“Concentração da terra é maior que na década de 20”
De jornal Vias de Fato (de São Luis, Maranhão)
O economista gaúcho João Pedro Stedile é um dos fundadores do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Hoje, é um dos membros da direção nacional do Movimento.
Antes, ele assessorou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização nascida durante a ditadura militar, dentro do setor progressista da Igreja Católica, como uma resposta para a grave situação de trabalhadores rurais e posseiros do Brasil. Ele é autor de seis livros, todos eles com parcerias, entre elas o frei Leonardo Boff e a professora da USP, Marilena Chauí.
Nos dias 12 e 13 de maio, ele esteve em São Luís do Maranhão. Em menos de dois dias cumpriu uma agenda onde falou para um grupo de educadores do campo, deu palestra na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Também esteve reunido com representantes do Sindicato dos Ferroviários e dos padres Combonianos (onde tratou sobre a campanha Justiça nos Trilhos), almoçou com ex-governador Jackson Lago e participou, com uma nova fala, da abertura do 31º Encontro de Assistentes Sociais do Estado do Maranhão, que teve como tema “Fortalecer as Lutas Sociais para Romper com as Desigualdades”.
Em todas as suas falas em São Luís, João Pedro Stedile fez análise da conjuntura nacional e internacional, mas encontrou espaço para falar sobre a atual situação do Maranhão, chamando inclusive o senador José Sarney de “oligarca de quinta categoria”. Ao final de sua estada no Maranhão, ele concedeu esta entrevista exclusiva ao jornal Vias de Fato.
Vias de Fato – Aqui em São Luís, recentemente, houve algumas reuniões para tratar sobre a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), a universidade fundada em 2005 e idealizada pelo MST. Quais os principais problemas enfrentados hoje pela ENFF e como os militantes sociais do Maranhão podem ajudar?
A ENFF é uma escola superior de quadros, que tem o MST como zelador, mas se destina a formar militantes de todos os movimentos sociais brasileiros e inclusive algumas turmas latino-americanas.
Nosso esforço permanente é manter a escola com autonomia política, pedagógica e financeira. Então, a dificuldade maior sempre é conseguir apoios de recursos solidários que contribuam para manter o funcionamento da escola.
Sejam recursos de contribuição para dar aulas (todos os professores que contribuem o fazem de forma solidária) de livros e material didático, e de recursos econômicos, para manutenção dos estudantes. Pois todos os cursos têm duração mínima de etapas de 21 dias, e são sempre prolongados. E há um custo elevado de manutenção dos estudantes.
Para enfrentar essas dificuldades um grupo de professores amigos fundou a Associação de Amigos da ENFF, que já está funcionando e tem mais de 350 associados. E agora pretendemos organizar núcleos em todas as principais cidades. Vi com entusiasmo que em São Luis também esta se formando um núcleo, com professores, estudantes e dirigentes de movimentos sociais, para desenvolver essas atividades de apoio a escola.
Vias de Fato – Em recente entrevista para o jornal Página 64, do Instituto João Goulart, você disse que “o Brasil continua sendo o país do mundo de maior concentração da propriedade da terra”. Disse também que “infelizmente no Brasil nunca houve um processo verdadeiro de reforma agrária”. E o governo Lula? Não avançou nada, nesta área?
Reforma Agrária é uma política de governo, que visa à democratização da distribuição da propriedade e do acesso à terra ao maior número possível de cidadãos de uma mesma sociedade. Infelizmente, no Brasil nunca houve reforma agrária. E por isso a concentração da propriedade em menos mãos, aumenta a cada ano.
O censo de 2006 revelou que a atual concentração da propriedade no Brasil é maior do que em 1920, quando recém tínhamos saído da escravidão, e havia quase um monopólio da propriedade da terra.
O governo Lula, infelizmente, repetiu a política de todos os governos posteriores à ditadura militar, ou seja, fez apenas uma política de assentamentos, desapropriando fazendas quando havia algum conflito ou pressão social.
É por isso que todos os assentamentos custam muito sacrifício das famílias para conquistá-los, e por isso que, mesmo acontecendo alguns assentamentos, eles não desconcentram a propriedade da terra. Pois a política de apoio ao agronegócio leva a um fortalecimento da lógica natural do capital pela maior concentração da propriedade da terra, pelos fazendeiros.
Vias de Fato – Hoje, no Maranhão, o agronegócio, com a ajuda do governo Roseana e do Poder Judiciário, avança sobre as terras de índios, quilombolas, quebradeiras de coco e posseiros. São povos que estão na terra há séculos, mas continuam sendo expulsos das áreas em que vivem. Em sua opinião, qual a melhor tática para enfrentar este grave problema? Ainda seria na base do “risco que corre o pau corre o machado”?
Vocês têm razão. Infelizmente o capital está avançando muito sobre novas áreas de recursos naturais, seja da terra, água, biodiversidade, etc. E o Maranhão, estando na pré-Amazônia, é a ultima fronteira agrícola de terras agricultáveis, sem problema de seca, e por isso o capital enxerga o Maranhão, e também Tocantins e Piauí, como suas prioridades para avançar.
E há inclusive presença do capital estrangeiro, através de diversas empresas que controlam o comercio da soja, da celulose, etc. Como enfrentar isso tudo? Somente com muito trabalho de base, para desenvolver a consciência na sociedade e, sobretudo, realizar ações de massa. Só o povo organizado e mobilizado pode exercer uma força suficiente para barrar o avanço do capital.
Vias de Fato – Já na década de 70 o Maranhão era, segundo o IBGE, o Estado com maior concentração de terras no Brasil. Em três décadas, a coisa piorou com o avanço da soja, eucalipto, da cana de açúcar, dos grandes enclaves econômicos e da presença cada vez mais consolidada da mafiosa estrutura oligárquica. Se o Brasil é um dos piores do mundo na questão agrária, o Maranhão é um dos piores do Brasil? Qual sua impressão a respeito disto?
Infelizmente, neste ponto, vocês também têm razão. O território ocupado pelo Maranhão é hoje, no planeta Terra, a região do mundo de maior concentração da propriedade da terra. Ou seja, nesse território é aonde tem menos democracia de acesso à terra. E onde o povo está mais excluído de exercer esse direito republicano de poder ter seu pedaço de terra, e deixar de ser explorado por outros fazendeiros.
Vias de Fato – Luis Vila Nova, em recente entrevista para o Vias de Fato, nos disse indignado que, na região onde ele vive (Buriticupu), o filho do lavrador não quer mais trabalhar na terra. Na opinião dele, isto é resultado da total ausência de uma política séria, destinada ao pequeno agricultor. Este é um fenômeno que atinge o Brasil como um todo?
A política do capitalismo é igual em todo Brasil e em todo mundo. A tendência do capitalismo é concentrar a mão-de-obra em poucas regiões urbanizadas. Para facilitar o acesso, a exploração e concentrar o consumo. Mas isso não é desenvolvimento, nem esta relacionado com as melhorias das condições de vida da população.
Nós, da Via Campesina, defendemos um projeto de desenvolvimento, que democratize a terra, que implante agroindústrias cooperativadas nos assentamentos e municípios do interior, que leve escola em todos os níveis pro interior. Isso garantirá outros tipos de emprego, sobretudo para a juventude, que tem razão, não precisa mais pegar na enxada.
Isto garantiria renda para as famílias não migrarem, nem para a cidade, nem para outras regiões. Então, o modelo é simples: distribuir terras, implantar agroindústrias e escolas em todos os níveis, que a juventude, a população melhora de vida e não sai mais da sua região.
Vias de Fato – Aqui no Maranhão a máfia da madeira age livremente, com apoio e/ou omissão de poderes municipais, estadual e federal. Recente, houve as operações Arco Verde e Arco de Fogo, mas nada mudou. Você tem informações de como está este problema em outras regiões do Brasil?
Isso é um mal que afeta a todas as regiões que ainda têm reservas de madeira ou qualquer recurso natural. Os pensadores clássicos que estudaram o capitalismo identificaram a formação de uma burguesia predadora dos recursos naturais, que chamavam de lumpen burguesia.
São lumpens, oportunistas, que adotam todo tipo de métodos, desde corrupção, até assassinatos, para garantir para si, e se apropriar indevidamente de um bem da natureza, que não é fruto do trabalho humano, mas tem elevado preço, como: madeira, minérios, terras, água, arvores, e assim enriquecerem muito mais rápido do que os capitalistas que se dedicam a organizar a produção.
E infelizmente em toda Amazônia, nós temos a hegemonia de uma lumpen burguesia, que se dedica apenas a isso. E o pior, são eles que controlam a maior parte das instituições públicas, seja de prefeituras, governos estaduais, poder Judiciário e entidades que deveriam controlar o meio ambiente.
Vias de Fato – Entre o final de 2008 e começo de 2009, o MST foi o movimento que se posicionou contra o golpe que recolocou Roseana de volta ao governo do Maranhão. Um acampamento de lavradores feito em frente ao Palácio dos Leões, em dezembro de 2008, foi o ponto de partida para que houvesse uma tentativa de resistência. Você mesmo esteve aqui, algumas vezes, participando de atos populares. Hoje, qual a avaliação que você faz daquele processo político?
Nós do MST e da Via Campesina, junto com alguns setores da cidade, identificamos a tentativa de derrubada do governo Jackson Lago como um golpe de estado. Afinal, ele tinha sido eleito democraticamente pela ampla maioria do povo maranhense. E os motivos de sua cassação eram estapafúrdios, manipulados.
Aliás, a oligarquia Sarney sempre se manteve no poder utilizando-se de métodos golpistas e da corrupção. E nunca o Poder Judiciário interferiu, porque também ele estava sob sua influencia.
Infelizmente aconteceu no Maranhão o que o governo imperialista fez com Honduras. São as mesmas forças. O governador Jackson cometeu os acertos de enfrentar o Bradesco, de descentralizar os recursos públicos, de construir escolas, de diminuir as verbas para publicidade.
De se aproximar do governo venezuelano, para abrir mercado aos produtos maranhenses. E cometeu erros de ter mantido aliados muito ruins, setores oportunistas, que estavam em seu governo apenas para tirar proveito. E não soube lidar com as greves dos professores.
Isso tudo gerou um clima que as oligarquias se aproveitaram para lhe derrubar. E os movimentos sociais não tiveram capacidade de criar um amplo movimento de massas que lograssem ter forças suficientes.
Muitos setores populares e das igrejas ficaram só assistindo, e em política, quando você só assiste, você já está derrotado. Espero que nas próximas eleições o povo maranhense se dê conta, e dê o troco, impedindo a reeleição desse governo espúrio e golpista da Roseana Sarney.
Vias de Fato – Em sua palestra na UFMA você disse que acredita que a vinda de Chávez ao Maranhão, para assinar convênios com o governo Jackson, acelerou o golpe em favor de Sarney. Explique isto melhor.
Claro. A aproximação do governo Jackson com o governo venezuelano, que poderia abrir mercados para produtos maranhenses e também implementar programas de cooperação que pudessem melhorar as condições de vida da população, acenderam a luz amarela para as elites. Poderíamos ter construído parcerias para desenvolver habitação popular, com cimento venezuelano mais barato.
Poderíamos ter aplicado um amplo programa de alfabetização de adultos (o Maranhão é ainda o estado do Brasil com maior índice de analfabetismo). Poderíamos ter desenvolvido programas de agroindústria para industrializar os produtos agrícolas, e exportá-los para Venezuela, aumentando a renda e evitando a migração do povo do Maranhão.
Tudo isso foi observado com preocupação pelas elites. Lembre-se que no Senado, quem mais brigou para impedir a aprovação da entrada da Venezuela no Mercosul foi o senador Sarney. Pior, por puro preconceito ideológico e para impedir a aliança que descrevi. Pois toda a burguesia industrial brasileira pressionou e a Venezuela acabou aprovada pelo congresso sua entrada no Mercosul. Ou seja, o senador Sarney é tão atrasado que não representa mais nem os interesses da burguesia brasileira. É o imperador do atraso!
Vias de Fato – Hoje, começa a virar senso comum no Maranhão, inclusive entre pesquisadores e professores universitários, o fato da política maranhense ter assimilado as práticas do crime organizado. Hoje, ao invés de política, temos máfia. Nesta conjuntura maranhense, tão carente de mudanças, qual deveria ser em sua opinião, o papel da nossa sociedade civil?
O Brasil inteiro passa por um período histórico de letargia da sociedade organizada e dos movimentos sociais. Faz parte desse ciclo de descenso do movimento de massas. Nós tivemos uma grande derrota política, como povo brasileiro, em 1989. Aquela disputa foi de projetos. Não poderíamos ter perdido. Se tivesse havido uma aliança ainda no primeiro turno entre Lula e Brizola, talvez tivéssemos evitado aquela derrota política. E o resultado é a constituição de uma hegemonia social, política e econômica, dos setores da burguesia brasileira subordinados ao capital internacional.
Mesmo a vitória do Lula em 2002, que foi importante, como uma necessidade de frear a continuidade do neoliberalismo, foi insuficiente ainda para reconstruirmos um projeto popular para o país. Pois há uma ausência das forças populares na política.
E esse contexto se reproduz com mais força ainda, nas regiões periféricas do país, como Maranhão. E na ausência das forças populares e da sociedade ativos, a burguesia se locupleta de todas as formas, para aumentar seu poder econômico, político e judiciário. Mas isso faz parte de um período histórico. Não será eterno. Em geral dura uma geração, e por isso tenho certeza, que estamos nos aproximando de um novo ciclo histórico, que virá com um novo reascenso do movimento de massas, única forma de alterar essa situação trágica.
Vias de Fato – Segundo estudo do saudoso Daniel Hertz, por intermédio do grupo Sarney/Globo/Mirante, o Maranhão no início desta década já era o estado brasileiro com maior concentração dos meios de comunicação. Em sua palestra na UFMA você apontou a grande mídia como sendo principal porta voz da elite nacional. Qual a alternativa para enfrentar este grave problema?
Durante o período da consolidação do neoliberalismo, que é a etapa do capitalismo hegemonizado pelo capital financeiro e pelas corporações transnacionais, a classe dominante mudou o papel dos meios de comunicação.
Durante o período republicano do capitalismo industrial, os meios de comunicação eram vistos como negócio, mas também como meio de comunicação mesmo, que deveria ter um certo controle do estado, em nome da sociedade.
Agora, no neoliberalismo, eles continuam sendo fonte de lucro, cada vez mais concentrado, ou seja, com um poder econômico cada vez maior e, sobretudo, se transformaram na principal forma de reprodução da ideologia dominante entre os pobres. Sobretudo através da televisão. Que é a maquininha de enganar os pobres. Que sem cultura, sem escola e sem lazer, são cativos dessa artimanha.
Isso esta gerando uma sociedade manipulada pela imprensa, e totalmente despolitizada. E isso afeta a democracia em nosso país. Por isso é condição para uma sociedade democrática, que os meios de comunicação e de reprodução das idéias, sejam democráticos.
Infelizmente não temos força para mudá-los. O governo Jackson e o governo Lula foram vítimas inclusive da imprensa. E não tiveram força para se contrapor. O que salvou o Lula foram suas raízes e seu carisma, que serviram de anestésico, para o povo não se iludir e continuar votando e acreditando nele, e não na Globo.
Se fosse pela Globo e seus comparsas estaduais, teríamos um novo governo golpista em maio de 2005. Lembre-se que até o neo-lulista e ministro Mangabeira Unger clamava nos meios da Globo por um novo governo, chamando Lula do governo mais corrupto da história… Repito, só vamos mudar isso, que é uma necessidade, com um reascenso do movimento de massas, com a reorganização da sociedade civil, num novo ciclo histórico.
Vias de Fato – Em sua estada no Maranhão, você esteve reunido com os padres Combonianos e com representantes do Sindicato dos Ferroviários. A pauta foi a campanha Justiça nos Trilhos. Qual sua avaliação sobre o recente encontro internacional dos atingidos pela Vale?
Nós temos uma contenda histórica com a empresa Vale. Por duas razões fundamentais: Primeiro, a Vale foi roubada do povo brasileiro, como está na sentença do Tribunal Federal Regional de Brasília, que analisou e anulou o leilão.
Uma empresa estatal de valor estimado em mais de 200 bilhões, ser vendida por 3 bilhões, até no inferno seria classificado como roubo público. Portanto, os atuais diretores são prepostos de um roubo. Uma empresa estatal que agora está usurpada por bancos como o Bradesco, e que tem 52% de suas ações de propriedade estrangeira, é uma vergonha para nosso povo.
O segundo motivo é que, do alto de sua prepotência e poder econômico, a empresa não respeita a nada (basta saber que seu PIB é maior do que o PIB do estado do Maranhão e Pará juntos). Hoje é mais importante ser presidente da Vale que governador do Pará e Maranhão juntos.
Com um detalhe, ninguém vota no presidente da Vale. Foi o presidente do Bradesco que escolheu seu pimpolho preferido, o Sr. Angelli, para ser presidente da Vale.
Ela não respeita o meio ambiente, não respeita a população. Mais de 200 pessoas do Pará e Maranhão perderam a vida ao longo dos trilhos da Vale, e não acontece nada! Isso também acontece em Minas, aonde a Vale tem outras minas.
Isso também acontece em outros países aonde a Vale agora está investindo. Por que será que os trabalhadores mineiros do Canadá, empregados da Vale, estão em greve há mais de seis meses?
A Vale deve mais de 700 milhões de reais em impostos de serviços para a Prefeitura de Parauapebeas e não há quem faça cobrar. Se alguém dos leitores ficar devendo 10 reais para a prefeitura de São Luís, já vai para a Serasa e tem seu CPF punido.
Então, conversamos sobre a necessidade de construir um verdadeiro movimento de massas, que consiga pressionar as autoridades para que a Vale respeite os direitos humanos, respeite os direitos dos trabalhadores, da população que vive na região.
E quem sabe, quando vier o reascenso do movimento de massas, o povo brasileiro certamente deverá recuperar o controle sobre a maior empresa de minérios do mundo, que os bancos e os norte-americanos nos roubaram.
E com isso continuam nos roubando o minério de ferro, que é vendido a preço de banana, o lucro vai pros acionistas privados, e nem sequer pagam ICMs sobre as exportações, e o povo fica com o passivo ambiental, e com suor e lágrimas…
Vias de Fato – O Lula fez o governo da conciliação, da acomodação. Um governo pelego, na linguagem sindical. Qual, em sua opinião, a perspectiva da esquerda brasileira após o governo Lula?
O governo Lula encerra um período histórico. A esquerda brasileira precisa fazer um balanço e debater com profundidade a natureza do capitalismo brasileiro, a natureza da luta de classes, e se dedicar prioritariamente a organizar o povo. Não há esquerda sem povo organizado.
Defender mudanças sem ter gente organizada para isso é apenas idealismo. A força das mudanças está no povo organizado. Mas infelizmente os grupos de esquerda no Brasil estão em crise, não ideológica, de não ter visão política, mas em crise de organização social.
Espero que no próximo período, a esquerda possa fazer essa reflexão e se dedicar a organizar os trabalhadores, os operários, os camponeses e o povo em geral, para construir um projeto popular, que tenha forças suficientes para realizar mudanças estruturais.
O capitalismo só aumenta os problemas da vida, das maiorias, do povo, independente do governo que estiver de plantão. Então, mais além de governos democráticos, precisamos também de projeto de país, que represente os interesses de quem trabalha.
Vias de Fato – Em sua palestra para um grupo de professores e professoras do Maranhão você falou sobre a privatização da água. Contextualize a hidrelétrica de Estreito, dentro deste processo de privatização.
Com a crise do capitalismo internacional, em sua fase dominada pelo capital financeiro, ao contrário do que imaginávamos que iria abrir brechas para mudanças no Brasil, eles aumentaram sua força sobre a economia brasileira e latino-americana.
Percebemos que nos últimos anos aumentou, se transformou numa ofensiva do capital financeiro internacional que vem para nosso continente para se proteger da crise, e para se preparar para o próximo ciclo de expansão do capital.
E como fazem isso? Investindo no controle dos recursos naturais. Eles estão investindo no controle da terra, das riquezas minerais, da celulose, do monocultivo de soja, eucalipto e no controle da água. Seja para transformá-la em energia, seja para controle da água potável.
Assim, todos os projetos de hidrelétrica, na Amazônia e pré-Amazônia, do qual a hidrelétrica de Estreito é o mais avançado, estão dentro desse contexto. Nós não precisamos de mais energia pra economia brasileira.
Bastaria fazer um racionamento adequado, poupar, evitar o desperdício e usar algumas hidrelétricas como Itaipu e Tucuruí, de noite, por exemplo, que já teríamos energia sobrando. Mas, o capital internacional, aliado com prepostos nacionais, que estão investindo para controlar a energia elétrica.
O Brasil e a América Latina é a ultima fronteira de expansão de energia elétrica natural do mundo. E como vão levar essa energia para seus países? Através dos produtos que usam muita energia: alumínio, minério de ferro (daí os planos das novas siderúrgicas poluidoras que a Europa não quer) e a celulose…
Vias de Fato – A Escola Nacional Florestan Fernandes a pouco tempo começou a trabalhar num projeto que envolvia o legado de Maria Aragão, Darcy Ribeiro, Madre Cristina, Caio Prado, Nísia Floresta, Paulo Freire, entre outras figuras da história nacional. Como anda este projeto?
Bem, primeiro gostaria de dizer que esses pensadores brasileiros, e outros não citados, como Rui Mauro Marini, Josué de Castro, Manuel Correia de Andrade, etc., fazem parte da ideologia da escola.
Ou seja, em todos os cursos procuramos utilizar o pensamento e a contribuição desses grandes pensadores brasileiros, para entender a realidade brasileira. Por isso, difundimos seu pensamento, pelos livros, cartilhas, debates e o estudo na escola. Mas estamos também sentindo a necessidade de massificar seu conhecimento para a militância em geral e para a juventude (que a escola e a imprensa neoliberal os esconde).
E aí começamos a desenvolver um projeto de utilizar o audiovisual, em módulos adequados para a televisão e para sala de aula, que difundisse, de forma didática e ilustrativa, o pensamento desses grandes brasileiros.
O projeto já está em andamento, estamos desenvolvendo os documentários sobre eles, temos um convênio com a Fundação Darcy Ribeiro, com a TV Educativa Paraná, com a Caixa e o Ministério da Cultura, e espero que, até o final do ano, já possamos distribuir amplamente em todas as escolas e tevês comunitárias e públicas do Brasil os documentários, acompanhados por cartilhas.