Quem decide o que comemos?

Por Esther Vivas* A crescente mercantilização da agricultura é uma realidade inegável nos dias de hoje. A privatização dos recursos naturais, as políticas de ajuste estrutural, os processos de “descampesinização”, a industrialização dos modelos produtivos e os mecanismos de transformação e distribuição de alimentos nos conduziram à atual situação de crise alimentar.

Por Esther Vivas*

A crescente mercantilização da agricultura é uma realidade inegável nos dias de hoje. A privatização dos recursos naturais, as políticas de ajuste estrutural, os processos de “descampesinização”, a industrialização dos modelos produtivos e os mecanismos de transformação e distribuição de alimentos nos conduziram à atual situação de crise alimentar.

Neste contexto, quem decide o que comemos? A resposta é clara: um punhado de multinacionais da indústria agro-alimentar, que com o beneplácito de governos e instituições internacionais termina impondo seus interesses privados acima das necessidades coletivas. Diante dessa situação, nossa segurança alimentar está gravemente ameaçada.

A suposta “preocupação” por parte de governos e instituições como o G8, G20, Organização Mundial do Comércio, etc. diante do aumento do preço dos alimentos básicos e seu impacto nas populações menos favorecidas, mostra sua profunda hipocrisia. O atual modelo agrícola e alimentar gera a esses governos e organismos internacionais importantes benefícios econômicos, sendo utilizado como instrumento imperialista de controle político, econômico e social com relação aos países do Hemisfério Sul..

Como assinalava o movimento internacional Via Campesina, no final da última reunião da FAO em Roma, em novembro: “A ausência dos chefes de Estado dos países do G8 tem sido uma das causas principais do fracasso total dessa reunião. Não se tomaram medidas concretas para erradicar a fome, deter a especulação sobre os alimentos ou frear a expansão dos biocombustíveis”. Assim mesmo, apostas como o Partenariado (Parceria) Global para a Agricultura e a Segurança Alimentar e o Fundo Fiduciário para a Segurança Alimentar, do Banco Mundial, que contam com o apoio explícito do G8 e do G20 apontam nessa direção, deixando, uma vez mais, nossa alimentação nas mãos do mercado.

De todas as maneiras, a reforma do Comitê de Segurança Alimentar (CSA) da FAO é, segundo a Via Campesina, um passo adiante na direção de “democratizar” as decisões sobre agricultura e alimentação: ao menos esse espaço respeita a regra básica da democracia, isto é, o princípio de “um país, um voto”, e outorga um novo espaço à sociedade civil. Apesar disso, ainda está por ser vista a capacidade de influência global do CSA.

Monopólios

A cadeia agrícola e alimentar está submetida, ao longo de todas as suas etapas, a uma alta concentração empresarial. Se começarmos pelo primeiro dos elos, as sementes, observamos como dez das maiores companhias (Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer…) controlam, segundo dados do Grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração, da Espanha) a metade das vendas. As leis de propriedade intelectual, que dão às empresas direitos exclusivos sobre as sementes, têm estimulado ainda mais a concentração empresarial do setor, e têm erodido profundamente o direito camponês de manter as sementes crioulas e a biodiversidade.

A indústria das sementes está intimamente ligada à dos agrotóxicos. As maiores empresas na área de sementes dominam também esse setor e, freqüentemente, o desenvolvimento e a comercialização de ambos os produtos são realizados conjuntamente. Mas, na indústria dos agrotóxicos, o monopólio é ainda maior, e as dez maiores empresas controlam 84% do mercado mundial. Essa mesma dinâmica também é observada nos setores da distribuição de alimentos e nos de processamento de bebidas e alimentos.Trata-se de uma estratégia cuja utilização vem crescendo.

A distribuição em grande escala, da mesma forma que outros setores, conta com uma alta concentração empresarial. Na Europa, entre os anos de 1987 e 2005, a quota de mercado das dez maiores multinacionais da distribuição de alimentos significava 45% do total, prognosticando-se que essa participação poderá chegar a uns 75% nos próximos 10 ou 15 anos. Em países como a Suécia, três cadeias de supermercados controlam cerca de 95,1% do mercado; em outros países, como Dinamarca, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Grã-Bretanha e Argentina, algumas poucas empresas dominam entre 45% e 60% do total. As mega-fusões são a dinâmica habitual. Esses monopólios e concentrações permitem um forte controle na hora de determinar o alimento que consumimos – e com que preço, de onde procede e como é elaborado.

Em plena crise alimentar, as principais multinacionais ligadas à agricultura e alimentação anunciavam cifras recordes de lucros. A Monsanto e a Dupont, principais empresas de produção de sementes, declaravam um crescimento de seus lucros de, respectivamente, 44% e 19% em 2007, em relação ao ano anterior. Para a mesma direção apontavam os dados das empresas de fertilizantes: Potash Corp, Yara e Sinochem, que viram seus lucros subirem em 72%, 44% e 95%, respectivamente, entre 2006 e 2007. Processadoras de alimentos, como a Nestlé, também declaravam aumento de seus lucros, assim como redes de supermercados como Tesco, Carrefour e Wal-Mart. Enquanto isso, milhões de pessoas em todo o mundo não tinham acesso aos alimentos.

* Esther Vivas é autora de “Del campo al plato” (Icaria Editorial, 2009, Espanha)

Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti M/i>