MST x Cutrale

Hamilton Octavio de Souza Na última semana, primeiro a TV Globo, depois os demais veículos da grande imprensa neoliberal, exploraram ao máximo – com sensacionalismo e forte dose de criminalização – a imagem de trabalhadores sem terra arrancando pés de laranja numa área grilada da empresa multinacional Cutrale, no município de Iaras, interior de São Paulo. Evidentemente o assunto teve grande repercussão pública e foi alvo de manifestações precipitadas e raivosas de setores da direita – muito mais por afirmação ideológica do que pela relevância dos fatos.

Hamilton Octavio de Souza

Na última semana, primeiro a TV Globo, depois os demais veículos da grande imprensa neoliberal, exploraram ao máximo – com sensacionalismo e forte dose de criminalização – a imagem de trabalhadores sem terra arrancando pés de laranja numa área grilada da empresa multinacional Cutrale, no município de Iaras, interior de São Paulo.

Evidentemente o assunto teve grande repercussão pública e foi alvo de manifestações precipitadas e raivosas de setores da direita – muito mais por afirmação ideológica do que pela relevância dos fatos.

Pouco se falou que a terra invadida pela empresa Cutrale pertence à União, é terra pública, e que deveria ter sido usada para assentamento da reforma agrária há muitos anos, conforme projeto do INCRA, mas que foi grilada e vendida para particulares de forma ilegal. Tanto é que a área é ainda hoje objeto de inúmeras ações e pendências judiciais. O crime original – grilagem – foi ignorado pela mídia.

Portanto, a ocupação feita pelas famílias e trabalhadores rurais Sem Terra foi legítima e estratégica, na medida em que reafirmou a defesa do patrimônio da União e chamou a atenção das autoridades para a destinação inicial da área, que é o projeto de assentamento de famílias empenhadas em viver, trabalhar e produzir no campo. Chamou a atenção da sociedade também para a necessária e urgente plantação de alimentos, já que o Brasil tem sido obrigado a importar arroz, feijão e trigo – enquanto o agronegócio só se preocupa com produtos de exportação.

Lá mesmo em Iaras, mais de 400 famílias estão acampadas e aguardam, há anos, uma decisão da Justiça sobre aquelas terras. Se tivessem sido regularizadas pela reforma agrária, com certeza estariam rendendo alimentos mais baratos para o povo brasileiro.

O que é mais chocante: pés de laranja arrancados em protesto ou mais de 400 famílias –mulheres, velhos e crianças – vivendo em acampamentos precários?

Na pressa para criminalizar os trabalhadores Sem Terra pela ocupação em Iaras, a grande imprensa corporativa não fez qualquer associação com a destruição dos laranjais ocorrida nos últimos dois anos, pelos próprios produtores, especialmente no Estado de São Paulo, porque os preços impostos pelas indústrias do suco eram insuficientes para a manutenção dessas plantações. A área total de plantio da laranja foi reduzida em milhares de hectares por obra dos próprios produtores, em especial dos pequenos produtores, que preferiram migrar para outras lavouras ao invés de trabalhar de graça para o oligopólio industrial do suco de laranja.

O que é mais chocante: pés de laranja arrancados pelo protesto dos sem terra ou laranjais inteiros destruídos porque o cartel do suco inviabilizou a atividade dos produtores, desempregou os trabalhadores e provocou a elevação no preço da fruta vendida no mercado consumidor brasileiro?

Antes mesmo de investigar e apurar corretamente o que aconteceu em Iaras, antes mesmo de ouvir todos os lados envolvidos no caso da área grilada da Cutrale, como mandam as regras básicas do bom jornalismo, a imprensa corporativa deu grande destaque ao vídeo e à versão da policia estadual, a qual, todo mundo sabe, tem posição partidária, atua sempre contra os movimentos sociais (urbanos e rurais) e é conhecida por difundir versões mentirosas e distorcidas sobre os fatos, como nos episódios da Escola Base, nos assassinatos de maio de 2006 no Estado de São Paulo e, mais recentemente, no assassinato de uma jovem na favela de Heliópolis, na capital paulista.

Agora no caso de Iaras, mais uma vez a grande imprensa neoliberal conservadora aceitou sem vacilar a versão de “vandalismo” dada pela polícia e não se preocupou em checar, in loco, com as famílias de sem terra e com os trabalhadores rurais da Cutrale, a verdadeira história sobre o ocorrido. Entre fazer jornalismo e comprometer- se com a verdade, a grande imprensa corporativa preferiu ficar com a versão mais adequada aos seus interesses ideológicos. Mais uma vez essa mídia deu guarida e projeção para as posições mais atrasadas e reacionárias da sociedade brasileira, que são reconhecidamente contra a reforma agrária e contra as lutas dos movimentos sociais do campo e da cidade.

O que é mais chocante: pés de laranja arrancados pelo protesto dos Sem Terra, em área pública grilada por empresa multinacional ou a existência de uma imprensa e de uma polícia que mentem para defender os interesses das elites econômicas e políticas, as mesmas que impedem o Brasil de ser um país mais justo e mais igualitário, que está em 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU?

Você decide.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.