Deusas do cotidiano
O nome dessas mulheres eu não sei, não lembro e nem preciso saber. São nomes comuns em meio a tantos outros espalhados por esse chão duro chamado Brasil.
Mas a maioria delas eu conheço bem, são donas de um mesmo destino: as miseráveis que roubam remédios para aliviar as angústias dos filhos. É quando a pobreza não é dor, é angústia também. São as ladras de Victor Hugo.
Donas da insustentável leveza do ser, as infantes guerreiras enfrentam a lei da gravidade. Permanecem de pé ante aos dragões comedores de sonhos que escondem na gravidade da lei.
Das trincheiras do ninho enfrentam moinhos de mós afiadas para protegerem a pança dos pequeninos. São as Quixotes de Miguel de Cervantes.
Místicas, não raro, estão sempre nuas em sentimentos. Quando precisam, cruas, esmolam com o corpo, e se postam à espera do punhal do prazer que cravam no seu ventre. É quando o prazer humilha. São as habitantes do inferno de Dante.
Rainhas de castelos de madeiras, sustentam os filhos como príncipes, e os protegem da fome, do frio, e da vida dura e cruel que insiste em bater na porta das mulheres de panela vazia. Quanto aos reis, também são os mesmos: os covardes dos vinhos da ira.
Mágicas, esses anjos se transformam em rochas, quando a vida pede grão de areia. Em flores quando rastejam, em espinhos quando protegem.
Essas mulheres são aquelas que limpam tapetes, mas não admitem serem pisadas. Riscam papéis, limpam máquinas e consertam crianças que nascem com o sonho quebrado.
São domésticas, mas não admitem serem domesticadas.
E riem quando suam sob lágrimas e sangram o perfume da violeta impune estampada no rosto, que de rosa, não tem nada.
Sim, elas são as deusas do dia a dia.
Sérgio Vaz é poeta