Camponeses haitianos convocam marcha contra Monsanto
Por Thales Gomes
Direto do Haiti
A notícia de que a multinacional Monsanto iniciou uma doação de 475 toneladas de sementes de milho ao Haiti vem causando sérias divergências na sociedade haitiana, em especial nos movimentos camponeses.
“Trata-se de um novo terremoto mais perigoso a longo prazo do que o que ocorreu em 12 de Janeiro. Não se trata de uma ameaça, mas de um ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no Haiti”, afirmou Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana.
Para denunciar esse presente mortal da Monsanto, os movimentos camponeses estão organizando uma série de manifestações e atos públicos ao longo de todo o país. O primeiro deles ocorrerá no próximo dia 4 de junho de 2010, na região de Papay, no departamento Central do Haiti.
A manifestação terá início com o plantio de sementes de milho e feijão crioulos na região, seguido de debates e discussões públicas sobre os perigos das sementes transgênicas e o histórico de crimes da empresa Monsanto pelo mundo.
A seguir, uma grande marcha popular, que contará com participação de camponeses de todos os departamentos do Haiti, além de delegados de outros países, partirá rumo à capital Enche sob o lema “Marcha popular contra a Monsanto e seus cúmplices”. A previsão da organização é que mais de 10.000 marchantes participem deste ato.
Em solidariedade à mobilização dos camponeses e lutadores populares haitianos, a Via Campesina Brasil, através de sua Brigada Internacionalista no Haiti, enviou-lhes carta afirmando que “não podemos concordar que a catástrofe de 12 de janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da Minustah – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro – e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.”
Confira a seguir a íntegra da carta apresentada pela Via Campesina Brasil aos movimentos camponeses haitianos:
“É com profunda indignação e preocupação que os movimentos sociais que compõem a Via Campesina Brasil tomaram conhecimento do presente mortal que a Monsanto está oferecendo aos camponeses e camponesas haitianos.
Indignação por saber que as terríveis conseqüências do terremoto que abalou o Haiti em 12 de Janeiro de 2010 – deixando mais de 300 mil mortos e milhões de desabrigados – estão sendo utilizadas como pretexto para a entrada em solo haitiano desta multinacional estadunidense que é a líder mundial do mercado de sementes e que produz 90% de todos os transgênicos plantados no mundo.
A doação das 475 toneladas de semente de milho e hortaliças pode até ser propagandeada como uma ação de generosidade da Monsanto com o povo haitiano. Mas conhecendo o retrospecto desta multinacional como nós da Via Campesina Brasil conhecemos, temos clareza que se trata de mais uma infame tática empresarial para aumento inescrupuloso de lucros. Lucros que virão à custa da exploração das famílias camponesas e de golpes fatais à soberania alimentar do Haiti.
Preocupação por ver nesse presente mortal uma trágica repetição do que ocorreu em nosso país na última década. Há menos de 10 anos, a multinacional Monsanto iniciou um processo de contrabando de sementes transgênicas e sua introdução clandestina no Brasil. Quando as autoridades brasileiras acordaram para o fato, havia dezenas de milhares de agricultores utilizando as sementes geneticamente modificadas de forma ilegal.
Apesar dos protestos e das fortes mobilizações dos movimentos sociais, o governo brasileiro deu provas de sua subserviência e aprovou à época o cultivo dos 4,5 milhões de hectares cultivados ilegalmente com sementes transgênicas da Monsanto. Resultado: Hoje o Brasil é o segundo país que mais planta sementes transgênicas em todo o mundo – com uma área cultivada de mais de 21 milhões de hectares está atrás apenas dos EUA. 55% das sementes de soja plantadas no país são transgênicas. Por monopolizar este mercado – a transnacional controla 70% do mercado nacional – a Monsanto fica livre para impor seus preços aos camponeses.
Além do mais, todo camponês que planta as sementes transgênicas da Monsanto é obrigado a pagar royalties, ou seja, uma porcentagem da colheita aos donos da empresa produtora das sementes transgênicas. Outro fator é que os agricultores não podem replantar as sementes, sendo obrigados a comprar a cada época de plantio novas sementes das mãos da Monsanto. Isso viola gravemente a soberania alimentar e a autonomia dos camponeses.
Junto com as sementes transgênicas, a Monsanto trouxe também seu pacote de agrotóxicos. Sim, porque suas sementes são alteradas geneticamente para suportar os efeitos danosos dos seus herbicidas e pesticidas. O mais famoso deles é o Roundup, um perigoso veneno acusado de ser um agente provocador de câncer e proibido em diversos países. Não é o caso, infelizmente, do Brasil, onde o Roundup é comercializado livremente.
Somos, inclusive, o maior consumidor mundial de venenos – na safra passada foi consumido 1 bilhão de litros de agrotóxicos, uma assustadora média de cinco litros de veneno por habitante. Isso vem degradando nossos solos, afetando o lençol freático, contaminando até as chuvas, além é claro dos alimentos. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado para o fato de que o aumento nos casos de câncer no país está diretamente ligado ao crescente uso destes agrotóxicos.
Nós, os movimentos que compõem a Via Campesina Brasil, defendemos e lutamos pela soberania alimentar do povo brasileiro e de todos os povos do mundo, inclusive o Haiti. Nosso compromisso solidário com os camponeses haitianos está concretizado na nossa Brigada Dessalines de Solidariedade ao Povo Haitiano, composta por mais de trinta camponeses e camponesas brasileiros que desde 2009 estão em solo haitiano trabalhando em conjunto com os movimentos camponeses na construção de um Haiti mais justo e soberano.
Não podemos concordar que a catástrofe de 12 de janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da Minustah – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro – e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.
É por isso que apresentamos nosso irrestrito apóio às mobilizações populares que ocorrerão no próximo dia 04 de junho de 2010, na região de Papay, no departamento Central do Haiti, com o objetivo de denunciar e combater a entrada da multinacional Monsanto e suas sementes transgênicas no país. Esperamos que essa seja a primeira de muitas outras manifestações que impedirão os planos de morte da Monsanto e do capitalismo neoliberal no Haiti.
Toda solidariedade ao povo lutador do Haiti, herdeiro da força e coragem de Capóis La Mort, Toussaint Louverture, Alexander Petion, Henri Kristophe e Jean Jacques Dessalines, primeiros libertadores de Nuestra América!
3 de Junho de 2010
Tirivye de Latibonit/Haiti
Via Campesina Brasil
Brigada Dessalines de Solidariedade ao Povo Haitiano”