Empresas censuram pesquisas sobre efeitos dos transgênicos
Pesquisadores estadunidenses estão começando a denunciar as pressões e ameaças que sofrem quando ousam desafiar a indústria de biotecnologia ao desenvolver e publicar pesquisas que analisem os efeitos dos transgênicos para a saúde ou o meio ambiente.
Segundo o artigo da Nature Biotechnology, publicado em outubro deste ano, “não é segredo que a indústria de sementes tem o poder de moldar as informações disponíveis sobre lavouras transgênicas. Foram empresas privadas que desenvolveram praticamente todas as sementes que estão no mercado norteamericano, e os direitos de propriedade intelectual sobre a tecnologia permite que elas decidam quem vai estudar as lavouras e como.”
O controle das empresas começa com um simples contrato para produtores. Qualquer pessoa que queira comprar sementes transgênicas precisa assinar um contrato de tecnologia que diz, entre muitas outras coisas, que o comprador não pode conduzir pesquisas com as sementes, e nem dá-las a outrem para a realização de pesquisas. Para fazer pesquisas, os cientistas precisam pedir permissão às empresas, especificando o que pretendem fazer com as plantas — ou correm o risco de ser processados.
As empresas de sementes podem negar os pedidos com base em qualquer razão — e, conforme ilustra o artigo, algumas vezes elas são bem criativas. Outras vezes, são simplórias: em um caso relatado, a Pioneer Hi-Bred disse a um pesquisador que “não dispunha de material apropriado para fornecer”.
Quando a empresa e os pesquisadores conseguem concordar em um projeto de pesquisa, eles precisam negociar os termos do acordo. Segundo pesquisadores, muitos destes acordos costumam travar quando as empresas querem controlar ou bloquear a publicação da pesquisa.
Também são impressionantes os relatos de manipulação de dados praticados pelas empresas. Um caso descrito no artigo foi de um milho da Pioneer tóxico a insetos. Em 2001 a empresa contratou alguns laboratórios de universidades para estudar efeitos indesejados do milho em uma espécie de joaninha. Os laboratórios descobriram que quase 100% das joaninhas que foram alimentadas com o milho morreram no oitavo dia do ciclo de vida. Quando os pesquisadores apresentaram seus resultados à Pioneer, a empresa os proibiu de divulgar os dados. Como a variedade de milho ainda não era comercializada, o acordo de pesquisa dava à Pioneer o direito de vetar a publicação dos resultados.
Dois anos depois a Pioneer recebeu autorização para comercializar um milho que continha exatamente a mesma toxina daquele usado nos experimentos com as joaninhas. Mas os dados submetidos ao Agência de Proteção Ambiental do governo americano (EPA, na sigla em inglês) não informavam os efeitos sobre as joaninhas — apesar de a empresa ter seguido os protocolos normais de pesquisa. Num dos estudos da Pioneer, a empresa forneceu a toxina purificada às joaninhas até o sétimo dia de vida — um dia antes do que havia sido observado como o estágio mais suscetível. Em um segundo estudo, a empresa acompanhou as joaninhas até o final do ciclo de vida, mas usou um modo diferente de alimentação, fornecendo um pó homogeneizado contendo metade presas (pequenos animais dos quais elas se alimentam, como insetos e ácaros) e metade pólen, e não verificou nenhum efeito.
Segundo um dos pesquisadores envolvidos com a primeira pesquisa, a EPA foi informada da pesquisa independente, mas preferiu não agir. E a Pioneer não daria permissão aos cientistas para refazer o experimento.
Também sobre este tema, um outro artigo [1] publicado pela renomada revista científica Nature em setembro deste ano apresentou em detalhes a saga que atravessam os cientistas que se arriscam a publicar pesquisas indicativas de efeitos maléficos dos transgênicos.
O caso apresentado em maior detalhe é o das pesquisadoras Emma Rosi-Marshall e Jennifer Tank, que em 2007 publicaram um estudo indicando que as larvas de um inseto herbívoro da ordem trichoptera que vivem em pequenos cursos d’água no norte de Indiana (EUA), onde as lavouras de milho Bt (tóxico a insetos) se espalham até onde alcança a vista, também são afetadas pelo Bt. No artigo, publicado na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), as autoras concluem que o plantio disseminado de lavouras Bt provoca consequências inesperadas em escala de ecossistemas.
A reação furiosa de cientistas pró-transgênicos foi imediata. Em apenas duas semanas, diversos pesquisadores já haviam escrito para as autoras, para a revista PNAS e para a Fundação Nacional de Ciência (NSF, em inglês) do governo americano, que financiava o trabalho de Rosi-Marshall. O trabalho foi acusado de falho, omisso, mal desenhado, entre outras coisas.
Um dado interessante apontado por Arthur Benke, um dos cientistas que prestaram apoio às autoras afirmando o valor dos dados publicados, é que absolutamente nenhuma das críticas sugere o aprofundamento das pesquisas sobre o caso. “O que relatórios como este fazem é nos alertar sobre possíveis razões para analisarmos a questão com mais cuidado”, diz ele. Allison Power, pesquisadora de ecologia e biologia evolutiva da Cornell University, complementa: “Tentar desmentir a pesquisa imediatamente é um ato que ignora como a ciência deve funcionar: você formula uma hipótese, testa-a, refina-a, testa-a e refina-a novamente. Você segue fazendo isso até conseguir uma resposta que seja tão próxima quanto possível da que se pode obter. Não entendo que exista resistência a esta noção”.
Embora o artigo da Nature conceda muito espaço para os cientistas pró-transgênicos exporem seus argumentos e pontos de vista, a sua leitura deixa evidente o caráter preconceituoso e grosseiro dos supostos críticos.
Um destes “críticos” relata que formou uma “equipe de refutação” chamado “ask-force” (algo como “força tarefa para questionamentos”) para desafiar pesquisas sobre a biossegurança de lavouras transgênicas. Das 20 pesquisas já “criticadas” pelo grupo, nenhuma é positiva em relação aos efeitos dos transgênicos.”
O principal argumento dos detratores das pesquisas é que elas podem ser usadas por ativistas anti-transgênicos para fomentar ações e influenciar as políticas sobre o tema. Com base nisso, promovem todo o tipo de perseguição.
Ignacio Chapela, um pesquisador da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), conta que estes ataques estão dissuadindo jovens cientistas a seguir carreiras em pesquisa sobre lavouras transgênicas. “Já tenho uma longa experiência com pessoas jovens que me dizem que não vão para este campo precisamente por serem desencorajados pelo que vêem”, diz ele.
Para quem não se lembra, Chapela foi um dos primeiros cientistas a enfrentar este tipo de perseguição. Em 2001 ele publicou um artigo na mesma Nature relatando que variedades crioulas de milho no México estavam contaminadas por genes transgênicos. A reação negativa foi tão forte que, de maneira inédita, a Nature publicou uma nota reconhecendo que “as evidências disponíveis [no estudo de Chapela] não eram suficientes para justificar a publicação da pesquisa”. Posteriormente, análises feitas pelo governo mexicano confirmaram a contaminação apontada por Chapela.
É muito importante que estas denúncias comecem a circular em publicações científicas respeitadas. Vamos esperar que estes artigos incentivem outros cientistas intimidados a sair do casulo. Especialmente por aqui: já passou da hora de os nossos pesquisadores começarem também a se indignar e se articularem para desmascarar a defesa pseudocientífica dos transgênicos no Brasil e tentar conter e reverter as atrocidades cometidas pela CTNBio “em nome da ciência”.
[1] Battlefield – Papers suggesting that biotech crops might harm the environment attract a hail of abuse from other scientists. Nature|Vol 461|3 September 2009.
As informações são da AS-PTA