acreditam que se a Monsanto e a Syngenta não retomarem as discussões antes da adoção do relatório final, a credibilidade do projeto como um todo estará comprometida.
Contexto
O trabalho do IAASTD começou em 2005 e deve terminar em abril de 2008. O projeto foi desenvolvido a partir de uma série de consultas envolvendo 900 participantes e 110 países de todas as regiões do mundo. Ele foi lançado com o apoio conjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, sigla em inglês), do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF, sigla em inglês), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, sigla em inglês), do Banco Mundial e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Outros temas – além da biotecnologia – já foram discutidos, entre os quais destacam-se a bioenergia, mudanças climáticas, saúde humana, gestão de recursos naturais, comércio e mercado, conhecimento tradicional local e inovação local e mulheres na agricultura.
Quanto ao tema de comércio e mercados, o relatório reconhece a necessidade imediata de enfrentamento dos seguintes desafios: (i) definição de mercados e políticas comerciais; (ii) aprimoramento do conhecimento agrícola, da ciência e dos sistemas de tecnologia; (iii) fortalecimento da segurança alimentar; (iv) maximização da sustentabilidade ambiental; e (v) apoio a pequenos agricultores de modo a reduzir a pobreza e direcionar o desenvolvimento. O relatório inicial apresenta desafios globais relacionados a esses temas e identifica opções de ação para avançar na direção do desenvolvimento e dos objetivos de sustentabilidade.