Brasil quer afastar precaução ambiental de agrocombustíveis
Por Verena Glass
Do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis
Na 10ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas – de 18 a 29 de outubro, em Nagoya (Japão) -, o Brasil deve reforçar a disposição de evitar possíveis regulamentações ambientais para o setor de agrocombustíveis.
Segundo informações do Itamaraty, o governo deve dar prioridade aos interesses econômicos do país ante possíveis problemas ambientais envolvendo cultivos utilizados para a produção de agorenergia.
Durante a COP-9 em 2008, que foi realizada na Alemanha, o Brasil liderou manobras para postergar a decisão sobre a aplicação do principio da precaução – garantia contra os riscos potenciais à biodiversidade que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados em um determinado elemento ou evento – aos agrocombustíveis , o que rendeu uma inédita vaia pública aos diplomatas brasileiros.
O Brasil foi um dos primeiros países a aderir à CDB da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja função é definir regras para a conservação da biodiversidade do planeta, seu uso sustentável e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos. A 8a Conferência das Partes (COP-8) teve inclusive Curitiba (PR) como sede.
Segundo o diretor do Departamento de Energia do Ministério de Relações Exteriores (MRE), ministro André Corrêa do Lago, os agrocombustíveis não deveriam ser discutidos na CDB, já que são tratados como tema prioritário em outros espaços, como a Convenção do Clima e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
“Não concordamos que um eventual impacto sobre a biodiversidade prejudique os agrocombustíveis, muito menos que se proponha uma moratória para o setor sob o princípio da precaução, como chegou a ser sugerido por países africanos. O que ocorre é que dá para produzir de forma boa ou de forma ruim. Vamos explicar como produzir de forma sustentável”, defende.
De acordo com ele, “nada seria aprovado, se examinado do ponto de vista exclusivo dos impactos sobre a biodiversidade”. “Temos que ter claro que, para o desenvolvimento de países pobres, as vantagens dos agrocombustíveis são mais importantes que as desvantagens”, completa.
Na mesma direção, Pedro Brancante, que é subchefe da Divisão de Recursos Energéticos Renováveis do Ministério de relações Exteriores (MRE), afirma que a delegação brasileira desconsidera as incertezas científicas quanto aos agrocombustíveis. Para ele, o pais já desenvolveu pesquisas e práticas suficientes para comprovar a segurança dessas culturas e defende que, “mesmo passando por uma abordagem precautória, os agrocombustíveis não merecem ser objeto [da CDB] quanto à sua incerteza científica”.
“A CDB só enxerga um pedaço da cadeia, que trata da agricultura, e as culturas agroenergéticas são utilizada também para a produção de alimentos. Por isso, é incoerência singularizar os agrocombustíveis”, prossegue.
Já Roberta Maria Lima Ferreira, da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty, explica que, na corrida pelos mercados agroenergéticos, o país tem feito investimentos altos e pretende garantir o retorno econômico. “O Brasil precisa se manter na liderança do setor [agroenergético]. Se não somos nós, outro país ocupa esta posição”, argumenta.
O posicionamento do governo brasileiro, que já causou preocupações entre movimentos e organizações socioambientalistas na COP-9 em 2008, vem gerando uma reação mais enfática neste ano.
Reunidas em Brasília nos dias 16 e 17 de setembro em plenária nacional para a elaboração de recomendações ao governo quanto à COP-10, as organizações exigiram que o posicionamento do Brasil “esteja voltado à conservação e uso sustentável da biodiversidade, pautando-se pelos princípios da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, principalmente o Princípio da Precaução”. E continuam: “É inaceitável que a posição do Brasil se paute por interesses de mercado, subordinando a Convenção da Diversidade Biológica às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.
De acordo com Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), a tendência implícita de defender interesses econômicos nas negociações da CDB (em detrimento de princípios balizadores já acordados) não apenas viola a legislação brasileira, como também ameaça a própria instituição.
“A Lei de Biossegurança do Brasil é baseada no princípio da precaução. Se o Brasil forçar um precedente com a exceção dos agrocombustíveis estará esvaziando a própria CDB. O Brasil é pioneiro nas pesquisas de cana transgênica, por exemplo, sendo que três pedidos de liberação planejada já tramitam na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)”, coloca o representante da AS-PTA, que participou da plenária nacional. “Os agrocombustíveis tem um enorme potencial de impacto sobre a biodiversidade, uma vez que são produzidos no modelo de monoculturas extensivas, com grande exposição, uso de produtos químicos e dificílima prevenção de impactos sobre o meio ambiente. A começar por isso, é imprescindível que os agrocombustíveis sejam tratados na CDB, e à luz do princípio da precaução”.
A pesquisadora da ONG Terra de Direitos, Camila Moreno, alerta, por sua vez, para estágios mais avançados da tecnologia genética na produção de agroenergia, como o uso da biologia sintética. Esse recurso já é aplicado pela empresa norte-americana Amyris no Brasil. “Eles fizeram modificações genéticas em uma levedura, pegaram um organismo vivo, esvaziaram seu DNA e implantaram um novo. E esses fungos são capazes de processar a cana em tempo recorde. Imagine o que pode ocorrer com o ambiente se esses organismos ´fugirem´ do laboratório”, alerta Camila.
Entre as recomendações elaboradas ao governo, as organizações sociais e ambientais exigem o apoio à aplicação do principio da precaução à produção de agrocombustíveis e de suas matérias primas; a identificação dos biomas sensíveis e de alta biodiversidade como zonas de exclusão da produção de agrocombustíveis e de suas matérias primas (à exceção das atividades em pequena escala e de forma sustentável de agricultores familiares, comunidades locais e povos indígenas); e o veto ao desmatamento de vegetação primária e secundária para a produção de agrocombustiveis.
Pedem ainda que seja assegurado que a produção de agrocombustiveis não venha a ameaçar a segurança alimentar e nutricional, comprometendo o alcance global dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs); e que o governo dê apoio à recomendação de moratória da biologia sintética, assegurando que não seja permitida qualquer liberação destes organismos no ambiente, e que o seu uso comercial seja proibido (inclusive em ambientes confinados, como no setor de biorrefinaria), até que se entenda e avalie os impactos ambientais, culturais e socioeconômicos desta tecnologia.